SÉRIE "CONTOS DA RUA 13" - CONTO : O ESPELHO DAS ALMAS
Eu estava na pagina 38 daqueles manuscritos e no topo da página continha a seguinte frase:
“Depois que presenciei todos aqueles fatos na Casa dos Ingleses minha vida nunca mais foi a mesma, principalmente o meu relacionamento com os espelhos, passei a olhar os reflexos neles existentes de forma diferente.”
...O ESPELHO DAS ALMAS...
Tratava-se de uma família alegre e bastante feliz que vivia na casa 18 bem próxima a minha. Senhor. Robert um homem alto forte, sempre estava de bom humor, cumprimentava a todos sempre, um homem bastante simpático. Sua esposa Luise não era diferente, sempre estava disposta a oferecer a seus vizinhos bolos e comidas de sua receita especial – dizia ela. Alan e Susie eram as crianças da casa, não os via com freqüência nas ruas, porém todo domingo era uma regra eles passeavam com o cão. E finalmente tinha o LORD Harris um homem de estatura mediana, com seus sessenta e poucos anos de idade e um homem totalmente diferente dos demais membros daquela família. Sr. Harris era um homem calado, observador e muito introspectivo.
Eu estava limpando o jardim na frente de minha casa e era inicio de inverno quando eu vi um caminhão chegar e parar em frente a Casa dos Ingleses, três homens desceram uma grande mobília do caminhão e com muita dificuldade a colocaram temporariamente na porta de entrada da casa.
Não se tinha idéia do que fosse, pois estava coberto com um grande pano branco. A única coisa que tive certeza era a de que tratava-se de algo valioso para o LORD, pois foi o único da família que recebeu aos gritos os homens que descarregavam tal mobília.
- Tomem cuidado com isto seus idiotas! Pensam que estão carregando gado?
Então permaneceu guiando os homens para dentro do casarão, contudo antes de entrar olhou desconfiado para a vizinhança procurando por alguém que estivesse observando-o.
Um dia cheguei em minha casa e vi um cartão colocado debaixo da porta, era um convite para uma festa que seria dada pelos Ingleses no final de semana.
Estranhamente havia uma observação ao final do convite – “Traga alegria, entusiasmo e sua alma para a nossa festa”
Eu deveria ter dado mais atenção àquele recado.
O dia chegou e lembro-me que mesmo sendo a festa a noite muitas pessoas chegaram cedo, dava para ouvir as gargalhadas dos convidados da varanda da minha casa.
- A festa promete ser boa mesmo não é amor? Disse minha esposa limpando suas mãos no avental e saindo na varanda para ver a movimentação das pessoas.
- Pena que você não queira ir!
- Amor, você sabe que aos sábados tenho que ir à igreja, já falamos sobre isto. Alguém tem que agradecer pelas dádivas alcançadas, ou você já esqueceu os problemas que tivemos?
- Claro que não amor...
- Você vai, se diverte e se desculpa com eles por mim ta?
Minha esposa tinha sempre uma forma convincente de eu fazer tudo aquilo que ela queria.
- Meu amor estou indo, se comporte na festa, quero saber de tudo quando você voltar.
- Está bem amor! Gritei do chuveiro.
Eram já 19 horas quando eu dei uma olhada pela janela de minha casa e vi que o entusiasmo na Casa dos Ingleses estava ainda maior.
Peguei o convite e fui em direção a tão aguardada festa. Na porta havia escrito outra mensagem estranha: “Participe de nossa festa de corpo e alma”.
A porta estava entreaberta o que me poupou o trabalho de tocar a campainha. Fui entrando e percebi o quanto era de fato bela a Casa dos Ingleses. Era a maior casa do bairro e para muitos de nós vizinhos era uma oportunidade única de matar nossa curiosidade.
A decoração era perfeita, vários quadros molduravam a parede de um corredor bastante extenso, me senti num museu apreciando as obras de arte expostas.
As gargalhadas aumentavam a medida que eu ia percorrendo o corredor. Além das obras de arte expostas, havia algumas portas neste corredor que provavelmente levavam para o interior da mansão. A minha vontade era de abrir uma daquelas portas e saciar toda minha curiosidade, cheguei a colocar a mão numa das maçanetas, mas duas crianças correndo pelo corredor esbarraram em mim e me fizeram voltar da espécie de transe que eu estava...
Uma senhora bastante simpática e sorridente veio ao meu encontro e disse-me:
- A festa está acontecendo nos jardins no fundo casa senhor, seja bem vindo...
- Obrigado. Disse eu e completei:
- Onde estão os Ingleses?
- Estão todos lá fora comendo, bebendo e se divertindo e o senhor está perdendo tempo aqui. Disse a senhora docilmente.
Ao passar por todo o corredor e chegar ao jardim percebi o quanto era grande a Casa, haviam mais de 100 pessoas no jardim e mesmo assim havia espaço pra mais 300 ou 400 pessoas.
Com um sorriso gentil a velha senhora largou meu braço e partiu em meio ás pessoas que riam despreocupadamente.
Localizei com os olhos alguns dos vizinhos que comiam e bebiam assim como havia dito aquela senhora.
Permaneci andando pelo jardim a fim de conhecer as dimensões totais daquela bela casa . foi quando deparei-me com o Sr. Robert.
- Ora meu amigo vizinho que satisfação em tê-lo em nossa festa! Espero que esteja gostando?
