O Despertar do Medo

Após um dia cansativo de trabalho, depois de horas ouvindo seus pacientes, João resolve descansar, tomar uma boa bebida e meditar sobre os problemas que cada um de seus pacientes têm; Pensa em dona Maria, uma senhora de meia idade, de uma fineza única e de um estilo muito conservador, medita sobre o medo que ela tem de perder alguém de sua família, já que ela sobrevive apenas em função deles.

Lembra-se também de Marcos um senhor distinto de uma inteligência única, que possui uma esposa linda, digna de causar inveja a qualquer janota metido a conquistador.

E é exatamente por isso que Marcos sofre, ele sente um medo incrível de que sua esposa o deixe.

Após pensar nessas coisas João sente a cabeça doer, e uma grande vontade de dormir, sem duvida este foi um dia muito cansativo, e nada melhor que um bom descanso. Ora! Mas ainda é muito cedo pensa ele; seria muito bom se eu achasse algo para fazer.

Enquanto ele esta olhando o jornal para ver alguma coisa interessante para fazer ele ouve o telefone tocar.

Ao atender, a surpresa, era a dona Maria.

¯ Olá dona Maria, pois não ;

¯ Ah Jorge, e que minha família esta toda reunida aqui, e como eu só falo deles para você, gostaria que viesse hoje para jantar conosco, o jantar será servido às 20:00 h, espero contar com a sua presença, ao terminar dona Maria bate o telefone sem esperar por uma resposta. Jorge reflete e não acha muito bom misturar as relações profissionais com o cotidiano, para que isso não atrapalhe no tratamento, porém ele acaba cedendo e vai, já que ainda são 18:30 h e ele tem uma hora e meia para chegar. Procura por todos os lados até achar a agenda com o respectivo endereço de D Maria, não é muito longe de sua casa e ele poderia chegar lá em poucos minutos.

Meia hora depois Jorge chega ao seu destino, e é bem recebido por D Maria que o introduz a seus familiares, com todo o orgulho possível de uma bela mãe de família.

Jorge senta-se na sala de estar com os parentes de D Maria enquanto espera pelo jantar, Jorge tenta puxar conversa, mas sem muito resultado, as pessoas parecem um pouco estranhas e estão com olhos tão vítreos, Jorge se arrepende de ter vindo, já que aquele ambiente está tão tedioso, então ele se levanta e vai até a janela, onde não deixa de observar um certo movimento casa vizinha.

Finalmente entra a D Maria anunciando que o janta será servido, Jorge aproveita para perguntar por qual razão havia um movimento na casa vizinha?

D Maria explica que esse movimento é por causa do velório de Daniela a bela esposa de Marcos, que amanheceu morta, provavelmente ela morreu do coração, não fomos ao velório pelo fato de não termos intimidade com essa família que havia se mudado para cá a pouco tempo.

Jorge apenas se cala enquanto se dirige para a sala de jantar, ao entrar na sala de jantar as pessoas ainda continuam em um silencio fustigante, ele não parecem normais, e Jorge pensa que essa família é muito estranha.

A mesa está arrumada de uma maneira muito sofisticada, bons talheres, taças de cristais um vinho do porto em cima da mesa , a claridade está um pouco fraca o que dá um ar sombrio a mesa e as pessoas que estão sentadas em volta dela.

Jorge ainda não teve a oportunidade de conhecer seus anfitriões, já que nenhum deles lhe dirigiu a palavra , D Maria faz questão de apresentar cada um deles, do marido aos filhos, noras e genros, netos e sobrinhos, eles por sua vez não disseram uma palavra.

Aquele ambiente estava realmente muito tedioso, e Jorge já começava a se sentir mau por esta ali.

Subitamente o homem que D Maria apresentou como sendo o seu marido se levantou e pegou a faca, ele se dirigiu em direção ao suculento peru que estava próximo a D Maria no centro da mesa, Jorge estava feliz finalmente iria começar aquele jantar, e quando mais cedo começa, mais cedo termina, Jorge continuou nessa expectativa.

O homem se aproximou de D Maria, segurou-a pelos cabelos e a degolou ali mesmo onde ela se encontrava, Jorge ficou atônito, tentou gritar mas a voz lhe havia fugido, paralisado pelo medo ele ainda consegue observar que os demais membros da família se levantam cada munido de uma faca, e também vão em direção a D Maria , esquartejando-a em vários pedaços, a carnificina é total, o barulho de aço contra ossos é atormentador, Jorge observa que eles começaram a comer a D Maria. Para eles parece que o Jorge não estava ali, eles agem como se Jorge fosse um fantasma, que pode ser transpassado sem se perceber .

