O retorno da morte rubra

O jovem doutor Laerti di Moura, estava cumprindo seu plantão no posto de saúde onde trabalhava, tudo corria as mil maravilhas até que o primeiro caso estranho apareceu, era cerca de meia noite, ele não tinha olhado no relógio para averiguar, mas sabia quase que instintivamente que algo estava errado naquele princípio de madrugada, alguma coisa no ar não parecia bem.

_São manchas avermelhadas por todo o corpo doutor._ disse a enfermeira de plantão.

Quando Laerti fez os primeiros exames no paciente, um garoto de não mais que cinco anos de idade, cuja mãe desesperada já não sabia o que fazer; o menino estava febril e delirava, havia desmaiado minutos antes de chegar, quando ainda estava a caminho da unidade de pronto atendimento da prefeitura; o médico se assustou, pois o garoto tinha a respiração muito fraca, os batimentos cardíacos descompassados, quarenta graus e manchas vermelhas que aumentavam de volume gradativamente, como se sob a pele da criança houvesse uma grande hemorragia.

Na verdade o médico era o único no plantão da noite, fora escalado para cumprir um compromisso de campanha da nova prefeitura, que prometeu durante todo o processo eleitoral que inauguraria várias novas unidades de pronto atendimento e que todas funcionariam 24hs por dia. O problema era a falta de recursos para efetuar atendimentos mais complexos, como certamente o caso do menino demandava.

_ Pegue o telefone e providencie a transferência do garoto para o hospital mais próximo_ Disse o médico, concluindo_ Ele está com um quadro infeccioso interno e uma hemorragia subcutânea generalizada. Será necessário realizar exames mais completos para diagnosticar com segurança.

Além do médico Laerti, também estavam no plantão daquela noite quatro enfermeiros, duas mulheres dois homens; não havia nenhuma ambulância disponível para o transporte rápido de pacientes no momento e a enfermeira chefe precisava ligar para o corpo de bombeiros afim de conseguir alguma ajuda. O problema foi que antes que ela tomasse o telefone para fazer a ligação, mais duas, três, quatro... oito... dezesseis novas pessoas chegaram repentinamente apresentando o mesmo quadro que o menino, os parentes sem saber ao certo o que se tratava e não tinham a menor noção do que aquilo poderia ser.

De repente o pequeno posto de saúde ficou parecendo um hospital de guerra, os pacientes foram acomodados em macas, alguns ainda estavam lúcidos, mais outros já tinham desmaiado, os parentes permaneciam próximo aos doentes em busca de qualquer informação que os tranqüilizas-se, mas essas informações não vinham. O Dr. Laerti e seus enfermeiros estavam fazendo o possível e o impossível para ajudar a todos, ministraram soro e no caso de alguns que ainda estavam acordados, reclamando de dores por todo o corpo e fortes dores de cabeça e nos olhos, eles ministravam pequenas doses de antibiótico injetáveis.

Segundo os parentes que ali estavam, aquilo tinha acontecido sem mais nem menos, de uma hora para outra surgiram às manchas e todos os sintomas. Embora jovem o Dr Laerti já possuía seis anos de experiência na profissão e nunca ouvira falar de algo como aquilo; uma das enfermeiras cogitou a possibilidade de aquilo ser causado por um vírus ou por alguma contaminação em massa numa determinada região, mas essa hipótese foi logo descartada porque cada uma das pessoas havia contraído aquilo, fosse o que fosse, em lugares muito distantes entre si, não tinham contato com lugares comuns a todos, ao menos não naquela noite.

A luz da lua entrava por uma das janelas entreabertas do posto e o ar lá fora se adensava mais e mais sem que ninguém o percebesse. Dentro da unidade as vozes se elevavam juntamente com muitos gemidos de dor intensa dos pacientes que não perderam o sentido.

Finalmente médico conseguiu um minuto sem que ninguém o chamasse para ajudar e então pôde lançar mão do telefone no balcão de entrada da emergência e rapidamente fazer duas ligações, a primeira para o hospital municipal e solicitar o envio de duas Unidades de Terapia Intensivas móveis com uma equipe de remoção de pacientes em estado grave e a segunda ligação, para o Centro médico estadual, e pediu que fosse deslocado para aquele posto uma unidade de detecção viral; muito provavelmente àquela hora da noite a pessoa que atendeu sua segunda ligação fizesse pouco caso dela e apenas registrasse o pedido que seria atendido na manhã seguinte, mas Laerti precisava fazer seu trabalho e isso incluía acionar as autoridades competentes caso fosse realmente alguma contaminação por qualquer causa.