- Acabei de chegar Sr. Robert, mas pode ter certeza que a festa está ótima. Tem uma bela casa de fato Senhor.
- Que bom que está gostando.
- A casa não tem nada demais apenas pequenas lembranças de nossa Terra Natal, no mais apenas algum conforto para a família. Disse rindo e exibindo sua cordialidade costumeira.
- Querida veja quem está aqui! Disse o Inglês sem aumentar muito o tom da voz, mas o suficiente para que sua esposa do outro lado do jardim pudesse ouvi-lo e vir em nossa direção.
- Ora que bom que vieram. Onde está a esposa e os filhos?
- Bem, a Esposa teve compromissos com a igreja e nós não temos filhos...
- Ora que coisa! Jurava que vocês tinham um casal de filhos...
Aquela frase juntamente com um sorriso no canto da boca me constrangeu e me fez lembrar dos meus filhos...
Sr. Tudo bem? Perguntou a Inglesa tocando meu braço.
- Ah, sim desculpe! Por um instante me desliguei deste mundo...
- Desligar-se deste mundo é sempre bom meu caro amigo, vamos, vamos comer um pouco.
Então fomos para o lado do jardim onde estavam as diversas comidas ( as mais variadas possíveis).
- Se me permite amigo, já volto...
Gentilmente aquele homem me deixou junto a seus amigos e partiu para receber mais alguns amigos que estavam chegando para a festa.
Permaneci solitariamente com um copo de uísque na mão por sinal de ótima qualidade. Eu caminhava pela propriedade observando todos os detalhes da casa e do jardim enquanto as crianças corriam para todos os lados, apenas uma menina estava no canto do playground quieta e parecia não estar gostando da festa.
- Oi, você não está gostando da festa? Perguntei para a pequena menina ao me aproximar dela.
Ela permaneceu estática e sem me responder.
Abaixei-me na altura de seu rosto e perguntei a ela novamente:
- O que foi? Você não está gostando da festa? Onde estão seus pais?
Eu deveria já ter percebido algo estranho desde aquele momento, mas infelizmente acreditei que era apenas uma criança triste no meio de tantas.
Quando toquei seu rosto, senti sua pele gelada e me assustei imediatamente. Mesmo antes que eu pudesse dizer ou fazer algo, a pequena menina correu em direção a porta de entrada da casa.
Fui atrás dela, mas quando eu estava entrando pela mesma porta uma senhora muito gorda e risonha me impediu que entrasse na casa.
- Oh meu senhor me desculpe, o senhor está tão apressado, procura algo?
Tentei com os olhos ver onde a menina havia entrado, mas infelizmente havia o corredor enorme que levava aos outros cômodos que me impedia de precisar em qual porta ela havia entrado.
- A garotinha! Disse eu ainda tentando passar por aquele enorme mulher.
- Qual garotinha? Sua filha?
- Não! Aquela que acabou de passar por aqui correndo.
A mulher então sorriu ainda mais alto e sua enorme boca se abriu numa grande gargalhada.
- Meu bom amigo por aqui não passou nenhuma garotinha. Venha vamos trocar este copo de uísque por algo mais suave...
Ela então delicadamente me conduziu para perto de outras pessoas e continuou a gargalhar.
Tentei olhar mais algumas vezes para o corredor, mas a todo o momento aquela mulher ou alguém me tocava chamando a minha atenção para aquilo que estava sendo conversado.
A festa estava correndo mil maravilhas- como dizem por ai – eu já estava em meu terceiro copo de uísque na companhia daquele pessoal muito amistoso e sempre sorridente, mas minha atenção estava totalmente voltada para porta de entrada do casarão. A cada novo indivíduo que surgia ou que entrava eu acompanhava com os olhos, mas nada da garotinha ressurgir.
Em determinado momento pude ver surgindo de dentro do casarão um velho em vestimentas sociais – camisa social branca, calça preta com suspensórios e um sapato não muito bem engraxado. Ele possuía uma aparência de um senhor que havia acabado de sair da sala de cirurgia de um hospital. Seu corpo era mediano, mas esquelético, não esboçava sorrisos, muito pelo contrário, andava com os lábios inferiores sempre cerrados, olhava a todos com certo desprezo ou com um ar de interrogação. À distância pensei que fosse mais algum convidado, e tratei-me de perguntar sobre quem era aquela triste figura destoando da festa.
- É Sr. Harris. Disse umas das pessoas que estavam próximas a mim.
- Sim claro, com a sua aproximação pude lembrar do velho que eu havia visto dias atrás brigando com os homens no caminhão.
- Lord Harris. – Pensei em voz alta!
- O que disse? Perguntou alguém a minha volta.
- Nada! Apenas estou pensando.
- Lord. Harris é o patriarca da família, é um homem de poucas palavras mas muito generoso. Completou outro homem a nossa volta.
- E misterioso também! Dizem que ele guarda um velho segredo de família a sete chaves! Nem mesmo seus filhos podem adentrar seu quarto! - Enfatizou a mulher gorda exibindo seu sorriso grandioso.
- Bobagem Querida! São lendas como estas que enriquecem a nossa cultura. Respondeu um dos homens de braço dados a senhora sorridente.
- Segredo? Que tipo – Insisti.
- Oras, Esqueçamos este assunto, porque não pega mais um copo de uísque para o nosso amigo minha querida? Ordenou o homem soltando seus braços da mulher.
