A Terra Dos Sonhos

Capítulo I

-Porque você é tão teimoso?_ Perguntou Fernanda, ao marido.

-Não estamos perdidos, não percebe que isso é a porra de um atalho? Perguntou Pedro.

O casal havia saído do Rio De Janeiro com destino a Espírito Santo, um acidente na rodovia fez Pedro optar por uma estrada paralela, que ele acreditava se juntar à rodovia alguns quilômetros à frente.

O Ponteiro de combustível do citroën C 3 cinza, que Pedro dirigia já dava amostras de que logo precisaria de combustível, Fernanda não acreditava que seria possível achar um posto de gasolina naquela estrada de terra, onde tudo que ela podia ver era mato dos dois lados da pista.

-Foi como nossa viagem ao Egito, lembra?_ Perguntou Pedro a esposa. Sem a deixar responder continuou:

-Você achou que estávamos perdidos mais no final, estávamos na trilha certa, lembra?

-Daquela vez deu certo, isso não quer dizer que dará novamente! Respondeu a esposa meio emburrada.

No rádio do carro, o locutor anunciava que dariam uma pausa na programação porque era o momento de ouvir a hora do Brasil.

-Desligue o rádio!_ Diz Pedro à esposa.

-Por quê? As músicas que você ouve estão no mesmo nível disso.

Soltando um suspiro, mas sem tirar os olhos da estrada, Pedro diz quase que para si mesmo: você é quem sabe!

Às vezes ele sentia vontade de socar aquele rosto, para ver se ela aprenderia a respeitá-lo, mas ele sempre se segurava, sabia da vida difícil que ela teve antes de se casarem. Dos abusos do pai, da morte do irmão caçula, que ocorreu quando os dois foram pescar e o pequeno Miguel caiu no lago.

Com freqüência ela acordava gritando de madrugada, revivendo aqueles pesadelos quase todas as noites o pai invadindo seu quarto para abusar dela.

Agora que tudo isso tinha ficado no passado, um telefonema no meio da noite a fez reviver tudo de novo, um primo o qual ela não via a mais de vinte anos deu a notícia de que sua mãe estava mal no hospital, os médicos acreditavam que ela não tinha muito tempo de vida.

A relação das duas nunca foi boa, sua mãe sempre foi omissa, em relação aos abusos do pai, sua preocupação sempre foi as suas drogas.

Por todas essas coisas Pedro foi radicalmente contra, quando ela anunciou que queria ver a mãe pela última vez, desejava do fundo do seu coração que a mãe dela já estivesse morta quando chegassem ao hospital.

-Pedro o que é aquilo na frente?_ Perguntou Fernanda colocando sua mão sobre a perna dele.

Pedro estava tão imerso em seus pensamentos, que não havia reparado no extenso nevoeiro que se encontrava a cem metros, à medida que o carro se aproximava da névoa Pedro sentia uma sensação inquietante, aquele tipo de sensação que só sentimos quando acordamos de madrugada depois de termos um terrível pesadelo. Olhando para o banco do passageiro, Pedro notou que Fernanda mordia seu lábio inferior, e que seu olhar era tenso.

-Deve ser apenas uma mudança de tempo amor, não precisamos nos preocupar._ Disse Pedro, dando um sorriso nervoso para a esposa.

-É... Você tem razão, mas de qualquer forma, é melhor dirigir devagar.

- Prometo que logo estaremos de volta à rodovia, e que encontraremos um posto. Aproveitaremos para fazer um lanche, tudo bem?_ Diz Pedro se virando para olhar a esposa.

Seria ótimo, estou morrendo de fome. Respondeu Fernanda.

Assim que entrou no nevoeiro, o carro sofreu uma enorme pancada, Fernanda foi arremessada bruscamente para frente batendo com a cabeça no painel, a pancada foi suficiente para deixá-la desnorteada por alguns segundos.

Quando olhou para o seu marido, ele a estava encarando com um sorriso no rosto.

-Tudo bem com você Nanda. _ Perguntou ele.

-Sim, estou meio tonta, mas vou ficar bem. O que aconteceu?

- Acho que batemos num buraco.

Quando olhou para frente, Pedro puxou o braço da esposa e disse:

-Veja isso amor!

- Uma cidade_ respondeu ela_ levando a mão à testa dolorida por causa da batida que sofrerá.

Eles estavam no que parecia ser a princípio uma típica cidadezinha do interior, na frente deles havia uma praça em formato circular, havia algumas bicicletas abandonadas jogadas perto da área dos balanços, no lado esquerdo deles havia algumas casas, que lembrava bastante as casas do subúrbio do Rio de janeiro. Enquanto saia do carro acompanhada do marido, Fernanda notou um pouco a geografia do lugar, era uma cidade cercada por morros, a sensação que ela tinha era de que eles se encontravam num vale, a cidade parecia ser dividida por um rio, o chão era constituído de paralelepípedos. Algumas placas no poste mostravam alguns pontos da cidade como o hospital municipal, prefeitura e o grande lago da cidade.

-Vamos ver se achamos um posto pela cidade!_ Disse um animado Pedro.

-Vamos andando Pedro, o tanque está na reserva existe o risco de não conseguirmos ir longe.

-tudo bem, Nanda, não vai ser difícil encontramos alguém na rua para pedirmos informação.

-As crianças devem estar por perto Pedro.

-Como você sabe?_ Perguntou Pedro enquanto dava as mãos à esposa e começava a caminhar.

-Por causa das bicicletas jogadas ali, seu tontinho.

-Ah, é!_ Resmungou Pedro enquanto voltava a sorrir e dizia:

-Tinha me esquecido desse detalhe.

Passando por dentro da praça eles viram que o chafariz da praça estava seco, e que todos os bancos estavam pinchados com a palavra: Matador de irmão! Em uma parte da praça havia algo escrito no chão, Pedro curioso quis dar uma olhada, mas Fernanda o puxou dizendo estar com frio e que queria achar logo o posto.

Pedro também sentia frio, mas alguma coisa o fazia querer ir olhar o que estava escrito no chão.

-Só vai demorar um minuto Fernanda, ninguém vai morrer por causa disso!

-Que merda, Pedro, é apenas uma brincadeira de criança que está escrito na calçada. Gritou Fernanda.

