Diário de um caçador - Parte 1

O lugar tinha um nome interessante para um hotel: Duat. Remetia-me aos meus estudos de mitologia egípcia quando era estudante de História, jovem e inocente. Lembrei-me do que aquela palavra significava enquanto caminhava sobre o chão coberto de neve. Submundo. O reino de Anúbis. Curiosamente, era aquele deus que me protegia, segundo meu então professor de Egiptologia.

Eu me protegia da neve que caía com um guarda-chuva preto. Aliás, de preto eram tingidas toda a minha idumentária. O sobretudo de couro estava bem fechado, me protegendo do vento cortante. Meus cabelos curtos, negros, eram fustigados pela brisa gélida. Maldito lugar para aquele infeliz se esconder. Era um lugar lindo, sem dúvida, mas não naquele inverno dantesco.

Escondi-me sob a marquise da entrada, fechando o guarda-chuva após tirar o excesso de neve com uma sacudidela. Adentrei a pequena recepção, e murmurei à jovem que jazia atrás do balcão de atendimento:

- Procuro por Steffen.

A garota me olhou nos olhos. Já compararam meus olhos com safiras, mas prefiro dizer que são como águas marinhas pálidas. Ela, por sua vez, tinha olhos de dragão, intensamente verdes e cheios de uma agressividade inoculada, adormecida, um ímpeto de vida contagiante.

- E o senhor é...?

- Marcus.

Vi em seus olhos e no ligeiríssimo sorriso que deformou sensualmente os cantos dos lábios, carnudos e nus de tinta, que, mesmo estranhando meu sotaque travado, gostou do que ouviu. Verificou a lista de hóspedes, e murmurou:

- Quarto cento e dois.

- Obrigado.

Sorri levemente, meneando a cabeça enquanto já caminhava para a escada que o conduziria ao primeiro andar. Ela correspondeu e seguiu-me com os olhos. Tinha um olhar pesado, não era discreta. Devia ser daquelas que gemiam loucamente quando trepavam com alguém.

Meu destino era a segunda porta no corredor, a primeira à esquerda. Parei diante dela quando cheguei, avaliei, talvez até tenha hesitado, mas disso não me lembro. Bati duas vezes e aguardei.

A tranca foi liberada. Outro par de olhos verdes me encarou quando a porta entreabriu-se. Aqueles olhos não eram como os da garota. Não havia ímpeto de vida neles. Havia morte. Havia um desejo soturno e nefasto por sangue e morte.

- Anthropos nocturnem.

Aquele maldito alemão sorriu ao ouvir a senha, pois seus olhos diminuíram-se. Deu-me passagem, e entrei. O quarto era algo espartano, tendo somente uma cama, um criado-mudo e uma cômoda. Sobre esta jazia um ventilador, chegando a ser uma piada de mau gosto que estivesse ali.

- Pontual.

- Não gosto de me atrasar. E então, está aí?

- Sim. Eu tive alguns problemas, mas...

- Não estou interessado em suas lamúrias. A peça.

O alemão retraiu-se diante da minha frieza. Raça detestável. Puxou uma mala de sob a cama, abrindo-a e tirando de lá a entrega. A estatueta de bronze estava intacta. Um alívio. O alemão me passou a peça. Verifiquei cada nuance e meandro com detalhismo corriqueiro, como quem verifica rápida e eficientemente a integridade de alguma coisa.

- E o resto do pagamento?

- Tenho bem aqui.

Steffen sorriu quando me viu desabotoar o sobretudo. Fechou novamente a mala e a guardou. Guardei a peça no meu casacão.

Um ruído metálico fino soou, e no instante seguinte a cabeça de Steffen caía, pesada, no chão. O imbecil não percebeu quando fiz aquele movimento, quando apertei um botãozinho disfarçado junto ao cabo do guarda-chuva e arranquei um florete estreito, porém afiado e resistente o suficiente para fazer aquilo que fiz.

Seu corpo se desfez em cinzas diante de meus olhos. Foi impossível não sorrir. Ah, Margareth, minha doce...! Será que estava feliz pela vendetta que levava adiante contra aquela estirpe de condenados? Guardei a espada em seu lugar, tirei o celular de dentro do bolso externo direito do sobretudo. Dois toques e a pessoa do outro lado me atendeu, silenciosa.

- Sou eu. Feito. Sim, como o combinado. Por nada, senhor.

Desliguei o telefone. Não interessa aqui a conversa que tivemos, visto que foi rápida e irrisória. Refiz o caminho até a recepção. Olhei mais uma vez para a garota. Ela sentiu meu olhar, e um rubor suave tomou rapidamente as maçãs de seu rosto. Mesmo ficando velho, ainda causava bom efeito nas mulheres. Nada melhor para massagear o ego de um homem. Sorri, e murmurei:

- Tenha uma boa noite.