- Muito gelo, por favor. Respondi mas acompanhando com os olhos o velho que se arrastava entre os convidados, mas sem trocar uma única palavra.
As doses de uísque já faziam seus efeitos sobre minha mente e principalmente sobre minha língua, onde passei a perguntar mais coisas a respeito daquela família. Perguntas que eu tinha curiosidade de saber, mas que nunca havia tido a oportunidade de perguntar a eles, até porque aquela havia sido a primeira vez que eu estava ali. Entre um gole e as risadas com as pessoas a minha volta fui sorrateiramente perguntando algumas coisas a senhora sorridente, que se mostrou bastante solícita as minhas perguntas e aos meus olhos. Podia dizer até – se não fosse pela quantidade de álcool já no corpo – que aquela gorda senhora estava se insinuando para mim.
Eu estava conseguindo tirar algumas informações da senhora, mas foi quando perguntei sobre seu conhecimento sobre uma mobília antiga que havia chego recentemente na casa dos Ingleses que o tom da conversa mudou repentinamente.
- Eles devem ser pessoas sofisticadas e de muito bom gosto, vi esta semana quando receberam um grande móvel que o Sr. Harris fazia questão de que os homens que o carregavam tivessem muito cuidado com aquele objeto – deve ser algo muito valioso!
As pessoas que estavam em minha volta imediatamente pararam de conversar entre si e me olharam condenando aquela minha observação.
- O senhor deveria ter vergonha de ficar olhando o que acontece na casa de seus vizinhos meu amigo – Disse a mulher fechando o sorriso que era constante em seu rosto.
Senti-me deslocado após aquele comentário e mesmo a feição das pessoas que estavam a minha volta se mostraram diferentes comigo.
- Desculpe senhores, senhoras, mas acho que preciso lavar o rosto.
Ficaria mais constrangido se não houvesse de minha parte um interesse de sair daquela roda de pessoas que por algum motivo queriam a minha permanência junto deles, e esta foi uma boa oportunidade para que eu pudesse transitar livremente pelo casarão.
Procurei onde estava o Lord para que eu pudesse me aproximar dele e conversar alguma coisa ou me certificar de que realmente aquele velho inglês tivesse reais mistérios a ser descoberto, contudo não o encontrei e então continuei a minha visitação ao casarão.
Havia muitas crianças correndo ainda pelas dependências e tantas outras brincando na piscina que ficava mais ao fundo ainda da propriedade. Procurei novamente pela pequena garota que eu tinha visto triste outrora, mas assim como o Lord também havia desaparecido.
Sentei-me numa das mesas com guarda sol a fim de me refrescar e tomar um pouco de ar já que o efeito do álcool era mais sentido a esta altura.
Estiquei meu corpo e minhas pernas e permaneci observando a movimentação de todos naquela festa.
Acredito que permaneci ali na cadeira por quase uns vinte minutos e confesso que até hoje quando escrevo sobre este assunto não sei precisar se tudo ocorreu de fato ou foi apenas um sonho ou efeito do álcool em minha mente.
A verdade é que a lembrança de todos os fatos é vivente em minha mente e me causam ainda arrepios quando os lembro.
Meus olhos se fecharam quando de repente eu ouvi um grito estridente de uma mulher.
- AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH
O Som vinha de dentro do casarão e instantaneamente levantei-me e corri para a porta de entrada do casarão.
- Eu sabia que havia algo de errado nesta casa! – Dizia eu enquanto corria.
Imaginava eu que algo de ruim havia acontecido àquela garotinha e alguém havia descoberto. Enfim os Ingleses não eram assim tão amistosos, seus sorrisos eram uma armadilha, eles enquanto divertiam todos e faziam todos se sentirem bem comendo e bebendo cometiam atrocidades com as crianças.
Foi com este pensamento que empurrei várias pessoas, inclusive a senhora gorda e sorridente que outrora se insinuava para mim.
- Deixem-me passar sou médico, deixem-me passar.
As pessoas estavam todas paralisadas e com os olhares fixos para o canto da cozinha.
- Com licença! Dizia eu querendo ver o que estava acontecendo.
Havia uma mulher parada próxima a mesa com um olhar aterrorizado e com sua carne trêmula.
- O Que houve? Perguntou uma mulher meio às pessoas que se agrupavam na cozinha.
- Ali! Ali! Dizia a mulher em estado de choque apontando para algo atrás da geladeira.
Esforcei-me e consegui chegar próximo a mulher que ainda tremia inteira.
- Calma! Dizia eu me aproximando da geladeira.
Meu coração estava disparado e eu olhava para todos em volta. Agora eu era o centro das atenções, milhares de coisas se passava pela minha mente naquele momento e jamais poderia imaginar que aquela confusão toda fora causada...
Para minha e surpresa de todos, consegui visualizar o que havia amedrontado aquela mulher, nada mais do que um pobre camundongo estava tão assustado quanto todos nós.
Levantei-me ainda com o rosto molhado de suor, mas decepcionado com a visão que eu acabara de ter.
- É apenas um rato!Disse eu virando-me para a multidão e saindo em direção a porta.
- Um rato? Ai meu Deus! Gritou uma das mulheres que estava na cozinha.
Quando eu estava chegando próximo a porta vi Sr. Robert e sua esposa adentrarem a cozinha e se desculparem por aquilo que estava acontecendo.
- Amigos, Amigos por gentileza perdoem-nos! Por mais que cuidemos de nossa propriedade este é um mal que temos que enfrentar com freqüência! Desculpem-nos.