Quando ele bateu o telefone no gancho, mais oito ou nove pessoas já estavam dando entrada com os mesmos sintomas; a madrugada acabara de virar um verdadeiro inferno. Eram muitas pessoas com o mesmo quadro e sem uma explicação plausível, aquilo não podia estar acontecendo e ficou ainda muito pior quando duas de suas enfermeiras foram acometidas pelos mesmos sintomas, uma delas desmaiou em pleno corredor e teve que ser amparada pelos parentes de um dos pacientes que estavam ali para tomar um pouco d’água; a outra tinha acabado de falar com Laerti, e quando deixou a sala onde o médico estava atendendo um paciente, gritou ao passar por um espelho e perceber que seu rosto já mostrava as manchas vermelhas tal como a dos outros.

_ Doutor isso é muito contagioso_ disse o enfermeiro que ajudou a colega.

_ Seja o que for, nós já fomos expostos, continue trabalhando._ Rebateu o médico.

O medo se entranhou no coração da equipe médica, mas as pessoas precisavam de ajuda. Um dos parentes manifestou as manchas vermelhas pelo corpo e os enfermeiros chamaram o Dr. Laerti para ver. Quando o médico estava bem no meio do corredor, viu algo inusitado e estranho ao mesmo tempo, um homem envolto num manto vermelho e esvoaçante passou de uma porta para outra cruzando o corredor.

“Hora! Mais que brincadeira é essa” _ pensou o médico.

Certamente era possível que mais alguém tivesse chegado ao posto sem que o médico tomasse conhecimento, mas nenhuma pessoa podia ficar perambulando pelas salas assim sem permissão. Laerti foi até a sala em questão, ela estava escura, as luzes desligadas, ele ascendeu as luzes e não havia ninguém, nenhuma pessoa lá.

Ele podia jurar que viu alguém entrar naquela sala, lembrou-se dos pacientes e quando se voltou para deixar a sala, a figura passou pelo corredor andando apressadamente a poucos metros de onde o médico estava, ele correu e quando chegou ao corredor viu aquela pessoa com o manto vermelho entrando na sala do próprio médico, o chão do corredor ficou marcado pelos passos descalços daquela pessoa e manchado em vermelho no que pareciam ser pegadas de sangue, porém Laerti não quis averiguar, teve medo.

O médico seguiu para sua sala titubeante, passos sem força e vacilantes um após o outro, imaginando que tipo de peça sinistra era aquela que estava sendo pregada nele e em sua equipe durante aquela madrugada. Quando abriu a porta de sua sala, se deparou com a figura de costas para ele totalmente vestida em trajes vermelhos muito vívidos, aquele homem ali parado frente ao médico usava uma sobrecapa num vermelho fortíssimo e quando o desconhecido se virou para encarar o jovem médico, este pensou que fosse perder totalmente a força das pernas; o homem usava uma máscara vermelha de extremo mal gosto, era monstruosa, Laerti nunca tinha visto algo assim tão medonho quanto aquela máscara.

O homem sorriu alto e pronunciou as palavras:

_ Cá estamos nós.

Foi o suficiente, o médico logo percebeu que se tratava de uma fraude, a voz era a prova de que estava lhe dando com um homem de carne e osso tal como ele, provavelmente um desequilibrado mental ou algo do gênero.

_ Mais que brincadeira é essa?_ indagou o clínico.

Ao que o outro respondeu:

_ Se você me pegar eu paro.

O médico avançou sobre o outro homem que se esquivou por trás de uma mesa de consultas e correu de volta para o corredor, Laerti estava logo atrás; o homem entrou no banheiro do posto e lá certamente estava encurralado, o médico o seguiu e finalmente se lançou contra o outro. Quando o clínico finalmente conseguiu segurar o homem, as roupas vermelhas simplesmente murcharam e caíram no chão assim como a máscara; Laerti segurava a sobrecapa nas mãos tremendo e sem nenhuma explicação para oferecer ao seu próprio cérebro. Aquela pessoa era tudo menos um homem e tinha acabado de desaparecer bem na frente dele dentro daquele banheiro.

O médico ficou tonto tão rapidamente que nem conseguiu gritar por socorro, a voz não saiu, o ar faltou nos pulmões e tudo ficou escuro.

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 02/11/2008
Reeditado em 02/11/2008
Código do texto: T1261017
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