Num ímpeto de loucura e pavor, Jorge consegue se livrar da paralisia que o prende, corre desesperado para a porta da frente, e estranha que ninguém faz nada paro o impedir, mesmo ele sendo um profissional na área de sentimentos, neste momento ele sabe que esta fora de controle, ele tenta pedir ajuda , mas não há ninguém, isso parece um pesadelo horrível e tudo parece estar contra ele.

Ele corre me direção a casa onde estava acontecendo o velório, ele sabe que não é o melhor lugar, mas ele precisa fazer alguma coisa, ele precisa avisar a alguém..

Ao entrar na sala ele percebe o mesmo olhar vítreo que havia nos olhos de seus antigos anfitriões, isso lhe gela a alma, e faz com que um frio lhe suba a espinha, no centro da sala há um caixão, e estranhamente só há um homem perto dele chorando, todos os outros parecem estatuas com olhos de vidro.

Jorge se aproxima da pessoa do centro, tentando controlar as suas emoções, já que ele conseguiu reconhecer aquele olhar nos olhos dos demais, e de fato isso muito o assusta . ao chegar no centro, Jorge olha para o caixão, e vê a forma de uma mulher muito bonita, mas que já havia perdido muito de sua beleza para o aspecto da morte. A morta estava bem arrumada, com uma maquiagem bem atrativa e o corpo trajando um vestido vermelho, não havia flores no caixão e os seus cabelos longos e loiros estavam colocados lado a lado cobrindo os seios até o ventre. Com a aproximação de Jorge o homem levanta o rosto, e nesse instante ambos levam um choque, Jorge reconhece de que se trata também de seu paciente Marcos, e esse por sua vez exclama doutor!!!

Jorge fala¯ Marcos eu bem sei que esta não é uma boa hora, mas preciso de sua ajuda, aconteceu uma coisa horrível na casa de D Maria...

Porém, enquanto Jorge falava, Marcos o interrompe dizendo:

¯ Não há nada mais terrível do que isso que aconteceu comigo, a minha querida Daniela se foi doutor ela se suicidou, ainda não sei bem a causa que a levou a fazer isso, mas o meu coração esta partido, e eu sei que não conseguirei viver sem ela.

Enquanto Marcos, falava as lágrimas caiam como cachoeiras de seus olhos, sua voz continha uma dor tão aguda que seria capaz de destrocar o coração de qualquer um. Frente a tudo isso Jorge fica perturbado, e já não tem mais coragem de dizer o que ocorreu a instantes atrás.

Jorge procura uma lugar para sentar, enquanto tenta recuperar o fôlego, o suor lhe banha o rosto e as roupas, mas ele tenta se controlar com umas de suas técnicas.

Há varias pessoas na sala,mas Jorge se sente sozinho com Marcos, já que todos os outros estão agindo como se estivessem hipnotizados.

Passaram-se alguns minutos desde que Jorge fechou os olhos para tentar se recompor.

Súbito, Marcos começa a gritar com um desespero comovente:

¯ Daniela por que você me deixou, eu não vou conseguir viver sem você , eu quero ir junto com você meu amor, ah Deus por que fizeste isso comigo? Por que permitiste isso?

Esse movimento é o bastante para tirar Jorge de seu transe momentâneo, e surpreendentemente não só ele saio de seu transe,mas as demais pessoas da sala também.

Agora elas se mechem e estão pegando o caixão, Marcos grita de uma maneira mais agonizante e comovente. Estranhamente eles se dirigem para a porta dos fundos, Jorge acaba de perceber que não há carro funerário na porta da frente, onde será que vão levar a moça, o que será que vão fazer?

Jorge agora um pouco mais calmo resolve segui-los para vê o que vai acontecer.

A porta dos fundos dava acesso a um belo jardim, onde havia um profundo buraco cavado no chão, Jorge então consegue entender tudo, vão enterrar a morta ali.

Porém, o buraco é profundo demais para uma cova, as pessoas de olhares vítreos jogam o caixão no buraco que chega ao fundo com o barulho de uma queda seca, o impacto faz com que a tampa se abra, e o corpo fique exposto de uma maneira desajeitada.