Então todos riram com aquela situação...
Minha idéia de que existia algo errado naquela casa, não havia desaparecido por completo mesmo com a grande decepção que acabara de ter. Antes que eu pudesse sair novamente para os jardins da casa, repentinamente vi o Lord Harris caminhar pelo corredor do casarão – e o que me chamou a atenção – arrastando consigo uma pequena menina.
Eu estava distante e o corredor não estava iluminado o que me impossibilitava de ter certeza que era a mesma menina que eu havia visto no jardim, contudo, não era uma cena comum aquela, uma vez que aquele velho não possuía netos pequenos.
Quanto eu mais ficava naquela casa mais clara era a sensação de que havia algo errado naquela família, naquelas pessoas.
Eu não era um homem amargo com a vida e já havia freqüentado outras festas em minha vida evidentemente, porém, a alegria daquelas pessoas me incomodava, era uma alegria falsa no meu modo de pensar.
Então lentamente mudei minha direção e ao invés de eu me dirigir pro jardim fui em direção ao grande corredor que havia internamente no casarão.
O corredor estava escuro e não havia movimentação de pessoas nele e então fui caminhando mais e mais, observando as pinturas e telas em cada espaço entre as portas além de algumas peças de arte espalhadas ao longo do corredor.
Todas as portas tinham a mesma cor e não possuía qualquer identificação ou sinalização do que eram ou pra onde levavam aquelas portas.
Com um grande receio de ser pego ali bisbilhotando o grande casarão toquei a maçaneta de uma das portas.
- Fechada!
Olhei para traz e percebi que as mulheres ainda se ocupavam na cozinha com o pequeno camundongo e que as vozes estava cada vez mais distantes.
Rodei a segunda maçaneta e nada. Era hora de voltar, mas minha curiosidade já não permitia este retorno, continuei tentando abrir alguma daquelas portas sem obter sucesso.
Ouvi então a voz de uma criança vinda de uma das portas. Encostei meu ouvido junto à porta a fim de tentar ouvir o que se dizia do outro lado.
Era a voz de uma criança e de um adulto. – Lord Harris- presumi imediatamente. Porém, era impossível identificar o que se falava do outro lado e restou-me apenas ficar ali parado junto à porta esperando que ambos saíssem ou que me fosse dado a oportunidade de abrir aquela porta.
Fingi então, estar observando as telas nas paredes enquanto passavam alguns poucos convidados pelo corredor, e em alguns minutos percebi que não havia mais nenhum barulho ou conversa vindas do outro lado da porta.
Toquei a maçaneta e ela rodou para minha surpresa – Aberta! Exclamei feliz.
Empurrei lentamente a porta e fui adentrando um novo corredor, contudo, mais estreito e muito mais escuro. Era possível ver uma luz ao final do corredor o que me levava a crer que eu encontraria as pessoas que estavam conversando anteriormente.
- Pra que tantos corredores numa casa? Perguntava-me sem imaginar a resposta.
Eu estava receoso de que a qualquer momento alguém pudesse surgir de algum lugar e me pegasse ali bisbilhotando a vida alheia, porém minha curiosidade a esta altura já não podia ser controlada.
Andando por aquele corredor eu me sentia como se estivesse em um cemitério, era gelado o corredor, sombrio e silencioso o que aumentava ainda mais minha curiosidade a respeito daquela casa.
Eu olhava a todo o momento para trás, pois eu já estava ausente da festa há muito tempo e imaginava que algum daqueles convidados poderia me seguir.
Finalmente eu cruzei todo o corredor até chegar numa nova porta, imaginei que a mesma estivesse fechada, mas para minha felicidade , desta vez nem precisei empurrá-la, a porta estava aberta- esperando por mim.
Não hesitei e fui abrindo a porta e deparei-me com uma luxuosa biblioteca.
O salão era muito grandioso, muito luxuoso e dava uma dimensão do quanto cultos era aquela família.
Acredito que havia mais de 2.000 livros em suas estantes, no centro do salão um grande lustre criava um ar ainda mais sofisticado, suas mobílias eram feitas de uma madeira escura, uma dezena de abajures estavam também espalhados pelos cantos da biblioteca e 04 poltronas muito confortáveis e finalizando a decoração do salão havia um grande e grosso carpete sob o chão.
Impressionei-me com a quantidade de livros e permaneci por algum tempo apreciando aquela suntuosa coleção de livros, alguns eu conseguia entender seus títulos outros não, diversos livros escritos nos mais diversos idiomas.
Sei que o que eu vou escrever a seguir possa parecer absurdamente irreal, pois nem eu mesmo podia imaginar ou acreditar no que eu estava por descobrir.
Mexendo nos livros e nas estantes toquei em algum dispositivo que abriu uma porta que estava fechada ao lado de uma das estantes. Aquilo me causou muito mais confusão e descrédito do que medo ou receio daquele lugar.
Olhei pela porta e vi que algumas escadas levavam para mais um salão, contudo desta vez um salão muito pequeno, no subterrâneo da casa. Se eu mesmo não estivesse vivendo aqueles fatos reais duvidaria de alguém que me contasse.
A suntuosa e luxuosa biblioteca agora dava lugar a um pequeno salão e ainda mais escuro. Para a minha maior surpresa havia apenas um grande espelho em seu interior. Nada além de um grande espelho emoldurado numa armação de madeira nobre que lembrava as mobílias de filmes e desenhos antigos.
