FALA O DIABO - XV.1

“Pelo amor de Deus!”, ele gritou. “Fique quieta, desgraçada!”

Do outro lado das paredes, você escuta ele gritando. E em algum outro lugar, sabe que outra pessoa, uma voz feminina, berra. Provavelmente, esse último brado, rouco, pesado, se dirige àquela mulher. Mas você jamais viu qualquer um dos dois.

O medo paira no ar, mais quente que o sol do meio-dia. A escuridão é absoluta. Os brados te ensurdecem. Você não ousa levantar a voz, ela já se desvaneceu. O cheiro de sangue e de carne em putrefação é insuportável, dando-lhe náuseas. Você está aqui, neste cativeiro de 1,5 m², sem nem mesmo saber por que, nem como. Deitou-se em sua cama, e acordou neste lugar.

“Cala a boca, vadia!”. O homem grita novamente.

“Me tira daqui!”. Ela berra em resposta. “Por favor! Por fa...”

Ela está chorando. Não consegue terminar a súplica, pois engasga-se nas próprias lágrimas. Você imagina como seria ouvir essa doce voz num bonito dia de sol. Certamente seria acalentador. Mas agora, tudo o que existe é dor em gritos desesperadores. E parece que todas as coisas estão sendo destruídas.

Em meio ao caos, você tenta pensar sobre a vida desta mulher, agora à beira do colapso absoluto. Talvez tenha sido outrora feliz, talvez tivesse um amor, um filho, um trabalho que a confortasse e desse sentido à sua existência; ou talvez ela desejasse fervorosamente que as horas de um dia passassem rapidamente, para que um novo sol surgisse, melhor, mais belo e radiante. Entretanto, isso pouco importa agora. Este cativeiro não é um mar de felicidade, no qual poderia facilmente se afogar. E parece não haver escapatória dele.

“Há quanto tempo ela está aqui?”, você pensa. “Há quanto tempo eu estou aqui?”. Não consegue achar a resposta. Todo tempo aqui é tempo nenhum. Os minutos são vazios, não há sol, não há chão, não há nada.

“Maldita seja, rapariga abjeta!” O grito é acompanhado por um som oco contra a parede, provavelmente um soco. “Cala a porra dessa boca! Não consegue esperar? Já vou te atender, mas primeiro preciso cuidar deste corpo. Por que não faz como o imbecil da outra sala, que já cansou de berrar?”

“O que você quer de mim? Por que estou aqui?”

“Pare de chorar, cadelinha! Não consigo assim. Toda vez que ouço uma mulher chorando, tenho a vontade imediata de acalmá-la. Então cale-se, e espere a sua vez!”

O brado forte e grosso é esmagador. Instantaneamente, a mulher se cala.

Um repentino silêncio se faz entre as ruínas. Um vazio sepulcral, infinitamente mais poderoso do que aquele com o qual convive diariamente, te esmaga. Então você percebe, em súbita cegueira escarlate, que não adianta procurar uma saída. Você perdeu. Para sempre. E reconhece isso. Tudo o que resta é chorar. Isso mesmo, chore, tudo bem. Ninguém vai notar a diferença.

Agora, enjaulado neste cubículo, na mais completa escuridão, apenas lembranças lhe restam, e a única coisa fácil é beber das próprias lágrimas e sentir seu gosto salgado. A esperança de uma vida boa, misturada com fezes, foi jogada no esgoto.

Impregnou-se de nojo e de morte, assim como esponja absorve água, até ficar cheia. Nada mais há, neste instante, a não ser o profundo e doloroso desejo de livrar-se deste pesadelo confuso, vomitar esse sangue nojento, acabar com essa vida ignominiosa e sem sentido.

“Eu sou um verme”. É no que pensa agora. “Um subproduto do lixo tóxico da criação divina. Ainda bem que não há um espelho aqui, agora. Seria mais deprimente ainda. Pensaria na minha mãe, que me abandonou quando eu tinha 5 anos; no meu pai, que fez o mesmo no dia da minha formatura; na namorada que me deixou... Ah!, a lista poderia continuar infinitamente”.

Todos os sonhos estão sendo irremediavelmente despedaçados. Você perde a fé. Seu tempo acaba.

...

Diabo
Enviado por Diabo em 23/09/2008
Reeditado em 25/09/2008
Código do texto: T1193488
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