Jogando Com o Diabo

“Então você quer ser rico, você quer ganhar fama

Seu rosto em um pôster imortalizando seu nome

Então você quer a vida boa na etapa mais alta

Depois aposte sua alma e gire a roleta...

Está JOGANDO COM O DIABO!”

Prólogo

Naquele pequeno parque, naquela pequena cidade, Rosários, um homem baixinho e gordo, de pele vermelha como índio, com um chapéu preto de mágico na cabeça, gritava constantemente:

“VIDA BOA! DINHEIRO! FAMA! FAÇA DE SUA VIDA UM MAR DE ROSAS!”

As pessoas não acreditavam no que ouviam, e se aproximavam. Viam perto do homem uma roleta. Grande e redonda, como uma enorme pizza, e dividida em vários pedaços, que em cada um havia uma palavra, ou duas, com um ponteiro que apontava sempre para cima:

DINHEIRO

FAMA

GIRE NOVAMENTE

DINHEIRO

FAMA

GIRE NOVAMENTE

DINHEIRO

FAMA

PERDE TUDO

Ninguém entendia o que poderia acontecer caso girassem a roleta. E é claro, ninguém arriscava. Preferiam ficar olhando, de longe, para ver se alguém se aproximava.

Repentinamente um jovem se aproximou do homem e disse:

- Quero girar a roleta.

- À vontade meu caro. – respondeu o homem, calmamente.

E girou a roleta...

I

- Acorda rapaz! – gritava o Sr. Francisco, dando tapas na cabeça do filho. – Já são 5h10 seu merda, vai se atrasar!

Andi tinha uma vida difícil. Acordar todo dia às 5h da manhã para ir trabalhar não era fácil. Vinha de uma família humilde do interior, e tinha que ajudar a juntar dinheiro para comprar a comida do mês e pagar as despesas. Perdera sua mãe aos nove anos de idade, e isso foi um baque muito forte naquela família. Morava com seu pai - Sr. Francisco – e seus dois irmãos – Daniel e Bruno. Desde a morte da mãe os três garotos passaram a ajudar o pai nos dias de feira.

- Vinte anos nas costas e fica aí enrolando pra levantar dessa cama! As coisas não vêm fácil não. É preciso batalhar, ralar, pra conseguir o prato de cada dia. – falava o Sr. Francisco, como fazia todos os dias de manhã, dando sempre o mesmo sermão. – Daniel, Bruno, anda logo! Vai, vai! – e batia na parede, para fazer barulho.

Os três levantaram. E começava mais um dia de muito trabalho. A marcha matutina acabara de começar. Era dia de feira. O sol ainda nem tinha dado as caras no horizonte, e os três já estavam andando pela estradinha de terra, que levava ao centro da cidade de Rosários.

Após a morte da mãe, Dona Ana, parece que o mundo havia ficado preto e branco para Andi. Nada mais tinha graça. Mas ele era do tipo que acreditava em tudo, tudo mesmo! Agora ele queria revolucionar. Mostrar para sua mãe e pro seu pai, do que é capaz. Ganhar dinheiro. Fama. Pintar o mundo. Ver as cores mágicas brilharem. Terra, Ar, Fogo e Água unirem-se em uma coisa só. Iluminar o Universo.

"Em uma casa, sobre as colinas, um menino está deitado, dormindo. O céu está escuro em uma típica noite de inverno. Concomitantemente as areias do tempo vão caindo, e o mundo vai se preparando para morrer.

E quando o último grão de areia cair, o menino dará ao seu sonho uma pequena pausa, e acordará. E enquanto os velhos devem morrer, os novos vão crescer, e o menino vai brilhar e vai iluminar o universo, a luz nos deixará tão cegos que ao menos conseguiremos ver o céu. Iluminar o universo, não é uma mentira, nós não podemos voar."

O sol começava a aparecer, e a barraca já estava quase pronta. Só faltava colocar algumas frutas e pronto. A rua inteira estava preenchida de barracas de feira. Frutas, peixes, doces e tudo mais. Os comerciantes começaram a gritar, para atrair as pessoas e começar a vender. Logo a clientela começaria a aparecer. Andi mal poderia imaginar que aqueles momentos que viria a passar com a família naquela feira, naquele dia, por ventura poderiam ser os últimos momentos de sua vida.

II

- Pai, posso sair pra dar uma volta? – pediu Andi ao Sr. Francisco.

- Claro meu filho. Você trabalhou duro hoje. Só não chegue muito tarde em casa, pois amanhã tem feira de novo.

- Ok. Só vou até o parque. Sentar um pouco lá; pegar um ar fresco.

E saiu andando sem a menor pressa do mundo. Durante todo o caminho Andi pensou em sua mãe. Sua mãe morrera naquele parque. Era uma mulher boa. Do bem. Esforçava-se ao máximo para dar tudo o que – podia – seus filhos queriam. Ia todos os dias com o Sr. Francisco para fazer feira. Andi odiava lembrar de como fora sua trágica e dolorosa morte...