Eu não entendia nada de mobília ou de obra de arte, mas com toda certeza aquele móvel era muito valioso, mas porque estaria ali trancafiado num quarto escuro? Eu não sabia a resposta e teria sido melhor para mim que permanecesse assim...
Fiquei então observando cuidadosamente seu acabamento. Era realmente uma madeira muito nobre a que emoldurava o espelho, possuía contornos suaves, dois arcos pequenos em cada lateral davam a impressão de que ele era ainda maior do que era de fato. Na parte superior a madeira recebia um acabamento ainda mais sofisticado, onde duas extremidades se uniam no centro formando outro arco.
Somente depois de muito observar percebi que ao longo de toda a moldura havia desenhos, ou letras e no arco central havia uma espécie de inscrição. Como eu não tinha a menor pretensão de entender ou decifrar aqueles sinais logo os deixei de lado e voltei a me ater apenas na sua beleza como um todo.
- Será só isso? Perguntei a mim mesmo em voz alta. Será que você não tem nenhum segredo para mim espelho? Brincava eu sem saber o que viria a me acontecer.
Sem me contentar com aquela descoberta sem a menor graça, comecei a procurar por algo dentro daquele salão e depois de vasculhar com os olhos todos os cantos decidi olhar atrás do espelho...
AHH ! AHH ! Ria eu vendo uma pequena porta.
- Pensou que ia me escapar não é? Estiquei meu braço para tentar alcançar a maçaneta, mas era impossível. Tive a infeliz idéia de arrastar aquele enorme móvel.
Minha ansiedade e curiosidade não havia ainda se saciado e queriam mais, muito mais...
Era um espelho muito pesado, por mais esforço que eu fazia ele se quer se mexia do lugar. Lutei com ele, puxei, arrastei, tentei tudo e ele permanecia inabalável, pensei em desistir, mas eu estava cego, porém não estava surdo...
- PAI... PAI...
Minha espinha gelou-se, minhas pernas tremeram e meu coração disparou alucinadamente.
Parei de fazer esforço e tentar arrastar o espelho e permaneci em silêncio tentando identificar de onde vinha aquela voz
Aquela voz...Era a voz de um menino... Era a voz de...
- Quem esta aí? Tem alguém aqui?
Não obtive resposta e o pequeno salão ficou ainda mais frio e ainda mais silencioso.
Eu já não via mais graça naquilo, sentia meu coração ainda acelerado quando ouvi novamente...
PAI... Desta vez, porém era a voz de uma menina
- Se vocês querem brincar ou me assustar, já conseguiram! Eu sei que eu não devia estar aqui, invadindo a casa de vocês e me intrometendo onde não é de minha conta. Dizia isto e já procurava o caminho de volta daquele lugar.
Mas as vozes era de...
Eu estava de costas para o espelho quando ouvi duas vozes de crianças dizerem:
- Nos ajude pai, por favor...
O medo tomou conta do meu corpo, do meu coração e senti caindo as primeiras lágrimas de meus olhos...
- Jenifer, Pietro! São vocês? Disse virando-me novamente para o espelho.
Ajoelhei-me de frente ao espelho e coloquei as mãos sobre meus olhos na esperança de que aquilo que eu estava sentindo fosse embora rapidamente. Repentinamente eu sentia toda a dor novamente, eu sentia minha alma pesada, eu não queria sentir o peso novamente daqueles segundos fatais...
Ouvi mais uma vez sussurrarem em meus ouvidos...
- Socorro papai...
- Nos ajude...
Quando tive coragem de tirar as mãos de meu rosto, pude sentir novamente aquela luz brilhante branca vindo em minha direção e queimando meus olhos.
NÃOOOOOOOOOOOO.
Puxei a direção do carro para a esquerda, para a direita e pude sentir a batida no carro, ele rodou pela pista e eu só conseguia ouvir as vozes de meus filhos no banco de trás do automóvel gritando assustados com o acidente.
- PAPAI! PAPAI!
Não consegui controlar o automóvel e vi tudo rodar quando o carro desceu rodopiando o barranco. Uma, Duas, Três, Quatro e Cinco vezes até parar batendo numa árvore.
Consegui com muito sacrifício me soltar do cinto de segurança e me arrastar para fora do carro que estava com as rodas viradas pra cima.
Jenifer? Pietro? Gritava eu desesperado no intuito de ouvi-los.
Algumas pessoas que passavam pela estrada desceram rapidamente ao verem o acidente e vieram prestar o socorro.
Jenifer...
Pietro...
Não ouvia as vozes de meus filhos que haviam ficado presos no interior do automóvel.
- Ele está pegando fogo! Gritou uma mulher vendo o princípio de incêndio na traseira do automóvel!
-Temos que sair daqui, venha!
- Meus filhos estão lá dentro! Temos que tirá-los de lá. Gritava eu desesperadamente, mas sem a mínima condição física ou mental para salvar meus filhos.
Jenifer...Pietro... Gritava eu, enquanto via o carro desaparecer consumido pelas chamas.
O choque daquela cena era demasiadamente forte para mim e como num sonho desmaiei.
Não sei se era um sonho ou uma alucinação, mas o fato era de que eu estava vivendo aquilo tudo novamente, podia sentir o mesmo sofrimento, sentindo a dor que aquele acidente me causou e me marcou para o resto de minha vida, sentia o calor do fogo queimando meu rosto. Eu via cada segundo de angustia refletido ali naquele espelho como se eu estivesse frente a um aparelho de televisão sem poder mudar de canal ou se quer desligar o aparelho.
