Quando a Justiça Enxerga

Três papéis importantes posavam sobre minha mesa, os autos de um processo, o rascunho do que eu estava escrevendo sobre o mesmo processo, e um pedaço de papel com um número anotado. Eu já sabia o que havia no processo, sabia como terminaria meu rascunho e também sabia o que ouviria se discasse aquele número, suborno, chantagem, cobrança de favores, algo que certamente faz parte do cotidiano de meu país. O que eu poderia fazer se nasci no lado errado do mundo? Disquei o número:

— Alô? — Ouvi do outro lado da linha.

— Doutor Marcelo Pereira? Aqui fala o Promotor Henrique.

— Ah! — A voz demonstrou certa surpresa — Estava mesmo esperando você ligar, então, soube que o caso das empresas Garcia ficou com você, como sabe, foi tudo um mal entendido, eu sou o advogado do Dr. Garcia e estou encarregado de resolver a questão, podemos abreviar muitos problemas e aliviar a justiça entende? Tudo depende de um relatório bem realista do ministério público, claro que não queremos pressioná-lo Dr. Henrique, estamos apenas pensando em resolver problemas que vão apenas ocupar seu tempo por anos se prolongarem-se mais do que devem, e olhe, o Dr. Garcia me autorizou a lhe oferecer um presente, ele admira o seu trabalho na promotoria, é o reconhecimento que um cidadão honesto lhe dá pelo excelente trabalho que realiza.

— O próprio Doutor Garcia autorizou?

— Sim.

— E o que seria o presente?

— 50 mil. Estarão na sua conta assim que der o sinal verde.

— E tudo o que preciso fazer é apenas fazer um relatório favorável?

— Exatamente.

— Ótimo Doutor Marcelo, imagino que depois dessa as empresas Garcia terão mais cuidado ao ocultar essas pequenas irregularidades não é?

— Não se preocupe com isso, desse vez o problema foi apenas um ex-funcionário que fala demais, mas não existe nenhuma prova concreta não é? Um relatório favorável a nós pela promotoria e tudo estará bem.

— Tem razão, tudo estará bem. Escute Doutor, tenho que desligar agora para resolver algo urgente, logo entrarei em contato novamente para ajustar tudo, providencie o dinheiro.

— Tudo bem, tenha um bom dia.

— Ok, até breve.

Pousei o fone no gancho ao mesmo tempo em que o um de meus auxiliares adentrava a sala com uma pequena fita na mão:

— E então? Gravou tudo?

— Sim Doutor.

Chega a ser sádico o prazer de fazer o que fiz. Agora tinha finalmente uma prova consistente para usar no processo, além de ter incriminado um advogado e um empresário corruptos. Eles ainda não aprenderam que sou vacinado contra essas tentativas, uma vacina que me custou muita dor, que me custou ver a vida de um inocente destruída, mas enfim, agora todos eles pagarão caro para que a vida daquele homem tenha valido a pena. Como diria um herói decente, se não pode vencê-los, dê-lhes o máximo de trabalho que puder.

Fim.

Ian Morais
Enviado por Ian Morais em 22/01/2009
Código do texto: T1399099
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