"- Vem filho! – gritava a mãe alegremente. – Vem me pegar! – e seu vestido branco e comprido balançava de um lado para o outro.

- Tome cuidado mamãe, pois eu sou muito veloz! – falava Andi, e saia correndo atrás da linda mulher de cabelos negros e compridos, por entre os bancos e árvores do parque.

- Não vá se machucar! – falava o Sr. Francisco.

Daniel e Bruno ainda eram novinhos demais. Cinco e quatro anos, cada um, respectivamente. Enquanto a Sra. Ana e Andi brincavam de pegar, Sr. Francisco olhava os outros dois garotos.

Andi continuava correndo atrás da mãe. Percebeu que um homem todo de preto surgira. Não sabia de onde ele apareceu, mas ele estava lá. Andando.

A mãe correu para próximo do homem, mas só percebeu isso ao esbarrar em seu braço.

Ela caiu.

Andi correu até ela.

- Mãe, você está bem?

PAI!!!

PAAAAIIII!

VEM AJUDAR A MAMÃE!

O Sr. Francisco saiu em disparada em direção da mulher, que estava estatelada no chão, de barriga para baixo.

- Querida, você está bem?

- Eu...eu... – e fechou os olhos.

- Amor, me responde! Você está bem?

O homem de preto já estava muito longe.

Ao virar o corpo da mulher, o Sr. Francisco viu que havia uma faca fincada em seu pulmão esquerdo, e seu vestido estava coberto de sangue."

Andi não conseguia apagar aquela imagem da cabeça.

Sua mãe. A faca fincada no pulmão. Imóvel. Sem respirar. Sangue.

III

Andi se espantou ao ver a multidão que havia no parque. O mais impressionante é que, no meio da multidão, só havia uma pessoa falando. As outras estavam no mais absoluto silêncio:

“ENTÃO VOCÊ QUER SER RICO, VOCÊ QUER GANHAR FAMA. SEU ROSTO EM UM POSTER, IMORTALIZANDO SEU NOME. ENTÃO VOCÊ QUER A VIDA BOA, NA ETAPA MAIS ALTA. DEPOIS APOSTE SUA ALMA E GIRE A ROLETA...”

E GANHE O SEU PRÊMIO – disse uma voz grave, rouca e demoníaca na mente de Andi.

E GANHE O SEU PRÊMIO...

(DINHEIRO, MUITO DINHEIRO!)

E GANHE O SEU PRÊMIO...

(FAMA!)

E GANHE O SEU PRÊMIO...

(VIDA BOA! MORDOMIA!)

E GANHE...

Andi se aproximou o máximo possível por entre a multidão. Não estava acreditando. Era tudo o que precisava. Dinheiro. Fama. Chegara sua hora. Era hora de mudar sua vida de uma vez por todas.

Um homem baixinho e gordo, de pele vermelha como índio, com um chapéu preto de mágico na cabeça, era a pessoa que gritava constantemente:

“VIDA BOA! DINHEIRO! FAMA! FAÇA DE SUA VIDA UM MAR DE ROSAS!”

As pessoas não acreditavam no que ouviam, e se aproximavam. Viam perto do homem uma roleta. Grande e redonda, como uma enorme pizza, e dividida em vários pedaços, que em cada um havia uma palavra, ou duas, com um ponteiro que apontava sempre para cima:

DINHEIRO

FAMA

GIRE NOVAMENTE

DINHEIRO

FAMA

GIRE NOVAMENTE

DINHEIRO

FAMA

PERDE TUDO

- Quero girar a roleta. – falou Andi, sem ao menos precisar pensar duas vezes.

- À vontade meu caro. – respondeu o homem, calmamente. – Sei que as chances são mínimas, mas tome muito cuidado para não tirar o PERDE TUDO.

Andi não hesitou.

- Pode deixar. Vai cair em DINHEIRO.

E girou a roleta...

TTRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR...

Após girar a roleta algo mágico aconteceu. Tudo ficou escuro. As pessoas que estavam ao redor do homem sumiram. Nuvens roxas surgiram ao céu. Raios começaram a cair. Ouvia-se barulho de trovões.

Agora só havia o homem, Andi, e a roleta. Girando. Girando. Que por um momento pareceu ao rapaz que ela nunca iria parar. Luzes se ascenderam no diâmetro da roleta de madeira. Luzes vermelhas. E as palavras ficaram amarelas, vivas.

O rosto do homem ficou com um tom de vermelho mais vivo, mais intenso.

- Espero que seja um homem se sorte, Sr. Andi – falou o homem.

Agora Andi já sabia de quem era aquela voz que soou em sua cabeça. Era a voz daquele homem. Grave, rouca, e demoníaca. Só não imaginava como aquele homem sabia seu nome.

