O seqüestro de Jamile

- Eu queria tanto que você me amasse.

- Nada forçado, sem amor, presta. Como posso namorar você se nada sinto?

Um janeiro quente, dia claro de sol limpo. No céu nem uma nuvem se via. Passei toda a manhã tentando encontrar alguém que se dispusesse a ajudar-me. Parei meu carro no sinal. Dois jovens sem camisas, sujos, vieram limpar o pára-brisa do automóvel. Logo me veio a idéia de convocá-los para a tarefa.

- Subam no carro.

Temerosos, depois que insisti bastante, entraram desconfiados. Levei-os para um pequeno restaurante a uns quinze quilômetros da cidade. No caminho expus meus planos. Aceitaram após ficarem convencidos de que o que pretendia era justificável.

- Somos da rua, moço, mas não somos bandidos. – disse-me o mais alto dos dois, como se estivesse vangloriando-se. A casa de praia que aluguei era grande. Mandei fazer à sua frente e quase à beira mar uma singela barraca de lona, local onde ela e eu deveríamos passar a maior parte do tempo. O vizinho mais próximo estava a cinco quilômetros. Essa paisagem bucólica e esquisita era o cenário que procurei.

Seqüestrei meu amor à noite, na sexta-feira. O plano, ao menos no início, havia dado certo. Senti um remorso terrível quando tive que encapuzá-la. Chorou, pediu-me por todos os santos que não a matasse. Ofereceu-se para conseguir qualquer resgate. Não havia me reconhecido ainda.

- Pelo amor de Deus, não me mate. Pago o resgate que vocês pedirem. Deixem-me comunicar com meus pais, por favor.

Se falasse, poderia reconhecer minha voz e a coisa complicaria. Coloquei-a na mala do carro, procurando ao máximo não machucá-la. Chegamos à casa onde funcionaria o cativeiro, já com o dia escuro. Pus o carro na garagem, acendi apenas a luz do quarto onde iríamos dormir e desatei suas mãos e pés, para só depois retirar-lhe o capuz preto que lhe cobria a cabeça.

- Sílvio, é você?

- Acalme-se. Amo-te muito. Seqüestrei você apenas para lhe provar o tamanho do meu amor.

- Que absurdo! Você extrapolou todos os seus limites.

- Desculpe-me, Jamile, mas a intenção é maravilhosa.

- Só se for para você!

Após três dias no cativeiro, o que ela pensava sobre mim era absolutamente lindo. Massageava-lhe o corpo inteiro. Cheguei a soltar-lhe as amarras do punho quando íamos dormir. Chegou a acariciar-me como se quisesse devolver-me um pouco os carinhos que lhe fazia.

Quando já havia passado dezesseis dias que estávamos juntos, resolvi dar-lhe a liberdade. Almoçamos no caminho de volta. Avisou para seu pai que estava livre e que chagaria logo em casa. Deixei-a na porta e com data e hora marcadas para nosso primeiro reencontro após o seqüestro.

Às oito horas da noite, exatamente na mesa onde marcamos, no restaurante escolhido, cheguei. Ela já estava sentada. Quando me avistou, levantou-se e abriu os braços. Achei seu gesto admirável. Aproximei-me, abracei-a com muito carinho e apanhei a cadeira para me sentar. Estávamos emocionados. Parecia que algo havia lhe tocado muito além desse simples reencontro. Arrodeei à mesa até alcançar sua cadeira. Segurei-a após afastá-la e ela sentou-se. Vi quando insistentemente ela levantou o braço por cinco ou seis vezes consecutivas.

- O que queres?

- Nada..., chamo o garçom.

- Deixe que eu o chamo.

- Não! Ele já nos viu e está vindo.

- Que bom estar com você novamente!

- Digo o mesmo!

Seu semblante mudou repentinamente. Olhar preocupado buscando pontos distantes no horizonte à sua frente. Não se apoiava bem na cadeira, tirava o prato do lugar...

- Este é Sílvio, papai!

- Olá, Sílvio, quer fazer o favor de acompanhar-nos até a frente do restaurante?

- Para quê?

- Surpresa agradabilíssima!

Acordei-me em situação idêntica àquela que tinha imposto a Jamile. Só que ela não estava só. Quatro brutamontes lhe garantiam a segurança. Eu fiquei enjaulado. Não me puseram algemas, mas um terrível cadeado na porta única do gradeado.

- Quis fazer isso para convencê-lo, definitivamente, de que não o amo! Pago-lhe com idêntica moeda. Vejo que não poderá ousar a fazer um novo seqüestro. Não respondo pela ira de papai.

- Quanto tempo ficarei enjaulado?

- Quanto tempo você acha que lhe será necessário?

- Você vai ficar me acompanhando neste cativeiro?

- Claro que vou!

- Então deixe-me morrer de amor, preso e cativo ao que há no seu coração que nunca consegui conquistar. Mil anos ainda será pouco. Tome o meu relógio, peça que o sol se afaste de nós e que somente a lua nos seja audiente e parcial. Sem lhe tocar, terei a chance de mostrar-lhe a verdadeira cor desse amor que teço há anos de dor e saudade.

- Você é um louco!

- Louco de amor por você.

- Nem sei se devo acreditar.

- Entregue-se ao tempo: ele lhe dirá de minha verdade. Meu amor por você é bem maior que qualquer um de nós em separado.