-Por que sempre tem que ser o que você quer? _ Pedro apontava o dedo na cara de sua esposa e gotículas de saliva encontravam o rosto de Fernanda.

-Tudo bem Pedro, se é importante para você ver isso, vá em frente! Eu estou voltando para o carro.

No momento que virou seu corpo para começar a ir em direção ao carro, Fernanda não pôde acreditar no que via, seu carro não estava mais ali, seria impossível na distância em que eles se encontravam alguém roubá-los sem eles perceberem. Não tinham caminhado nem cinqüenta metros.

Incrédula; Fernanda tentou avisar a seu marido:

-P.. P.. Pedro, o carro, não está mais ali!

-Como assim. _No momento que virou sua cabeça para a esquerda e passou a ter a mesma visão que sua esposa Pedro percebeu muito mais do que o sumiço do carro, percebeu também que as casas haviam mudado, agora não era mais no estilo suburbano carioca, as casas agora mais se assemelhavam a pirâmides egípcias, com grandes janelas brancas no centro. No lugar do chafariz da cidade. Existia agora um grande olho que lembrava os símbolos maçônicos, a diferença, era que esse possuía olhos vermelhos, que pareciam olhar toda a cidade.

Tremendo de medo Fernanda abraçou seu marido, e no início de uma crise histérica perguntou:

-O que está acontecendo Pedro?

Antes da resposta do seu marido um grito de pavor cortou o silêncio da noite.

Dobrando a esquina um garoto aparentando ter oito anos, vinha correndo olhando para trás parecia estar sendo perseguido por alguém ou algo, na sua urgência por fuga tropeçou enquanto tentava atravessar a rua e caiu de barriga para baixo, em sua perseguição estavam um grupo de crianças que passavam de vinte, entre meninos e meninas.

Rodearam a vítima no chão e ficaram em silêncio por alguns segundos, para Pedro aquilo parecia uma eternidade, o suor que escorria pelo seu corpo, já havia molhado toda a sua cueca, dando a sensação de ter perdido o controle do seu intestino.

Fernanda segurava forte o seu braço, queria fazer alguma coisa, gritar com aqueles meninos, mas não encontrava forças, era como se houvesse engolido uma grande pedra de gelo, o frio que sentia na barriga a impedia de fazer qualquer coisa a não ser observar toda ação.

O menino no chão choramingava, enquanto tentava rastejar sem sucesso para longe do grupo, pedia para não apanhar mais, dizia que não foi o culpado pelo o que aconteceu com o irmão.

Um garoto vestido com uma calça jeans e uma blusa social quadriculada gritava para a vítima enquanto lhe dava pauladas a cada palavra proferida:

-Você acha mesmo que pode nos enganar?

-Você enganou a polícia com essa história de acidente!

-Enganou sua família!

-Mas todos nós sabemos que você o odiava!

Uma voz a qual nem Pedro nem Fernanda conseguiram distinguir o dono no meio dos garotos disse:

-Outro dia ouvi você dizendo a seu irmão que ele podia morrer, porque você não dava a mínima para ele!!

-Foi apenas um desabafo._ respondeu baixinho o choroso menino.

-Nunca quis que nada de mal acontecesse com ele, ele era meu irmão droga!

-Nós não acreditamos em você!_ Gritou o raivoso garoto de camisa quadriculada, enquanto voltava a bater na vítima no chão.

Nesse momento todas as luzes das pirâmides se ascenderam, Pedro e Fernanda perceberam que numa sincronia incrível, sombras apareceram nas janelas, como se cada habitante daquela cidade maldita tivessem ao mesmo tempo aparecido nas janelas para presenciarem o sofrimento do menino.

No momento seguinte todos os garotos do grupo começaram a espancar a vítima, pás pedaços de pau e pedradas, tudo que se encontrava na rua foi usado como arma.

Quando o garoto de camisa quadriculada cansou de bater na vítima todos os outros pararam, todos se “despediram” cuspindo no garoto desacordado no chão, enquanto os agressores voltavam pelo mesmo caminho que vieram. As sombras com a mesma sincronia em que apareceram sumiram, as luzes das pirâmides também se apagaram.

Fernanda tremia cada vez mais, estava quase enfiando suas unhas no braço de Pedro.

-Pedro. Acho que mataram ele._ Disse Fernanda enquanto enfiava sua cabeça no peito do marido.

Pedro não respondia, ele estava sentindo que fazia parte de tudo aquilo, não conseguia explicar nem como nem o porquê.

Quando percebeu o estado que se encontrava sua esposa, ele a abraçou forte e lhe disse ao pé do ouvido:

-Vou tirar a gente daqui amor, eu prometo, não sei o que está acontecendo aqui. Mas vou dar uma olhada naquele garoto, ele ainda pode estar vivo.

-Fernanda notou que uma antiga cicatriz na testa do marido sangrava, aquela cicatriz lhe causava arrepios, lembrava-se de historias do passado que deveriam ser esquecidas.

-Sua testa está sangrando amor!_ Avisou-lhe enquanto limpava o ferimento com a palma da mão.

Enquanto sua esposa limpava seu ferimento Pedro percebeu que as casas haviam mudado novamente, agora elas tinham a forma de casas do interior do Rio, lembrava muito a Pedro sua cidade natal, que ficava na região serrana carioca.

-As casas mudaram novamente...

Tirando a mão da esposa da sua testa, Pedro deu uma olhada onde o garoto estava caído, não havia mais corpo nenhum.

-Pedro, o carro está de volta!_ Apontou Fernanda.

Os dois correram em direção ao carro, chegando perto perceberam que havia uma enorme batida na frente do veículo.

-Como vamos sair daqui Pedro? O que aconteceu com o carro?

Fernanda agora se desmanchava em lágrimas, segurando suas duas mãos delicadamente seu marido tentava confortá-la:

-Amor, calma, precisamos ficar calmos, deve existir alguma explicação racional para tudo isso.

- Que explicação Pedro, corpos que somem casas que mudam de forma? Não consigo achar nada lógico nisso.

Num piscar de olhos um corpo apareceu sobre o que sobrou da frente do cintroen, parecia ter sido arremessado com extrema violência naquela direção, num olhar rápido via-se que era o corpo de um homem, aparentando ter no Maximo trinta anos. Seu pescoço estava quebrado, seu olho direito vazou para fora, com certeza sofreu uma morte indolor, mas como ele foi parar ali? Era mais um dos mistérios daquela cidade.

