Interminável segundo de escuridão

“A dor sumiu novamente! Às vezes isso acontece; preciso usar esse espaço de tempo para pensar, foi só isso que me restou; assim mantenho o que sobrou de minha sanidade. O pensamento é a última coisa que ainda me faz lembrar que sou uma pessoa e que algum dia já possuí uma vida. Não sei explicar o que está ocorrendo comigo. Essa dor pode ter parado ontem, como pode ter sido há um mês, não sei ao certo; desde que este tormento começou, minha vida consiste em lapsos de tempo onde sinto dores, muitas dores, e, outros lapsos onde não sinto nada! Os ciclos parecem se revezar, mas já estou assim faz tanto tempo que perdi a noção real dos dias, meses ou anos.”

“Faço um relato mental da minha vida, se bem que não me lembro muito, algumas memórias simplesmente parecem ter desaparecido da minha mente, deixando no lugar uma espécie de vazio; sei que estão faltando retalhos de lembranças, mas não sei nada sobre elas. Ou seja, tento me lembrar do dia do meu casamento, sei que casei, mas não me lembro de nada que ocorreu naquele dia; lembro da face da minha esposa e filhos, mas não lembro dos seus nomes. Meu Deus! Que agonia. Não sei por que motivo fiquei assim, não estive doente nem nada! Não me lembro do meu último dia antes de acordar neste estado incomodo que parece ser perpétuo.”

“Só o que sei é que certo dia abri meus olhos e aqui estava, o medo tomou minha mente quando percebi que estava cego, não enxergava absolutamente nada, tudo ao meu redor desde então se resume a uma escuridão que não tem fim, fiquei de pé, parece que eu estava deitado no chão, embora eu não possa dizer de que é feito este chão, se de areia, concreto ou barro etc... Tentei ouvir ao meu redor, saber onde exatamente eu estava; não consegui! Desde então nunca mais escutei uma só palavra sequer, nem o mais ínfimo dos ruído se faz presente aqui. Estou no escuro e no mais brutal e ensurdecedor silêncio que jamais ouvi.”

“Por vezes acho que cai num vácuo, talvez eu tenha sofrido algum acidente e esteja num estado de coma, porém essa teoria tem um furo; não ouso as vozes de meus familiares, como certas pessoas que estiveram no coma dizem ter ouvido, e, acreditem quando digo que já andei em meio a essa escuridão infernal, andei por muito tempo e para todas as direções possíveis, nunca vi a tal luz branca no final do túnel. Na verdade não pareço estar dentro de túnel algum; como eu disse, já andei durante quilômetros e quilômetros; ainda costumo andar quando as dores não me atrapalham. A sensação que tenho é a de que estou sozinho numa terra sem luz e sem som algum; pelo que sei, se isso for um estado mental no qual entrei, não vejo a hora de sair dele.”

“Acho que não existe nada pior do que estar só, não ouvir vozes de pessoas, ruídos de automóveis, e coisas do tipo, eu daria tudo que tenho para voltar a ouvir nem que fosse o fino silvo do vento, ou para ver o mais tênue dos filetes de luz; ah! Como sinto falta de ver a luz. Daria tudo que possuo, não há tormento maior do que isso. O mundo parece que se esqueceu de mim.”

“Durante muito tempo fiquei parado, pensando e torcendo para acordar desse pesadelo, novamente posso ter passado dias inteiros neste exercício, pois como já disse e repito, não tenho mais a idéia de tempo, perdi isso provavelmente pouco antes de minhas recordações começarem a se desfazer e sumir definitivamente da minha cabeça. Muitas vezes lembro de que costumava falar, embora não me recorde com quem; que ‘os homens são escravos do tempo’ e agora me vejo numa situação onde o senhor da vida não existe, simplesmente me abandonou, o tempo foi raptado ou destruído; estou só, essa é a verdade, não sei como, nem onde, nem o porquê. Penso que nunca mais vou sair desse estado e isso me amedronta muito; já chorei, já gritei, já rugi; mas agora só faço isso quando as dores se tornam insuportáveis; em todos os outros momentos eu me contento em apenas perguntar para a escuridão se há alguém me ouvindo. Nunca obtive resposta, talvez jamais obtenha, mas não me resta mais nada a não ser continuar fazendo isso e conversando comigo mesmo enquanto contemplo minha vida sumindo gradativamente da minha mente, como uma velha foto que vai se apagando com os anos que passam.”

“Há mais uma coisa intrigante; enquanto caminho, e creio que já andei o suficiente para dar a volta ao mundo, um pensamento por vezes me assombra, sei que o li em algum lugar, porém, não sei onde; uma frase que aqui parece fazer um mórbido sentido; penso: ‘Os mortos não sabem coisa nenhuma’. Esse pensamento reaparece toda vez que tento lembrar de fatos da minha vida, que parecem me ter sido tirados de repente; sinto-me como se estivesse sendo privado de mim mesmo nesse interminável segundo de escuridão. Deus! Isso é terrível, mais terrível até do que sentir dores durante incontáveis momentos de tempo; esse pensamento está minando minhas forças. E eu permaneço com as mesmas dúvidas.”

“Ora, sei que não estou morto, porque se fosse esse o caso, obviamente haveria muitas outras pessoas aqui comigo, além do mais; não vi nenhum daqueles lugares que as pessoas que dizem que já estiveram mortas descreveram, vales verdejantes, montanhas, ou lagos de fogo ou de almas, tampouco vi o tal barqueiro ou anjos. Não ouvi o grito dos condenados, nada disso. Absolutamente nada. Desde que abri meus olhos nesta escuridão, só o que vi foram sombras e nada mais”

“Sabe, aqueles momentos em que falta luz e você se vê sem referência alguma; quem já esteve num quarto escuro por muito tempo ou já se embrenhou na mata fechada durante a noite como eu sabe do que estou falando, pois bem é mais ou menos assim que me sinto, nas trevas tudo o que faz você saber que ainda está lá é o seu pensamento, por que todo o resto parece não fazer sentido; já estou assim faz tanto tempo, e pelo que me consta pode fazer anos, talvez décadas, não tenho idéia, que já não sei mais se estou descalço ou calçado, se com roupas ou sem; meu corpo parece não ter mais sensibilidade alguma e a única coisa que me faz perceber que eu ainda estou aqui são meus pensamentos. Ainda espero recuperar minha antiga vida.”

Luiz Cézar da Silva
Enviado por Luiz Cézar da Silva em 24/08/2008
Reeditado em 24/08/2008
Código do texto: T1143808
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