Quando aquela visão terrível acabou procurei rapidamente a porta e o corredor que haviam me levado aquele lugar e para aquelas alucinações. Passei correndo entre várias pessoas que estavam no casarão e só fui dar conta de meu desespero de sair daquele lugar quando eu já estava no portão de entrada e olhei para traz. Vi aquela figura esquelética e velha me observando em uma das janelas que ficava no andar superior do casarão.
Entrei repentinamente em casa o que fez minha esposa também se assustar.
- O que houve? Porque tanta pressa? Perguntava ela olhando meu rosto ainda transfigurado.
- Jenifer, Pietro! Eu os vi! Eles pediam ajuda a mim e eu nada fiz para salvá-los.
- Acalme-se! Venha sente-se aqui! Você está gelado! Disse minha mulher ao me conduzir para o sofá.
- Calma querido, você está em casa, está tudo bem!
- Você não está me entendendo! Eu vi nossos filhos, eles estavam naquele maldito carro pedindo ajuda e eu não fiz nada para impedir que eles morressem...
- Você está apenas perturbado querido! Você bebeu muito não foi?
- Ora, eu não estou bêbado! Sei o que eu vi! Eles estavam lá presos no cinto, ouvi eles pedirem ajuda mas...
- Querido isto já aconteceu há muito tempo! Nós já conseguimos superar isto!
- Superar? Esta culpa está dentro de mim desde aquele dia! Como você acha que eu vivo desde o acidente? Como você acha que eu me sinto?
- Eu sei como se sente! Eu também sinto muito a falta deles!
- Você não sabe! Você nunca saberá, pois você não estava lá! Você não viu o rosto deles de desespero quando aquele fogo consumiu...
-Pare! Pare! Gritava minha esposa em prantos...
- Não precisamos passar por isto novamente! Meu Deus me ajude! Disse a minha esposa correndo para dentro do quarto.
Permaneci sentado no sofá sem esboçar qualquer reação, permanecia imóvel, estático, sem vida.
Por muitos dias eu permaneci anestesiado, eu vivia constantemente distante e longínquo em meus pensamentos que me valeram inclusive um afastamento temporário do emprego.
- O que há com você querido? Porque está agindo assim tão estranhamente? Indagava minha esposa numa noite em que estávamos jantando.
- Eu não sei o que está havendo! Eu sei que eu preciso salvar nossos filhos...
- Maldito seja você! Gritou minha mulher.
- Eu já não agüento mais esta história, já faz 2 semanas que você não fala em outra coisa a não ser neste acidente. O que você quer? Está me matando também!
Eu ouvia e entendia suas reclamações, mas eu não conseguia agir, aquela sensação estranha era mais forte que tudo em mim e permaneci calado apenas olhando ela continuar seu choro.
Naquela noite vaguei pela casa toda, pelo quintal tentando encontrar algo que já não estava mais em mim.
Fui para a rua e segui algumas pessoas que jamais tinha visto em minha vida, e jamais soube quem eram. Pessoas sem rostos, elas não eram reais elas existiam apenas em minha mente.
Meus passos me guiaram para a igreja e de lá pude ver uma criança sentada solitariamente no banco da praça. Olhei para a porta da igreja que estava fechada e então fui em direção da menina que estava cabisbaixa.
Fui me aproximando dela e quando cheguei mais próximo ela simplesmente desapareceu. Procurei por todos os lados sem conseguir entender o que estava acontecendo.
- Você precisa nos ajudar! Ouvi uma voz em meus ouvidos...
- Quem é você? O que quer? Ajudar a quem? Porque não me deixam em paz?
Rodei para todos os lados tentando decifrar o que estava acontecendo e quando me virei para o começo da rua vi novamente a garotinha me esperando.
Corri em sua direção, mas sempre que eu me aproximava ela desaparecia voltando a aparecer alguns metros à frente...
Ela então parou de frente ao Casarão escuro e silencioso e assim como surgiu em minha mente ela desapareceu.
Eu precisava voltar aquela casa! Eu sentia isto em minha alma...
Voltei a vagar pela cidade vendo espectros e tentando buscar algo que eu não sabia e não entendia o que era. Lembro-me da sensação de vazio, de impotência perante minha apatia e no dia seguinte para minha surpresa ao chegar em casa encontrei um bilhete sobre a mesa:
“Nada do que você fizer irá trazê-los de volta. Agora você está perdendo a mim também.”
Subi as escadas sem dar importância para o bilhete ou o fato de que minha esposa havia me deixado. Chegando ao banheiro liguei o chuveiro e fui tomar meu banho. Sentia que a água escorria por meu corpo, mas ela não era capaz de fazer-me despertar para a vida que eu estava levando nas ultimas semanas.
- Papai! Liberte-nos papai. Ouvi a voz de minha filha novamente enquanto a água descia em meu rosto.
- Jenifer? Você está aqui querida?
Puxei a cortina do banheiro e não vi nada além de fumaça provocada pelo chuveiro. Passei a andar pela casa procurando por Jenifer.
- Jenifer, onde você está filha? Papai vai te ajudar! Diga-me onde vocês estão filha?
Voltei para o banheiro e novamente ouvi a voz de minha filha dizer:
- Socorro papai...