Capítulo II

Resolveram caminhar em frente para tentar descobrir uma forma de sair daquela cidade, depois de meia hora caminhando ao lado do rio, num intrigante silêncio chegaram numa bifurcação, no meio dela. Havia uma igreja antiga, construída no início do século.

-Vamos entrar nela Nanda, talvez exista alguma saída desse lugar.

Fernanda que não dissera nada nessa última meia hora apenas balançou a cabeça em sinal de concordância, ainda tremia, mas não saberia dizer, se a fonte dos seus tremores era o frio ou o medo de estar nesse lugar.

Seus pensamentos agora, não estavam mais ali, estavam no Espírito Santo, ela sentia que sua mãe ainda estava viva, como se ela estivesse apenas aguardando para ter o adeus da filha que ela não via há anos.

-Nanda, está ouvindo isso?_ Perguntou Pedro ao mesmo tempo em que parava e puxava a esposa pela mão.

-sim... Parece ser barulho de água.

Quando olharam para o rio perceberam que o nível d’água, estava subindo assustadoramente e rápido demais, subia três vezes mais rápido do que em qualquer chuva de verão.

Correram de mãos dadas em direção à igreja, Fernanda tropeçou e caiu de cócoras no chão. Ao tentar voltar para ajudar a esposa Pedro viu que a água já havia tomado tudo atrás deles, se a história do dilúvio era verdadeira deve ter acontecido assim, rápido, barulhento e mortal.

Uma série de ondas gigantes vinha na direção deles, Fernanda notando a perplexidade no olhar do marido, olhou para trás ainda de cócoras, e soltou um grito: -Pedro me ajuda!

Fernanda sentiu o braço do marido a levantando, mas não conseguia tirar os olhos das ondas que agora estavam a poucos metros, talvez por isso só depois tenha entendido o que aconteceu naquele momento.

Sentiu uma mão dura no seu queixo que a arremessou longe, fazendo a bater com a cabeça no asfalto, sua visão ficou ofuscada por milhares de fagulhas, por alguns momentos de confusão Fernanda podia jurar que estava mergulhando na praia.

Só depois o terror tomou conta dela, só depois ela percebeu que estava sendo carregada para sua morte, a água, entrava em torrentes cada vez maiores por sua boca e nariz, sua cabeça batia com violência em objetos que também eram carregados pela impiedosa enxurrada, antes de apagar; em seus pensamentos ela teve a certeza; Foi Pedro. Pedro me acertou um soco no queixo e me deixou morrer mais por quê? Mamãe você tinha razão não deveria ter me casado com esse homem. Perdão por não ter tido a chance de te ver pela última vez, tinha tantas coisas para falar... E depois só o silêncio.

Pedro não acreditava no que tinha feito, foi uma ação totalmente involuntária, ele estendeu a mão para levantá-la e de uma hora para outra uma voz na sua cabeça o mandou socá-la, era uma voz que não parecia estranha para ele, uma parte sua tentou não fazer isso à esposa que ele amava de todo coração, mas a voz foi mais forte, não pôde assistir ela sendo arrastada pelas ondas porque teve que entrar para conseguir refugio na igreja, a voz o avisou também, que dentro da igreja ele estaria seguro.

Lá dentro, Pedro reparou que estava num funeral, havia pessoas em todos os bancos da igreja, a maioria vestia roupas pretas.

Todos olhavam em sua direção, até a imagem de Jesus crucificado parecia olhar para ele com um olhar de pai zangado.

Andando devagar, passando em frente à primeira fileira de bancos, Pedro percebeu que uma idosa fazia algum tipo de comentário no ouvido da neta adolescente, ele tinha certeza que falava mal dele, será que eles sabiam que ele tinha acabado de matar a esposa?

Na segunda fileira um homem alto de feições rudes balançava a cabeça negativamente, do lado dele havia três jovens moças que apenas olhavam para ele imóvel, sem esboçar nenhum tipo de reação.

Na terceira fileira havia um grupo de garotos, o mais próximo do corredor, usava uma camisa quadriculada, olhava para ele com uma expressão de ódio, ele tinha certeza que era o líder do grupo que tinha espancado o menino na praça.

Será que o corpo que estava no altar da igreja era o da sua esposa?

À medida que se aproximava, ele deixou de reparar nas pessoas sentadas nos bancos, tentava enxergar o caixão, mas na frente dele tinha um casal que juntamente com as coroas de flores obstruía toda sua visão.

Quando estava na penúltima fileira de bancos pode perceber que com certeza ali não se encontrava o corpo de sua esposa, era um caixão de criança.

***

-Estamos aqui hoje, para nos despedirmos do pequeno Miguel._ Disse o Padre, enquanto segurava sua bíblia com as duas mãos. Pedro havia parado em frente a últimas fileiras de bancos, era tudo muito familiar para ele.

-O jovem Miguel, que Deus chamou tão cedo para o seu reino, deixando seus familiares e amigos aqui nessa terra, mas saibam todos vocês que... Nesse momento o padre olhou em sua direção e parou o discurso. O casal na frente do caixão virou-se para ele, e Pedro teve a certeza de que estava na frente dos pais de Fernanda.

A mãe dela a qual ele não conseguia lembrar o nome chorava, para em seguida limpar suas lágrimas num lenço. O pai de Fernanda gesticulou para ele e numa voz amável o chamou: Venha aqui filho!

Aproximando-se do casal Pedro notou que em cima do caixão havia a foto do pequeno Miguel junto à família, estava nela o pai abraçado com a mãe, que abraçava um garoto aparentando ter dez anos e o jovem Miguel abraçado com esse outro jovem.

Pedro teve vontade de perguntar por qual motivo Fernanda não estava na foto da família, e quem era aquele outro menino na foto, mas antes que pudesse ter feito qualquer pergunta, ele teve a certeza de que o garoto abraçado com Miguel era o mesmo que ele tinha visto mais cedo sendo espancado na praça da cidade.

Seu coração disparou e então ele começou a gritar: Nãããããããããão; quero sair daqui!

