Rio Belo*
Nunca esquecerei o dia quando, pela primeira vez, visitei aquela cidade. Tudo nela me parecia aconchegante. Os habitantes eram por
demais hospitaleiros.
Sentia-se ali um ar de felicidade. Os moradores pareciam querer-se muito bem. Nada tirava a tranqüilidade daquela pacata cidade conhecida como Rio Belo, graças ao majestoso rio que a atravessava.
Os namorados também eram entusiastas do rio. Todos os dias viam-se casais serem formados a partir de um encontro às margens do Rio Belo.
Logo cedo podia-se ouvir o cantar das lavadeiras lavando trouxas e trouxas de roupas; elas nem sentiam o tempo passar; parecia um
ritual, que todo dia devia ser realizado.
Já estava me acostumando àquela vida tranqüila, sem muitas novidades. Mas para que novidade? Aquela rotina me parecia maravilhosa. Estava ali há seis dias para gozar minhas merecidas férias.
Fui ao Rio Belo para mais um delicioso banho da tarde. Mas o lugar não me parecia como de costume. Podia-se ouvir de longe o burburinho das pessoas. Quando cheguei mais perto, pude ver o que realmente acontecera. O povo estava alarmado. Um grupo de pescadores saiu para pescar às proximidades da nascente do rio, à noite, e, pela manhã, foi encontrada a embarcação toda quebrada e pedaços de corpos estraçalhados, como que por uma criatura faminta.
Ninguém conseguia entender ao certo o que acontecera. Foram várias as especulações surgidas: chupa-chupa ... A polícia foi chamada para investigar o caso. Até eles ficaram abismados com o que presenciaram. Jamais tinham visto tamanho horror!
O sepultamento do que restou dos corpos foi providenciado e a população, em polvorosa, acompanhou os féretros até o pequeno cemitério. Não se falava noutra coisa por ali.
Os policiais iniciaram as investigações. Foram até o local onde deveria acontecer a pescaria, mas não conseguiram muita coisa.
Uma semana se passara desse acontecimento. Os moradores começavam a esquecer-se do fato quando, num sábado pela manhã, novo alvoroço à beira do Rio Belo. Mais um grupo de pescadores apareceu nas mesmas condições dos primeiros. Dessa vez a população entrou em pânico.
O prefeito solicitou a intervenção da Polícia Federal para o caso. Foram feitas diligências até o leito do rio, mas nada foi esclarecido.
Uma das moradoras, dona Clotilde, proprietária do único hotelzinho da
cidade, procurou a polícia para dar-lhe algumas informações:
— Há cerca de seis meses apareceu por aqui um senhor aparentando cinqüenta anos e de hábitos muito estranhos. Não fez amizade com ninguém da cidade. Todos os dias ele seguia para os lados do leito do rio, bem cedo, levando alguns peixes em um pequeno aquário, que dizia servirem de isca, e só voltava ao final da tarde, mas nunca trazia nada da pescaria. Tão logo ocorreu o primeiro acidente com os pescadores, esse homem saiu da cidade e não mais apareceu.
Os policiais não deram crédito ao relato da moradora, mesmo porque, depois da saída do tal homem misterioso, o acidente voltou a acontecer. Mais uma vez a população foi assaltada de pavor, agora não mais um barco pequeno fora vitimado, mas um de grande porte, e desta vez com um sobrevivente, que foi levado às pressas, entre a vida e a morte, para o hospital da cidade vizinha.
Num dos momentos de delírio, o homem, que veio a falecer três dias depois de dar entrada no hospital, dava gritos de terror: — Não deixem
que ele me pegue!
Esse fato chamou a atenção dos policiais. Mas eles não sabiam como isso poderia ajudá-los nas investigações.
Os moradores começaram a observar também o aparecimento de restos de corpos de animais de grande porte, como bois, cabritos e até os peixes passaram a desaparecer daquele rio.
Num domingo quando a população estava se divertindo à beira do Rio Belo, ouviu-se um grito desesperado. Era de um rapaz que estava sendo atacado por uma criatura gigante. Um peixe de aspecto aterrorizante partia para cima dos banhistas. O rapaz não conseguiu escapar com vida.
— Pelo menos agora, pensaram os policiais, sabemos com que estamos lidando.
Prepararam uma expedição para liquidar de vez com aquilo que estava deixando em pânico a então pacata cidade de Rio Belo. Foram usados barcos especiais, equipados com torpedos e até helicópteros para resgatar as possíveis vítimas do feroz peixe.
Quando avistaram o animal, não pouparam munição. O bicho ficou encurralado e não resistiu à operação, feita com sucesso.
Os policiais trouxeram, como troféu para a população, pedaços do monstro do Rio Belo. Essa recebeu os policiais como heróis, debaixo
de vivas e aplausos.
Passada a euforia, os policiais resolveram investigar o quarto em que se alojara o hóspede citado por D. Clotildes. Só encontraram restos de algumas fórmulas que, levadas a laboratório, foi constatado tratar-se de alguns ingredientes que acelerava o crescimento.
Na verdade o tal homem misterioso era um cientista inescrupuloso que, no afã de ganhar dinheiro com uma fórmula que descobrira, acabou criando o peixe-monstro.
Depois desses acontecimentos, finalmente a cidade voltou a apresentar aquele aspecto que tanto me encantou quando a visitei pela primeira vez.
* COSTA, Lairson. Contando Histórias. Belém: L & A Editora, 2006.