Então parei de frente ao espelho sobre a pia e passei a mão no espelho a fim de ver meu reflexo nele...
Então vi novamente a cena do acidente, porém desta vez eu estava dentro do carro em chamas e meus filhos eu os via pelo lado de fora salvos do incêndio.
- PAPAI, PAPAI saia daí! Dizia as crianças tentando me ajudar
- Afastem-se! Gritava eu tentando afastar as crianças de perto do fogo! Então uma grande explosão aconteceu...
Eu estava novamente de volta ao banheiro olhando para meu rosto vermelho, queimado e suado.
- O que está acontecendo comigo meu Deus?
Eu não estava totalmente lúcido, agindo de forma normal, contudo minha intuição ou qualquer que fosse aquela sensação me guiava para o Casarão.
Eu tinha certeza que eu deveria voltar para o Casarão se quisesse encontrar respostas para aquilo que eu estava vivendo, aquela casa, o espelho me chamava, e eu ouvia constantemente as vozes em minha cabeça que me guiavam para aquele lugar novamente.
Num dos raros momentos de lucidez fiquei observando a movimentação no casarão e percebi que em determinada hora daquela noite toda a família havia saído exceto ao velho Barão, que raramente se via fora daqueles muros.
Era a oportunidade que eu estava esperando, este era o momento!
Segui então para o Casarão dos Ingleses. Conforme eu me aproximava do Casarão mais intensas as vozes eram em minha mente.
Havia pouca luz internamente, mas percebia-se alguma movimentação dentro da Mansão logo, eu deveria agir com cautela e cuidado.
- Mas como eu entraria naquela mansão sem ser percebido? Como voltar aquele quarto e descobrir o que havia acontecido comigo?
Venha nos ajudar! Venha nos ajudar! Diziam as vozes em meus ouvidos.
Instintivamente parei de frente a porta de entrada do casarão e ao tocar a maçaneta a porta simplesmente se abriu.
O frio que vinha de dentro da casa tomou conta de meu corpo, Não havia como voltar atrás e continuei a caminhar para dentro da casa.
Tudo agora estava diferente, as paredes tomavam contornos mais sombrios, os quadros possuíam ares estranhamente diferentes. Eu conhecia o caminho eu devia seguir pelo corredor e posteriormente adentrar a biblioteca e em seguida descer até o lugar onde ficava o espelho.
O silêncio dentro do casarão era absurdo e eu não pressentia a presença de nenhuma pessoa. - Onde estaria o Lord? Perguntava-me todo o tempo.
De forma bastante estranha todas as portas estavam abertas novamente e rapidamente pude adentrar a grande biblioteca que tinha ares diferentes daquela manhã no dia da festa.
Diferente do restante do casarão a biblioteca estava totalmente sem iluminação. Havia apenas um pequeno feixe de luz vindo por baixo de uma das prateleiras, exatamente onde estava guardado o espelho.
Novamente abri a porta tateando os livros e as prateleiras da biblioteca e tive a certeza de que minhas respostas estavam por chegar.
Desci lentamente cada degrau da escada imaginando o que eu poderia encontrar. As vozes haviam cessado já há algum tempo e meu coração estava batendo aceleradamente.
Desci o ultimo lance de escada pressentindo que o pior estava para acontecer a qualquer momento...
Para minha surpresa o pequeno salão estava vazio! Não havia nenhuma criança, nenhum Lord ou se quer algum espelho!
Eu não conseguia entender. Permaneci imóvel tentando compreender e me sentia mais perdido a cada novo pensamento que vinha a minha mente.
Toquei as paredes como querendo descobrir uma nova passagem secreta, descobri a razão de minha loucura se é que pudesse naquele momento ser explicado o que estava acontecendo comigo.
Subi lentamente as escadas de volta para a biblioteca e ao empurrar a porta para voltar à biblioteca senti uma forte pancada em minha cabeça...
Quando abri meus olhos eu estava num ambiente totalmente estranho. Havia muitas velas em todo o interior daquele lugar, havia alguns livros sobre uma mesa grande no canto do salão e no meio do salão estava ele – “o Espelho”. O mesmo espelho que eu havia visto no dia da festa, seus detalhes e contornos pareciam ainda mais suntuosos, sobre eles havia alguns adereços e adornos.
O velho inglês vestia uma túnica branca e proliferava palavras que eu não compreendia. Após alguns minutos lendo gesticulando o inglês pálido, raquítico aproximou-se de mim:
- Que bom que você veio! Disse exibindo um sorriso amarelo. A minha hora de partir está chegando e você deve tomar meu lugar.
Eu não conseguia compreender o sentido daquelas palavras.
- É chegado a hora de fazermos a troca do guardião do portal! Gritou o velho para as pessoas que estavam sentadas assistindo tudo aquilo.
- Do que você está falando seu velho maluco!
- Ora meu caro amigo, você ainda não percebeu que você foi o escolhido para ser o novo guardião de nosso Templo, de nosso Portal?
- Guardião de templo? De Portal? Que maluquice é esta...
O velho então olhou para os dois diáconos que estavam me segurando e disse:
- Soltem-no ele não tem pra onde ir!
Virou-se mais uma vez para mim e disse-me então:
- Nosso portal é o elo entre a vida que você conhece e a vida além de sua compreensão. Somente através de nosso portal conseguiremos aprisionar as almas impuras e que não devem mais voltar à vida terrena.