Como se sua palavra tivesse poder, todo o cenário parecia tremer, sua cabeça doía, o que o levou a cair de joelhos no chão da igreja. O candelabro que se encontrava no altar da igreja, flutuava e como se tivesse sido arremessado por mãos invisíveis atingiu com violência o padre, que ficou sem a metade direita do crânio. A confusão tomou conta da igreja gritos de horror, ecoavam por toda parte.

As pessoas do lado direito da igreja não tiveram tempo de correr, ao levantarem dos bancos o chão se abriu sobre os seus pés, e antes que os corpos pudessem passar inteiros pela fenda, o buraco se fechou decapitando todos.

Cabeças com olhares assustados se espalharam por toda espaço direito onde há alguns segundos atrás havia bancos.

As pessoas do lado esquerdo corriam em direção à porta, o garoto de camisa quadriculada tropeçou, e foi pisoteado pela multidão, Pedro olhou para o candelabro superior da igreja que estava bem acima do moleque, o candelabro começou então a balançar de um lado para o outro, caindo em cima do garoto, o esmagando.

Pedro olhava fixamente para as pessoas em direção a porta e apontou sua mão em direção a grande porta de saída, ninguém conseguia abrir a porta, parecia estar sendo travada por fora, Pedro gargalhava, era muito poder, ele se sentia um deus naquele momento, um pensamento passou pela sua cabeça: faça eles se matarem. E ele disse baixinho se matem!

Automaticamente ao seu comando as pessoas começaram a se digladiar, as três jovens que estavam no banco agora se encontravam quase nuas, uma delas tinha um dos seios arrancados, uma senhora segurando um guarda-chuva de ponta o enfiou no olho esquerdo da mãe de Fernanda.

Virando seu corpo, Pedro percebeu que apenas uma pessoa parecia estar imune a toda a situação causada por ele, o pai da Fernanda encontrava-se em pé olhando calmamente tudo, seu olhar passava satisfação, ele parecia estar feliz com o acontecido.

Percebendo o olhar de Pedro, o pai de Fernanda fez gestos com a mão em sua direção e saiu para o que parecia ser uma sala do padre atrás do altar.

Pedro o seguiu em direção a porta, ao entrar, se deparou com uma mulher amarrada numa cadeira, sobre seu colo havia um pedaço de um cinto de segurança, ela estava desacordada, mas ainda vivia, Pedro podia sentir sua respiração fraca.

Antes que pudesse perceber duas mãos agarram por trás cada lado do seu ombro, e um hálito fresco esquentando sua orelha disse:

-Essa é a segunda responsável por você está aqui.

- A primeira você já encontrou, estava caído sobre seu carro; ainda faltam uma...

Você decide o que fazer com elas, a escolha é toda sua!

-Não quero conversa com você seu desgraçado, você abusava da Fernanda, sei de todo o sofrimento que você causou a ela!_ Exaltou-se Pedro dando uma cotovelada para trás e virando-se de frente para o homem que antes o segurava.

-Eu? Fiz isso mesmo a ela? Vejo que você está muito confuso._ Respondeu o homem com um sorriso.

-Quem espancava sua esposa era você!_ Chegava sempre bêbado em casa a violentava, batia nela, porque acha que ela e a mãe são brigadas? Alguma coisa sempre disse a mãe dela o filho da mãe que você era, instinto materno cara, saca essas coisas?

O homem gargalhava alto, e batia palmas. Além do mais quem lhe disse que sou o pai dela?

Tive dois filhos homens, um deles está morto, e outro se encontra na minha frente nesse momento!

Capítulo III

Levantando e sentindo náuseas Fernanda tratou de botar para fora tudo o que tinha no estomago, ela acordou jogada em um matagal, ainda sentia dores na barriga ocasionada pelo afogamento, não entendia como ainda podia estar viva, será que Pedro tinha se lembrado?

Conheceram-se há sete anos, logo depois da morte do seu pai, um sargento da polícia militar do RJ, fato ocasionado por reagir a uma tentativa de assalto.

Foi na fila do mercado, Fernanda estava com um carrinho cheio, e se preparava para pagar suas comprar quando Pedro apareceu perguntando a ela se poderia passar na frente para pagar apenas um aparelho de barbear.

-Claro, respondeu ela.

Na saída do mercado ela estava de carro e viu que caia uma tempestade tropical, no meio do transito caótico do Rio provocado pela chuva ela viu aquele homem que havia lhe pedido para furar fila com um guarda chuva no ponto esperando sua condução ela dirigiu até ele e perguntou para onde ele ia; ele respondeu que seu destino era o centro da cidade.

Como era caminho ela lhe ofereceu carona, conversaram bastante no tempo em que ficaram no carro, e resolveram então trocar seus números de telefone.

Um mês depois já estavam namorando firme, com cinco meses já tinham marcado a data do casamento.

Pedro todo esse tempo se mostrou ser um verdadeiro príncipe encantado, só não falava do seu passado, Fernanda ao contrario já tinha falado tudo sobre sua família, sobre a morte do seu pai, sobre o emprego de professora do estado da mãe.

Quando levou finalmente Pedro para conhecer sua mãe, ela não gostou nem um pouco dele, dizia que seus olhos não a enganavam.

-Esse rapaz esconde alguma coisa minha filha, podia ouvir a voz da sua mãe na sua cabeça agora.

A mãe lhe disse que ela deveria fazer sua escolha, se casasse com esse rapaz, ela deveria esquecer que tinha família, Fernanda chamou Pedro e voltou para o Rio no mesmo momento, foi à última vez que teve algum tipo de contato com a mãe.

Com três meses de casada ela percebeu algumas atitudes estranhas do marido, acordava de madrugada gritando como se estivesse revivendo algum tipo de pesadelo, e quando ela o perguntava nada dizia.

Certa vez os dois caminhavam pela orla de Copacabana quando distraidamente ela atravessou a rua e quase foi atropelada por um motoqueiro que avançou o sinal vermelho.

Com o susto ela caiu no chão e foi levantada por Pedro.

-Tudo bem?_ Perguntou ele

-Sim._ Respondeu ela levando a mão ao joelho que tinha ficado ralado com a queda.

-Bem que um caminhão podia passar por cima dele. Disse Pedro.

- Isso._ Respondeu ela com um sorriso meigo_ me sentiria vingada.

Continuaram seu caminho até que a dois quarteirões à frente eles viram uma grande concentração de pessoas na calçada e no começo da rua.