Ao vê essa cena, Marcos esbraveja contra os mal feitores que haviam feito isso, e se joga no buraco, que era demasiado fundo para uma cova, com a intenção de concertar a posição do corpo de sua amada.

Marcos cai desajeitadamente em cima do caixão, talvez o desespero o levou a fazer isso sem pensar, Marcos se prontificou a arrumar o corpo, mas de súbito as pessoas com olhares estanhos começam a jogar terra em cima dos dois, Marcos esbraveja,mas eles continuam a jogar a terra, Marcos tenta sair do buraco, mas ele é demasiado fundo, e ele não conseguirar sair amenos que for ajudado, Jorge tenta ajudá-lo, mas de súbito, Jorge se vê segurado por uma parte das pessoas, que o impossibilita de se mexer, dificultando até o simples ato de respirar.

Marcos no fundo do buraco grita desesperadamente a medida que a terra vai subindo cada vez mais e mais, alguns momentos depois, já não é possível ouvir barulho nenhum que provenha de Marcos, agora ele estava de uma vez por todas enterrado com a esposa que ele tanto amava.

Jorge observou tudo sem poder fazer nada.

Atônito de medo, Jorge começa a duvidar se tudo aquilo é real, essas pessoas com esses olhares vítreos, esse cenário obscuro, tudo isso parece demais. Jorge empurra as pessoas que lhe estão segurando para traz, enquanto respira profundamente tentando recuperar a realidade, esperando que tudo volte ao normal com o mesmo ar que lhe enche os pulmões, porém, isso não acontece.

O tempo esfria, a noite parece mais escura e Jorge se sente atordoado, súbito Jorge sai correndo e no meio do caminho tropeça e cai desacordado.

Gotículas de água começam a molhar o rosto de Jorge, como se fosse para desperta-lo desse seu estado inerte, Jorge desperta e não houve som algum, parece que o tempo parou e tudo está imóvel, e parece não haver ninguém por perto.

Falta pouco para os primeiros raios de sol encher a terra, e a medida que a claridade se aproxima, Jorge sente que reconhece esse lugar, não é mais o lugar onde aconteceu aqueles fatos horríveis, aqui é o lugar onde ele passou a sua infância, onde viveu feliz a sua infância juntamente com o seu pai e sua mãe, até que um dia sua mãe perdeu a razão e se tornou completamente louca, transformando totalmente a vida de seus companheiros em um inferno.

Foi a por causa disso que Jorge resolveu trabalhar com a mente das pessoas, primeiro ele se tornou psiquiatra e posteriormente psicanalista, ele queria curar as loucuras das pessoas para que ninguém mais sofresse o que ele sofreu a perda de sua mãe querida, que se transformou em uma louca insuportável.

Neste instante Jorge tem um insight, tudo o que ele havia vivido não havia passado de um delírio, o seu medo de não poder ajudar as pessoas com os seus medos o havia perturbado, ele sempre tentou se curar da frustração de não ter podido ajudar a sua mãe por se ele apenas uma criança e prometeu para si mesmo que faria o possível para ajudar a todos os outros com os seus medos, para que eles pudessem viver o que ele não pôde viver.

Se tudo não passou de um delírio, então por que ele esta aqui?

Jorge ainda não consegue entender o que ele esta fazendo no bairro em que ele passou a infância, talvez ele veio por causa de algum motivo e as lembranças de sua infância o fizera delirar, sem duvida isso é uma boa explicação pensou ele, então ele resolve voltar para a sua casa e sair de uma vez por todas deste lugar.

Levou praticamente o dia todo para regressar a sua casa, deitou logo no sofá de tão exausto que se encontrava, ao despertar tomou um banho e se sentiu feliz pelo fato de tudo não ter passado de um delírio, resolveu sai para tomar uma brisa, já que seu apartamento parecia tão abafado agora.

Porém, ao descer as escadas Jorge olha para o rosto das pessoas e percebe que todas elas possuem um olhar vítreo como aquelas pessoas de seu delírio, isso o apavora e o faz duvidar de tudo novamente, será um sonho ou isso é real?

Desesperado ele não espera por uma resposta e sai correndo em direção a porta do prédio, ele deseja fugir, se esconder ou mesmo chorar sozinho em qualquer lugar onde não haja aquelas pessoas com aqueles olhos vítreos.

Mas ao chegar na saída do prédio para ter acesso a rua principal, o chão some embaixo de seus pés e Jorge cai de uma vez por todas no imenso abismo chamado loucura e medo.