- Que maluquice! Dizia eu ainda assustado com tudo que eu estava vendo e sentindo.
- As almas impuras devem ficar aprisionadas em nosso portal até que tenhamos conseguido purificar toda a Terra. Somente mantendo estas almas presas é que poderemos ter uma vida terrena perfeita! E você meu caro esta noite tomará meu lugar, passará a guardar o nosso Portal.
As vozes aumentavam em minha mente e as figuras se retorciam no espelho e eu tentava de alguma forma me libertar de toda aquela maluquice.
- O ritual de sacrifício deve começar! Ordenou o velho.
Prontamente outros dois homens me agarraram e me forçaram a colocar uma túnica branca e permaneceram ao meu lado segurando meus braços....
Iniciou-se então um cântico estranho e que eu não podia decifrar e vi quando uma mulher com uma túnica preta se aproximar com uma criança sendo trazida pelas mãos.
- O Que vocês vão fazer?
As pessoas continuavam a cantar e eu via as luzes se apagarem exceto as luzes das velas que ficavam em torno do pequeno altar onde estava o espelho.
O Lord Inglês se virou para as pessoas que assistiam a tudo cantando e num gesto com sua mão esquerda retirou uma pequena adaga de sua túnica e as pessoas então se silenciaram.
- Meu Deus, o que vocês vão fazer com esta menina? Gritava eu desesperadamente tentando me libertar e impedir aquele crime.
Com o silêncio no salão pude ouvir as palavras daquele louco:
- O símbolo de pureza deve ser entregue ao portal como oferenda! Levantou a mão esquerda então e desferiu um golpe com a adaga na pobre menina que estava deitada sobre o altar.
NÃOOOOOOOOOOOOOOOOOO !!!!!!!! Gritei em meio a comemoração das pessoas que assistiam o ritual.
- O homem de cima do altar olhou para seus seguidores que me seguravam e fez sinal com a cabeça para que me levassem para junto dele.
- Seu desgraçado!Assassino! Dizia eu aterrorizado com a cena que acabara de ver.
- Você deve me substituir! A minha missão aqui está acabada. Então o homem pegou uma das minhas mãos e com a adaga cortou-a e pude ver meu sangue pingar sobre o piso mas eu não sentia dor, eu estava anestesiado com tudo que eu estava vivenciando.
- Pai nos liberte....
Ouvi a voz de minha filha novamente e pude vê-los refletidos no espelho que estava á minha frente!
- Pai, ajude-nos!
Vi mais uma vez o fogo queimando o carro, senti meu corpo queimando, meu rosto queimava e minha mente estava se entregando àquela insanidade.
Eu estava ajoelhado e senti a mão daquele velho tocar meu ombro e me dizer:
- Levante-se! Minha hora chegou! Você deve tomar meu lugar...
Olhei para o espelho onde eu podia ver meus filhos e ouvia outros gritos vindo de dentro do espelho...
- Começa esta noite um novo tempo, um tempo de cem anos! Esbravejou o homem levantando a adaga com sua mão.
Os cânticos haviam voltados, as luzes da vela, a figura de meus filhos e os gritos estridentes em meu ouvido me tornavam um zumbi e eu estava prestes a ver aquele homem se suicidar ao meu lado.
Os cânticos me embriagavam, as vozes se misturavam diante daquela cena surreal. Vi então, quando sua mãos juntas faziam o movimento descendo a adaga para ser cravada em seu peito...
AHHHHHHHHHHHHH ! Gritou o velho sentindo a dor da adaga em seu coração, e simultaneamente ao seu gritou um grande estrondo tomou conta do salão. Eu havia conseguido alcançar um dos enormes livros sobre o altar e havia atirado contra o espelho que se estilhaçava em frente ao corpo do velho inglês.
Minha consciência foi se apagando, minha visão foi ficando turva e lentamente minha visão foi ficando escura até eu apagar por completo, mas mesmo em completa escuridão eu ouvia a voz de minha filha jenifer...
- Papai, papai, acorde, o jantar já está na mesa...
Levantei-me apressadamente da rede em que eu estava dormindo e pude ver o sorriso e o brilho nos olhos de minha pequena Jenifer. Imediatamente a peguei no colo e a beijei como nunca havia feito antes.
- O que foi Pai? Perguntou-me a menina sem entender o que se passava comigo.
- Nada Filha! Apenas saudade de você e de seu irmão! Pietro, onde está Pietro?
- Lá na varanda papai vendo os novos vizinhos se mudarem.Disse e correu em direção a varanda da casa.
Quando cheguei na varanda pude encontrar com Pietro e minha esposa olhando para o movimento em nossa rua.
- O que vocês estão olhando? Perguntei.
- Estamos vendo os novos vizinhos que estão se mudando para o casarão. Respondeu minha esposa.
Dei alguns passos em direção a rua e pude ver alguns homens levando algumas mobílias para dentro do casarão. Virei-me novamente para onde estavam minha família e antes que eu entrasse em nossa casa ouvi meu filho dizer:
- Pai o que é aquilo?
Mais uma vez virei-me na direção do Casarão e vi os homens e um velho senhor carregarem uma grande mobília, era um grande e belíssimo ESPELHO que fez com que o reflexo do sol viesse direto para os meus olhos...
FIM
ESTE CONTO É PARTE INTEGRANTE DO LIVRO - CONTOS DA RUA 13 ESCRITO POR ADÉRCIO GARCIA