- O que será que ouve amor?_ Perguntou ela ao marido.

-Deve ser alguma filmagem para a novela Nanda.

Seguindo em frente, eles viram no meio da rua uma moto totalmente destruída, trinta metros adiante o corpo do motoqueiro que não respeitava a sinalização estava com o crânio todo esmagado espalhado no chão, algumas pessoa riam e tiravam fotos com os seus celulares, mais a frente havia um caminhão de combustível parado. O motorista conversava com dois policias que tinham acabado de descer da viatura.

Passando ao lado deles, Pedro e Nanda ouviram quando o motorista disse:

-Ele veio como um louco na minha direção parecia que queria se suicidar.

No dia seguinte saiu uma nota nos jornais cariocas, a chamada da notícia era: “motoboy suicida se joga embaixo de caminhão da Petrobrás”.

Nenhum deles comentou nada sobre o ocorrido, Fernanda preferiu pensar que tinha sido apenas coincidência que o desejo de seu marido tivesse se concretizado.

Mas no fundo ela sabia que não, ela se lembrava da cara de satisfação que o marido ostentou na hora da confirmação de que o corpo realmente era do motoqueiro.

Depois disso seu comportamento foi piorando gradativamente, com cinco meses de casada, ele bateu nela pela primeira vez, tudo porque ela se esqueceu de botar açúcar no seu suco, ele se levantou e lhe esbofeteou no rosto.

De uma tapa, viraram surras, surras de deixar marcas, outras de fraturas, até que chegou um dia no segundo ano do casamento que ela resolveu se vingar prometeu que se ele encostasse nela mais uma vez ela o mataria.

Aconteceu no dia 24 de agosto ela via animadamente no quarto, um programa sobre fofocas, quando ele chegou da rua bêbado, perguntando sobre o almoço, ela respondeu que estava no forno e que ele se quisesse esquentasse no microondas, ele a puxou pelas pernas e, disse que isso era a função dela a jogando no chão em seguida. Ela se levantou e tentou correr em direção a porta, mas ele foi mais rápido e lhe agarrou pelos cabelos, com um impulso, a girou sobre o seu corpo e a jogou para fora do quarto, Fernanda consegui proteger seu rosto usando seus dois braços, a adrenalina era tanta que ela conseguiu levantar rapidamente e correr em direção as escadas, seu marido parecia estar possuído, gritava que dessa vez ela não escaparia, que quando acabasse com ela ainda transaria com o que restou dela.

Próximo da escada havia um criado mudo, era ali que ela tinha guardado o revólver calibre 38 que seu pai usava, o segurou com força, mas não se virou para Pedro; Pedro vinha na sua direção gritando: Isso mesmo fique ai parada, que não te castigarei muito, só o suficiente para você aprender quem manda aqui!!

Quando ela se virou Pedro percebeu que era tarde demais para fazer qualquer coisa, estava muito perto, apenas fechou os olhos e escutou o barulho.

A bala acertou o lado direito da sua testa, seu corpo tombou para trás, batendo a cabeça no chão com força, Fernanda ajoelhou-se levando a cabeça ao peito de Pedro para em seguida começar a chorar.

Fernanda arremessou a arma para o andar de baixo da casa, agora ela percebia que odiava, mas também amava aquele homem, é como se fosse duas pessoas vivendo no mesmo corpo, na maior parte do tempo ele era gentil, mas às vezes nas noites ruins, ele se transformava nesse demônio, ela não queria que as coisas terminassem assim.

Ela percebeu que ele ainda estava consciente, piscava os olhos com dificuldade, tentava entender o que havia acontecido, foi quando ele fechou os olhos e cerrou os punhos, ficou assim por alguns segundos, depois abriu os olhos e virou a cabeça em direção a porta, nesse momento um homem arrombou a porta da frente e entrou na casa, Fernanda reconheceu o homem como sendo o seu vizinho da casa da frente.

O vizinho pegou a arma no chão e apontou em sua direção, com o coração quase saindo pela boca Fernanda correu em direção ao seu quarto, estilhaços de um quadro na parede voaram batendo em seu braço, no segundo disparo ela sentiu que a bala passou rente ao seu queixo, no terceiro, a bala acertou a porta do quarto no momento que ela ia entrando procurando abrigo.

Dentro do quarto ela ouviu o som de passos subindo a escada, depois ouviu mais um tiro, um baque surdo, e depois só o silencio.

Ela demorou 10 minutos para tomar coragem e abrir a porta para ver o que tinha acontecido, quando abriu viu que o corpo do seu vizinho repousava quase ao lado do seu marido, parecia que ele mesmo tinha se dado um tiro na cabeça.

Viu que Pedro estava com os olhos fechados, mas ainda respirava. Como aquilo era possível, ele deveria já estar morto. Correu para o telefone que ficava no quarto e resolveu chamar a polícia, contou aos policiais que seu vizinho tinha invadido a casa, disparado contra ela e o marido e depois se suicidado, nas investigações os policias descobriram que o vizinho que se chamava Vinicius, tinha sido despedido do emprego exatamente naquele dia, e que isso pode ter ocasionado a medida drástica que ele tomou.

Passado três meses, Pedro ainda estava em coma no hospital, seu medo era que ele contasse tudo o que aconteceu quando acordasse, ela sabia o que aconteceria com ela, mas mesmo assim torcia por sua recuperação, sentia falta dele, cada vez mais percebia que o amava muito, queria que tudo voltasse a ser como antes.

No oitavo mês, ele acordou do coma foi constatado que ele tinha perdido a memória, não lembrava mais de nada, só sabia que ela era a sua esposa, não se lembrava de datas nem de fatos do passado, era como se tudo tivesse começado naquele momento.

No décimo segundo mês ele finalmente voltou para casa, os médicos não sabiam se algum dia ele recuperaria a memória, ela torcia para que nunca recuperasse depois do acidente ele ficou mais calmo do que antes, nunca mais a agrediu tinham pequenas discussões como qualquer casal, mas ela o amava, e sabia que ele também a amava, torcia para que as coisas continuassem assim para sempre, todo o sempre.

***

Pedro estava perplexo com o que o homem disse. - você está louco, não sou seu filho!

-Procure na sua mente, ela é a chave de tudo isso.

