No Leito de Morte. A surpresa

Enquanto Rivaldo lavava alguns poucos copos na pia, batidas vindas da porta de entrada da casa foram ouvidas. Secou as mãos com o pano de prato mais próximo e dirigiu-se até ela. Abriu-a e deu de frente com Geneci, sua filha única.

— Oi filha! Que surpresa você aqui a esta hora da noite.

— Oi pai... Respondeu olhando nos olhos dele e com o semblante aparentando muita preocupação.

— Entre filha, mas você sabe é casa de pobre.

— Até parece que eu ligo para essas coisas.

Ambos entraram e seguiram para a pequena sala, onde se situava um único sofá com lugar para três pessoas.

— Sente-se Gê, que vou buscar um café para você.

— Não precisa pai...

—Já sei, você está aqui porque ficou sabendo da notícia.

— Quanto tempo de vida ainda tem?

— Não sei, mas é bem pouco.

— Quanto?!!!

— Um mês ou dois. Talvez um pouco mais ou um pouco menos. O médico não é vidente para saber o tempo exato!

As lágrimas correram pela face da filha. Ela chorou convulsivamente. Abraçou-o.

— Eu já perdi a mamãe quando era muito pequena e agora...

— Ninguém perde ninguém, minha filha — Disse abraçando-a— Apenas nos separamos por algum tempo.

— Eu não quero perdê-lo... Eu não quero!

Ele abraçou-a carinhosamente, como há muito tempo não fazia. Sentiu-a pequena em seus braços e chorou também. Passado alguns momentos, ambos se acalmaram e conseguiram voltar a conversar.

— Filha...

— Sim, pai.

— Preciso te contar uma coisa...

— Pode contar. Não é preciso haver segredo entre nós.

— Não posso contar agora.

— Quando então?

— Quando estiver nos meus últimos momentos de vida. Só então poderei te contar.

— É sobre mim?

— Não posso dizer agora.

—É sobre a mamãe?

— Já disse que não posso dizer agora?!!! Perdeu a calma e levantou-se.

— Quando?

— No meu último dia de vida. Quando estiver no meu leito de morte.

— Nossa Senhora, pai! O senhor agora me assustou! Senti até um arrepio passar por todo o meu corpo. — Por que não conta antes?

— Não posso... É algo que está me sufocando há muito tempo e preciso te contar e principalmente obter o seu perdão.

— Não posso perdoá-lo sem saber do que se trata, mas prometo tentar.

Dito isso, ela se levantou.

— Preciso ir pai, mas quero ter notícias, caso você tenha algum tipo de recaída.

— Você saberá. Pode ter certeza disso.

Levou-a até a porta. Despediram-se e ele voltou para dentro da casa. Escovou os dentes, foi para a cama e chorou copiosamente por muito tempo antes de dormir.

Pouco mais de um mês, Givaldo foi internado. A filha visitou-o e insistiu para que ele contasse o que devia ser contado, mas ele retrucou:

— Só no último dia e lembre-se... Preciso do seu perdão. Ele é muito importante para mim.

Mais alguns dias se passaram e Geneci, sentada na sala de espera do hospital, ouviu do médico o que não gostaria de ouvir:

— Seu pai está nos últimos momentos de vida e disse que só depende de se despedir de você para... O semblante e o gesto do médico não deixou dúvidas.

Ela levantou-se e foi em direção ao quarto, onde ele estava internado. Entrou e dirigiu-se a ele. Tremendo dos pés à cabeça, porque não queria perdê-lo e ao mesmo tempo curiosíssima com a confissão que seu pai queria fazer. Lá chegando, ele se esforçou em segurar a mão dela. Ambos tremiam.

— Ouça tudo que tenho a dizer. Não me critique e não me interrompa antes que eu termine e, por favor, me perdoe.

— Estou ouvindo e prometo que o perdoarei.

— Eu matei sua mãe.

— O quê?

— Foi sem querer...

— Repete!

— Você prometeu me ouvir!

— Está bem... Ele olhou para os olhos dela e lágrimas rolaram dos olhos de ambos.

Quando você era pequena, eu e sua mãe brigávamos muito. É duro dizer isso, mas eu me dedicava muito a você, talvez até mais do que deveria e ela começou a ter cada vez mais e mais ciúmes da sua presença. Um dia, após nós brigarmos, ela tentou descontar em você e na tentativa de defendê-la, eu usei de força exagerada e ela caiu, bateu a cabeça e...

— Morreu... Disse a filha chorando.

— Sim... Morreu...

— Mas eu sempre soube que ela havia desaparecido...

— Foi uma mentira que inventei para evitar pagar pelo crime cometido.

— Onde está o corpo dela?

— Sua mãe te amava muito. Falou em voz quase sussurrante.

— Onde está o corpo dela pai?!!!

— Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que sua mãe já me perdoou.

— Como pode ela ter te perdoado se morreu?

Com esforço, retirou do bolso uma carta psicografada. A filha leu-a e na carta dizia sobre ter sido tudo acidente, que ela amava a ambos, que perdoava-o e do quanto o pai a amava.

— Espero que você também me perdoe.

Ela olhou para ele sem saber o que fazer e ele disse, num último esforço, suas últimas palavras:

— Por que se preocupar com o corpo dela se o espírito dela está bem? Eu te amo muito.

Dito isso, ele calou-se de vez com a face envolvida por lágrimas que corriam. Morreu e ela chorou muito ao lado dele, totalmente chocada e surpresa com a notícia recebida. Após o funeral do pai, ela procurou por todos os lugares possíveis pelo corpo da mãe. Chegou mesmo a escavar alguns lugares do terreno, mas nunca encontrou coisa alguma.