Efeito Kuleshov 2
Estrada 17
O mapa mostra de forma detalhada as estradas, rodovias, linhas de ferro e entre outros itens existentes pela área. As delicadas mãos de uma bela mulher o afastam enquanto conversa com o homem ao seu lado, dirigindo o carro em que se encontram.
- Tenho certeza que já passamos por aqui!
- Não passamos! Você não confia em mim?
- Em você eu confio. É o mapa que não me deixa segura.
- Eu sei que não estamos perdidos.
- Como pode ter tanta certeza?
- Há quanto tempo fazemos isso sem problema algum? E essa estrada é deserta, é tudo igual por aqui. Olhe ali!
Os últimos fios de luz do sol estão se escondendo e o carro passa por uma placa anunciando a “Estrada 17”.
- Viu? Estamos no caminho certo.
- Odeio quando está certo.
- Então não devia ter se casado comigo.
- O que quer dizer com isso?
O homem apenas sorri e pisca seu olho direito, ganhando um belo sorriso de sua mulher.
- Vamos comemorar!
Uma alta música de rock sai do rádio enquanto o homem dança sentado, ao mesmo tempo em que dirige.
- Desliga esse rádio, César! Vai acordar o Bruninho.
César olha para o banco de trás, onde repousa tranquilamente um garotinho loiro com seus olhinhos apertados e suas pequenas e brancas mãos sobre o pescoço.
- Desculpe, só quis animar a viagem.
- A sorte é que ele dorme como uma pedra.
Já é noite quando um homem jovem surge na lateral da estrada, pedindo carona com seu polegar levantado.
- Devemos parar?
- É claro, querida. Devemos sempre ajudar nossos semelhantes, não é?
César pára com o carro no canto da estrada e abre a porta traseira para que o homem entre. Estranho saber que um pai de família confia em alguém que acabara de ver em uma estrada e ainda o permite ficar no banco traseiro com seu filho ao lado.
- Muito obrigado por pararem!
- Qual o seu nome?
- Rogério.
- Muito prazer, Rogério. Essa aqui é a Helena e eu sou César.
- Apenas tome cuidado para não acordar o Bruninho.
- Sem problemas.
O estranho sujeito admira a criança por alguns segundos e depois volta a olhar para os dois da frente.
- Podem me deixar no Cemitério Camélia?
Helena olha para César como se também esperasse uma resposta.
- É claro.
- Obrigado.
O carro finalmente sai do lugar e segue seu caminho enquanto Helena está pensativa até que resolve falar.
- Desculpe perguntar, mas algum parente seu faleceu recentemente?
O estranho parece se incomodar um pouco com a pergunta, mas responde assim mesmo.
- Sim, uma tia minha estava viajando e depois nos ligaram falando que acharam o carro dela em um rio, mas o corpo está desaparecido. Nós fizemos um enterro simbólico.
- Onde ela estava?
- Na casa de uma amiga em Vassouras.
Helena está inquieta. Aquele homem não deveria estar no carro.
Ela olha para trás e vê o estranho observando o garoto dormindo. Por que olhar tanto para ele? Será que quer alguma coisa?
Ainda incomodada, Helena faz mais uma pergunta.
- Está há muito tempo pedindo carona?
- Sim, tive sorte de estarem passando por ali. Foi o primeiro carro que vi durante todo o tempo. Não sei por que a Estrada 17 é tão deserta.
O homem se ajeita no banco e Helena percebe que ele está armado, ficando paralisada de medo, sem nem ter condições para avisar ao seu marido.
Assustada, a mulher abre o porta-luvas e de lá tira papel e caneta. Ela escreve “ele está armado” e mostra disfarçadamente para César, que na mesma hora freia o carro bruscamente.
- O que houve? Por que paramos?
O estranho sujeito já bota a mão na arma.
- Nós sabemos que está armado.
César diz calmamente enquanto Helena olha para ele.
O homem nota que as mãos do garoto não estão mais sobre o pescoço e um grande corte está exposto, ficando desesperado.
- O que fizeram com...
Helena injeta algo no pescoço do homem, que cai inconsciente.
Escuridão total. Espaço apertado. Apenas o silêncio abafado de algo que parece ser o carro freando. O homem sente seu corpo imóvel, suas mãos e pernas estão amarradas e sua boca tapada com uma resistente fita crepe.
A escuridão some quando César abre o porta-malas do carro para pegar uma pá que está atrás do homem. Eles estão em um enorme terreno baldio com várias covas e César está cavando mais uma para botar o corpo do garoto.
O homem consegue ver mais um corpo no local.
- Hmmmm! Hmmmmmm!!!
E é o corpo de sua tia.
- Hmmmmmmm!!! Hmmmmmm!!!
Helena surge na sua frente.
- Não adianta gritar. Ninguém vai te ouvir. Quando falou da sua tia, lembramos da nossa passada em Vassouras naquele dia. Que coincidência, não é?
Ela se aproxima e sussurra em seu ouvido: deveria ter escondido melhor sua arma. Mas olhe pelo lado bom, agora você também vai ganhar um lugarzinho ao lado da tia.
- Hmmmmmmmmm!!!! Hmmmmm! Hmmmmmmmmmmm!!!
***
Nossos pais costumam dizer para não confiarmos em estranhos, mas aqui a regra virou do avesso. O estranho tornou-se a vítima. Vítima de seu próprio destino ao encontrar-se com as mesmas pessoas que haviam matado sua tia.
O que parecia um simples casal disposto a ajudar acabou se revelando como uma dupla de psicopatas que usa a imagem falsa de boas pessoas para atrair mais vítimas.
O estranho que pediu carona poderia ser muito bem o assassino, porém não neste caso onde tudo não passou de um... Efeito Kuleshov.