Pedro fechou os olhos e tentou vasculhar os caminhos mais escuros da sua mente, se viu ainda menino com uns quatro anos brincando no quintal de casa, festas de aniversários dele e do seu irmão caçula, castigos, presentes ganhos a cada natal, brigas com o irmão, se viu no pátio da escola durante o intervalo desejando que o irmão morresse durante uma discussão entre os dois, em seguida viu o irmão mais novo e ele saindo para uma pescaria, viu quando o pai se aproximou vindo por trás deles, os olhos do pai estavam vermelhos, Pedro sabia que ele só ficava assim quando cheirava um pó branco que um amigo sempre levava para ele, três ou quatro vezes a semana.

João; era assim que se chamava o pai dele, agora ele lembrava o nome, João se sentou entre os dois e disse: já pegaram muitos peixes?

-Não._ Respondeu Miguel sem encarar os olhos vermelhos do pai.

-Sabe por que não?_ Perguntou João levando seu braço ao ombro do seu filho mais novo.

-Não sei, pa-pai._ gaguejou Miguel.

-Porque um bom pescador meu filho, pega seus peixes usando suas próprias mãos.

Ao dizer isso João jogou seu filho mais novo no lago. Pedro gritou que Miguel não sabia nadar, e implorou para que o pai pulasse para salvá-lo.

-Pule você então, vocês não são uma espécie de Batman e robim? Uma dupla dinâmica?_Debochava o pai.

-Não sei nadar também.

-Então o deixe se virar!!!

Miguel se debatia nas águas do lago pedindo ajuda, seu pai olhava tudo com um sorriso nos lábios, Pedro tentava ajudar, mas tinha medo de se afogar tentou correr para pedir ajudar, mas seu pai o impediu, - Veja seu covarde, seu irmão vai se afogar porque você é um merdinha que não tem coragem de pular para salvá-lo!!_ Gritava o pai.

Até que em 3 minutos tudo tinha se acabado, seu irmão havia sumido levado pelas águas rio.

-Se você contar alguém que eu estive aqui eu te mato seu desgraçado, esta me ouvindo?

-Sim papai._ Respondeu ele, com lágrimas nos olhos.

- Não se atrase para o almoço, você sabe que sua mãe detesta quando vocês fazem isso.

Dando mais um salto no tempo, viu todos os moradores no funeral o olhando como se ele tivesse assassinado o irmão, viu a surra que os amigos na escola lhe aplicaram na praça, enquanto o chamavam de assassino, viu seu Pai ficando cada vez mais louco, entrando em seu quarto à noite para violentá-lo. Lembrava de ter criado seu próprio no mundo na sua cabeça para fugir da violência que sofria do ódio que sua mãe parecia sentir por ele, como se ele fosse o culpado, do pai preferir ele a ela.

Em outra imagem via a mãe também cheirando o tal pó branco.

Viu a primeira vez que a mágica aconteceu, não sabia como, só sabia que de alguma forma aquilo estava ligado ao seu sofrimento; certa vez leu em algum lugar, que só usamos dez por cento do nosso cérebro, e se o sofrimento imposto pelos pais, amigos e moradores daquela maldita cidade tivessem despertado algum lado adormecido do seu cérebro?

Sentando no seu quarto ele estava com preguiça de levantar para mudar o canal da TV, o globo esporte já deve ter começado, pensou ele; num piscar de olhos a televisão saiu dos desenhos para o globo esporte, primeiramente ele achou que deveria ser defeito do televisor, pensou então que queria voltar a ver os desenhos, rapidamente imagem da TV voltou para o Tom perseguindo o Jerry.

Com o tempo ele foi controlando outras coisas, passou a levitar objetos dentro de casa, fazer coisas sumirem para um lugar criado pela sua mente. Ele chamava esse lugar de terra dos sonhos, era seu esconderijo, para ele era o melhor lugar para se estar, era praticamente igual ao mundo onde ele vivia, mas ali ninguém queria seu mal, ninguém poderia sequer tentar encostar nele, ele tinha o controle completo do lugar.

Não sabia ao certo se a terra dos sonhos tratava-se de uma outra dimensão, ou era apenas um produto criado pela sua mente, com o tempo ele percebeu que além de objetos ele poderia mandar para ali, pessoas, foi para lá que ele mandou seus pais e todos os garotos que lhe perseguiam.

O que ele sabia era que o corpo permanecia no último lugar que se encontrava, ficava em um estado catatônico, apenas a mente era transportada, ninguém jamais conseguiu voltar, ele era o guardião, o dono do lugar.

Suas lembranças chegaram agora em Fernanda no casamento, nas violências que ele causou a ela, e no fatídico dia e que ela atirou nele, se viu no chão usando seus poderes para controlar o vizinho, entrou na mente dele, tentando usá-lo como instrumento de vingança, ele não poderia morrer sozinho já que a vaca tentou matá-lo ela também morreria. Juntos na alegria e na tristeza não são dessas coisas que é feito um casamento?

Agora frente a frente com seu pai ele entendia tudo, aquele não podia ser o velho João, seu pai estava morto há anos, se tratava apenas da parte sombria dele, a parte que sempre quis se vingar, causar dor aos outros, personificada pela imagem do homem que mais causou terror a ele. Mesmo entendendo tudo isso, a atração por aquela parte era enorme, ele tentava não olhar, tentava não se entregar, em vez disso voltou a pensar no irmão, no lago que nunca teve coragem de pular, na sua esposa que ele agora sentia estar viva e precisando dele.

-Veja Pedro, a moça acordou._ Disse o pai segurando o queixo da moça.

A moça estava quase ficando transparente, Pedro podia enxergar o banco através dela.

-Ela está morrendo Pedro, o que você vai fazer? Vai deixá-la se virar!!_ Gargalhava o pai.

Pedro começou a sentir fortes dores, sentiu que ele também tinha pouco tempo, precisava sair dali o mais rápido possível e procurar sua esposa.

Virou de costas para o pai e foi em direção a saída da igreja.

Seu pai gritava e gargalhava a suas costas: - Eu sabia sempre um covarde, sempre disposto a virar as costas para alguém!! - ela está morta Pedro, mais uma morte nas suas costas, ainda faltam um. Continue a ser o maricas de sempre.

