Prólogo: A Morte do Rosário Branco

Esse texto é apenas o prólogo do livro que estou escrevendo.

A figura feminina, nua, pálida, esbranquiçada conduz-se ao fundo do lago, seus olhos fechados. Os fios ruivos de seu cabelo nitidamente separados e espalhados pela água como se estivessem em uma área cheia de estática. Corpo totalmente inerte, conformando-se com a situação.

Bolhas de terror são expulsas agressivamente de suas narinas enquanto os olhos cor de mel se abrem repentinamente, parecendo entender o terror emanado das bolhas. A mulher olha para todos os lados, querendo ter certeza de que realmente se encontra ali (a conformação se fora). Seu corpo luta contra nada, tentando se livrar de mãos invisíveis até a vítima tomar consciência de que deve subir à superfície antes que o ar desapareça por completo de seus pulmões. Ela olha para cima identificando a saída – sua única saída – e procurando confortar-se com alguma imagem distorcida de algo no exterior do lago, mas está muito escuro e se encontra muito no fundo para isso. Começa a subir agora antes que seu pulmão adormeça para sempre, está ávida por oxigênio, quer oxigênio, PRECISA de oxigênio.

Minutos parecem horas e sua vida parece ganhar uma nova chance, está quase alcançando a superfície, a tão desejada superfície. A distância está mais curta agora, faltam apenas... Ela simplesmente trava no caminho, uma desconfortável sensação de peso em sua perna esquerda, qualquer tentativa de movimento é inútil. O mistério da origem daquele problema é rapidamente resolvido com uma olhada para baixo. Uma corrente. Uma maldita corrente presa ao seu calcanhar esquerdo e ligada a uma enorme e assustadora pedra.

O oxigênio ainda insiste – por sorte - em permanecer em seus pulmões, mas não parece que será por muito tempo. As delicadas mãos se apressam em tocar a corrente enferrujada como se soubessem que em algum ponto dali haveria um botão de ABRIR. Mas é lógico que não há botão e nem mais forças e a certeza de uma nova vida é substituída por uma nova e horrível versão de medo: o medo sem esperança.

Chances? Acabaram. Quem quer que tenha feito isso a ela, fez um trabalho bem feito. Não apenas a deixou para morrer, como também a impediu de talvez conseguir sobreviver.

Relaxa, deixa assim como está. Você não vai conseguir mesmo. – É o que diz a voz em sua cabeça. O pior de tudo: é sua própria voz. O que é ainda pior: o corpo obedece. Ele relaxa e se deixa cair naquela situação, naquele fundo escuro e sombrio do lago. Agora a mulher ruiva que lutava fortemente por sua sobrevivência não passa de um corpo destinado a repousar sob litros e mais litros d’água e a lentidão com que isso acontece chega a tornar tudo chato. O corpo simplesmente “engatinha” para o fundo, novamente conformado.

***

O parque continua acompanhado pelo silêncio e monotonia da noite. Não há mais nada agora além de árvores, bancos de madeira pintados de branco, alguns daqueles chafarizes em forma de anjo cuspindo seus jatos cintilantes pela boca aqui e ali e... O lago. O lago onde tudo aconteceu. Ele. Ali, no centro do parque, chamando atenção por seu tamanho e brilho, como uma enorme nave espacial pousada em um campo de futebol. Não é de todo límpido, mas ainda assim não deixa de ser grandioso. Pena que serviu de palco para a morte de uma mulher inocente. Inocente?

Leandro Freire
Enviado por Leandro Freire em 19/01/2009
Reeditado em 11/02/2009
Código do texto: T1392445
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