Saindo da igreja Pedro ainda podia ouvir as ofensas do pai, uma forte dor no peito o fez cair logo que saiu do templo, sua cicatriz tinha voltado a sangrar. Respirou por alguns minutos e correu para a noite. “Fernanda eu estou indo”. _Pensou ele.

Capítulo IV

Levantando do matagal, Fernanda começou a ouvir um choro fraquinho que se assemelhava a de um bebê, sua barriga ainda doía, o que a fez caminhar devagar em direção ao choro.

Perto de uma árvore ela viu um palio preto com todas as quatro portas abertas, o choro vinha daquela direção, seguindo até o carro ela viu um bebê com no Máximo dois anos numa cadeirinha especial para bebes, entrou dentro do carro e retirou a criança.

Quando estava saindo do carro reparou que no banco da frente, tinha uma pistola 9 mm.

Decidiu se esticar e pegar, poderia precisar dela.

Fora do carro deu uma olhada melhor no bebê, era um menino, seu nome estava escrito na sua blusa, se chamava Bruno.

Decidiu caminhar em frente para ver aonde chegaria, com cinco minutos de caminhada começou a ouvir barulho de água, caminhou com o bebê no colo até chegar ao grande lago da cidade.

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Pedro cada vez mais se sentia fraco, sua cabeça girava poderia usar seus poderes para tentar achar sua esposa, mas tinha medo de que suas energias acabassem, seguiu em frente em direção ao grande lago, lá tudo começou lá tudo acabaria.

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Olhando o lago Fernanda pensava no marido, teria que evitar encontrá-lo não queria atirar nele novamente, ainda sentia medo daquele lugar, mas nada que se comparasse à dor da perda, ela amava Pedro, mas faria que fosse necessário para sair daquele lugar. Ela sobreviveria, não somente por ela, pois agora tinha um bebê, faria o que fosse necessário para salvá-lo, nem que para isso tivesse que matar Pedro.

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Quase no lago Pedro começou a sentir fortes dores no peito, se segurou numa árvore e gemeu de dor, olhou para sua mão direita e viu que ela estava começando a ficar transparente, ele não tinha mais do que dez minutos para sair daquele lugar.

Respirou fundo e seguiu em frente ao chegar ao lago, ele avistou Fernanda olhando fixamente para o lago, segurava um bebê e algum objeto escuro que ele não conseguia enxergar por causa da distância.

Ouviu a voz do seu pai na sua cabeça, - Ela está com o terceiro culpado por você está aqui, os outros dois já estão mortos, com a morte dele você pode pegar sua esposa e se mandar!!

- Seja homem pelo menos uma vez na vida faça o que tem que ser feito, os outros não precisaram que fizesse nada para morrerem, mas esse precisa que algo seja feito!!

Ignorando a voz do pai Pedro caminhou em direção a esposa.

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Pedro notou o pai vindo pelo lado oposto ao dele, estava quase se aproximando de Fernanda, tinha um facão nas mãos, estava mais próximo de Fernanda do que Pedro.

Pedro se concentrou para se materializar entre a esposa e o pai.

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De rabo de olho Fernanda notou seu marido aparecendo do espaço vazio pulando em sua direção, no susto, jogou-se para trás e disparou quatro tiros com a pistola, teve a certeza que os quatro disparos acertaram o marido. Ainda no chão olhou para o bebê que tinha soltado dos seus braços durante a queda. O avistou próximo da borda do lago.

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No momento que se teletransportou em direção à esposa Pedro sabia que poderia ser o fim para ele, sabia que suas energias estavam esgotadas, só não imaginava morrer pelas mãos da própria esposa, ele deveria saber que ela estaria com medo dele, afinal ele a tinha a deixado para morrer.

Agora no chão com dificuldades para respirar, com quatro buracos no peito, sentia o sangue escapar pela sua boca a cada tossida, não queria acabar assim, escreveu um diário mentalmente e mandou para algum ponto que sabia que a esposa olharia se escapasse com vida, ele não terminaria sua vida, assim como vilão.

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Fernanda tentou se levantar para pegar o bebê quando uma perna a acertou com força na barriga.

De bruços e sem ar no chão ela tentou levantar a cabeça para ver o que tinha acontecido.

Viu um homem transparente que lembrava a ela uma projeção holográfica parecido com seu marido caminhando em direção ao bebê, ele segurava um facão.

O homem se agachou e enfiou o facão no peito do bebê, gargalhava alto, enquanto girava várias vezes o facão no bebê, se deliciando com o grito do pobre Bruno.

Fernanda levantou e correu em direção ao homem que agora arremessara o bebê no lago.

-Seu filho da puta maldito!!_ Gritou ela.

O homem apontou seu dedo para ela que ficou paralisada, não conseguia mexer nenhum músculo do seu corpo.

Sua cabeça ficou na direção do bebê nas águas do lago, onde estava o pequeno Bruno assumiram uma cor vermelho vivo, o bebê se afogava aos poucos, ela tentava fechar os olhos para não ver a cena, mas o homem a obrigava a ficar com os olhos abertos.

-Veja sua vadia, veja isso._ Urrava ele de prazer.

*****

Pedro ouvia tudo, mas não tinha forças para se levantar, buscou forças no seu íntimo, buscou todos os bons momentos que teve com a esposa e conseguiu reunir forças para rastejar até as margens do lago.

Cada movimento que fazia parecia que alguém estava enfiando mil agulhas em seu corpo, sua cabeça estava prestes a explodir, vomitou em suas próprias mãos, respirou fundo e seguiu mais uma vez em frente.

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Notando que o filho rastejava em direção ao lago o prazer de João aumentou.

-Vai deixá-lo se virar também?_ Gritou o pai para Pedro.

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Fernanda não acreditava que Pedro ainda estivesse vivo, e o que ele estava tentando fazer? Ele estava tão transparente quanto o homem louco, o que estava acontecendo a eles?

Pedro virou a cabeça para a esposa e ela pode ler nos seus lábios:

- Te amo!!_ disse.

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Pedro agora estava nas margens do lago, um filme passou na sua cabeça; no filme coisas ruins e boas se misturaram, ele sabia que tinha que pular, mas não conseguia reunir a coragem necessária, podia ouvir a voz do seu irmão: É sua redenção, te espero no paraíso brother! A voz dos amigos da escola: Assassino de irmãos!

A voz do pai: Vai deixá-lo se virar também!

Fechou os olhos e se jogou nas águas do lago.

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-Idiota!_ Gritou seu pai e pulou nas águas do lago.

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Pedro estava quase segurando o bebe quando seu pai o agarrou por trás.

-Não vou deixar você estragar tudo._ Disse o pai enquanto tentava levar Pedro de volta a superfície.

-Você não entende, você não é meu pai é apenas meu lado mais repugnante, não preciso de você, eu sei muito bem quem eu quero ser, não vou deixar nada me moldar.

Eu vou ser sempre eu, mesmo que o mundo insista para que eu seja um monstro.

Essa é a noite que eu me liberto de você._ Pedro segurou as mãos que lhe prendiam e se concentrou; os dois começaram a piscar, seu pai começou a desaparecer à medida que Pedro ia ganhando mais força, ele estava se enchendo de vida, sabia que não seria o suficiente, mas daria tempo para fazer o que tinha que ser feito.

-Você não é nada sem mim, gritou seu pai antes de desaparecer por toda eternidade.

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Fernanda estava livre e, correu em direção ao lago, queria saber o que estava acontecendo, nesse momento seu marido voltou à superfície carregando o bebê sem vida nos braços, ela podia enxergá-lo bem, apenas seus braços e pernas sumiam e apareciam de vez em quando.

-Só dois podem sair daqui, nem mais nem menos._ Disse para a esposa sem se virar para ela.

Pedro colocou o bebe no chão e levou seus lábios delicadamente aos lábios do bebê.

Ele aos poucos ia sumindo; Fernanda tentou se aproximar dele, mas de novo ela se encontrava paralisada tudo em sua volta começou a girar, sons viam de todos os lugares, onde era o lago, agora existia um chafariz. O bebê chorava no chão, ela o pegou e viu que ele não tinha nenhum ferimento sequer.

Seu marido havia desaparecido nada restará, dele, olhando em volta ela percebeu que estava de volta a praça.

Andando pela praça Fernanda estava perto dos bancos pichados, olhando mais para o lado ela avistou a parte onde se encontrava o chão escrito, lembrou que ela e Pedro tiveram uma discussão porque ele queria ler e ela não o deixou, pois achava que era alguma brincadeira de criança. Resolveu se aproximar para ler o que estava escrito, quando se aproximou sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo, numa pedra solta estava escrito: Para Nanda o amor da minha vida!!

Tremendo ela se ajoelhou e retirou a pedra solta, embaixo havia um diário.

Descobriu que se tratava do diário do seu marido, na primeira página ele dizia que ela sairia dali assim que entendesse a vida dele, ela resolveu botar Bruno para dormir primeiro para depois ler o diário.

Cinco minutos depois o jovem Bruno dormia, ela o colocou em um dos bancos e sentou do seu lado, abriu o diário e começou a ler.

Descobriu que ele contava detalhadamente toda a sua vida, desde a infância até chegar ali, teve que parar algumas vezes para limpar as lágrimas que caiam pelo seu rosto.

Ele terminava dizendo que sempre a amou pedindo desculpa por tudo de mal que fez a ela, que queria ser lembrado apenas pelas coisas boas.

Quando acabou a leitura Fernanda sentiu um sono muito forte tomar conta dela, deitou do lado do bebê e dormiu.

Capítulo V

Acordou dentro do citroën, a primeira coisa que notou, foi que havia um corpo meio dentro meio fora do seu carro, era o corpo que eles tinham visto na cidade sobre o citroën. Agora ela entendia a cena, o corpo do homem tinha se chocado contra o corpo de Pedro que estava desacordado ao seu lado.

Levando a mão aos pontos vitais do marido, descobriu o que temia seu marido estava morto; sua face estava totalmente destruída.

Segurando o diário ela percebeu que o bebe não estava ali, saiu do carro e notou que eles tinham batido de frente com um palio preto.

Aquele corpo com certeza era o do carona que por motivos óbvios a fez pensar que não usava o cinto de segurança, aproximando do palio, ela viu que quem dirigia o carro era uma mulher.

Fernanda deduziu que devia ser a mulher que Pedro viu amarrada na igreja. Andando mais um pouco ela viu o pequeno Bruno sentando na sua cadeirinha no banco traseiro, ele estava rindo e esticou as mãozinhas quando ela apareceu na janela, abriu a porta traseira e o puxou para fora, voltou mais uma vez ao banco do motorista do palio apenas para se certificar que a mãe do garoto estava morta e seguiu andando em frente.

Enquanto andava ela pensava no que aconteceu durante a noite, o nevoeiro atrapalhou a visão dos dois carros, eles estavam indo devagar, mas pela forma como o pai do garoto foi arremessado pela janela, ela deduziu que eles estavam numa velocidade alta, talvez acreditassem que ninguém mais utilizaria aquela estrada.

Com os ferimentos causados pela batida Pedro ativou inconscientemente aquela parte do cérebro dele, que estava adormecido.

No choque ele acabou levando todos os envolvidos para o seu mundo particular, o mundo dos sonhos como ele gostava de chamar.

Caminhou por uns 15 minutos e achou a estrada, percebeu que o marido realmente tinha razão, aquilo ali, realmente era a porra de um atalho.

****

Pegou carona com um caminhoneiro até o Espírito Santo, na confusão toda só lembrou-se de avisar a polícia do acidente quando chegou ao hospital.

Sua mãe estava inconsciente. Os médicos diziam que o quadro dela era irreversível, ela pediu um minuto a sós com mãe, despejou tudo que sentia falou sobre a saudade que sentia dos agradecimentos por a ter criado bem.

Enquanto ela falava Bruno agarrava a Mão de sua mãe e ficava puxando, Fernanda tirava, mas quando ela olhava lá estava ele de novo.

No dia seguinte ligaram para o hotel onde ela estava hospedada, para avisar que a mãe havia recobrado a consciência. Uma semana depois ela já estava de volta em casa, ninguém conseguia explicar o que tinha acontecido, para Fernanda não importava, o que ela queria tinha acontecido sua mãe estava viva.

Conseguiu a guarda temporária do menino, já que ele não possuía parentes próximos e posteriormente a guarda definitiva.

O que Fernanda não sabia é que a recuperação da sua mãe foi o primeiro de muitos milagres que Bruno faria enquanto estivesse vivo.

Mas essa é outra historia....