Enquanto a roleta girava, Andi viu, atrás do homem de chapéu de mágico, pessoas marchando em fila única. Seria ilusão? Não eram pessoas comuns. Eram todos homens, que vestiam um capuz vermelho que cobria a cabeça e os ombros e ia até os pés. E eles não tinham rosto. Tudo o que se podia ver no lugar onde seria o rosto dos homens, era um céu escuro e estrelado.

A marcha era liderada por dois homens, que carregavam uma cruz grande de madeira, com alguém “pregado” nela.

MATE-O! MATE-O! MATE-O! – gritavam os homens encapuzados.

MATE-O! MATE-O! – continuavam.

Tudo era muito escuro, muito... demoníaco.

E os homens de capuz vermelho tinham um grande pedaço de madeira, grosso e comprido, e seguravam na mão direita. E batiam no chão como se fosse bengala, porém, a cada batida parecia que o mundo de deslocava.

Tac...tac...tac...

Tac...tac...

Tac...

Tac...

Tac...

E a roleta parou.

Tudo voltou ao normal. A marcha humana sumiu. As pessoas ao seu redor voltaram, o dia voltou a clarear.

Aplausos.

- Meus parabéns Sr. Andi! A partir de amanhã sua vida será repleta de dinheiro.

Andi não sabia o que dizer, o que fazer. Parecia indiferente quanto ao resultado. Virou-se e foi embora. Quando se voltou pra agradecer, não havia mais ninguém atrás dele. Nenhum homem, nenhuma multidão, nenhuma marcha... Nenhuma roleta.

IV

Andi chegou a sua casa um pouco antes das 18h, e durante o percurso, jurou a si mesmo que não contaria a ninguém, jamais, o que viveu naquele parque. Não acreditou em nenhuma palavra do homem gordo, porém os acontecimentos o deixaram intrigado. Quem era aquele homem? Será que amanhã ele ficará rico? E as pessoas, o que faziam lá? Quem estava na cruz? Por que aquela pessoa deveria morrer? Que mistérios escondem aquela roleta?

Apesar de na frente do homem ter se mostrado indiferente, Andi estava muito empolgado. Não via a hora de acordar no outro dia e gastar sua grana, isto é, se aquela história toda fosse verdade.

Entrou em seu quarto e Daniel e Bruno estavam lá. O rádio estava ligado, porém os dois já estavam dormindo. Teriam um longo dia amanhã pela manhã.

Andi se trocou rapidamente, e foi se deitar também.

Assim que deitou em sua cama, o Sr. Francisco abriu a porta:

- Andi, se você não quiser fazer feira amanhã, não tem problema. Já que dei um dia de folga pro Dani e pro Bruno na semana passada, amanhã você pode ficar em casa.

- Ah! Obrigado pai! – Andi tentou esconder sua felicidade.

Foi a gota d’água. Agora tudo estava perfeito. Nada podia dar errado. Agora era só esperar.

V

Andi ouviu em seu sonho uma voz grave e demoníaca clamar por seu nome. Abriu os olhos: nada. Não vira Dani nem Bruno no quarto.

Ainda estava escuro, não iriam para a feira tão cedo. Olhou para seu criado-mudo. Havia um pedaço de papel sobre ele. O rapaz levantou rapidamente, e pegou o papel:

ENCONTRE-ME NO PARQUE ASSIM QUE ACORDAR, SR. ANDI.

Era o homem gordo. Só ele o chamava de “Sr. Andi”.

Não podia perder tempo. Tinha que ir até o parque. Trocou de roupa rapidamente e saiu de casa, correndo.

O sol ainda não tinha nem dado às caras ao horizonte. As luzes dos postes permaneciam acesas, iluminando as ruas a pequenos diâmetros. Assim que chegou ao portão do parque, Andi se assustou: ESTAVA FECHADO! Isso era algo impossível de acontecer. O portão sempre ficou aberto, até mesmo à noite. Só restara uma entrada ao rapaz. Pular o muro. E foi o que fez.

Após entrar, andou alguns metros, e viu um homem gordo e pequeno, de costas, com uma mala na mão.

É O MEU DINHEIRO!

Quando chegou mais perto, o homem se virou.

- Olá Sr. Andi!

Andi permaneceu calado.

- Bom... Vim lhe trazer seu prêmio. – esticou o braço com a mala em direção ao rapaz.

Andi pegou a mala. Estava pesada.

- Agora quero que preste atenção rapaz! – continuou o homem. – Nunca mais torne a vir atrás de mim! Siga sua vida daqui pra frente. Esse dinheiro que está na mala é suficientemente o bastante para você viver bem o resto da vida. Portanto, não perca seu tempo em vir atrás de mim novamente, pois você pode se dar mal.

E o homem virou-se de costas e foi embora. Andi ficou olhando-o caminhar, em direção do portão, que por incrível que pareça, agora estava aberto, e o dia ficara claro.

Tudo era muito estranho a Andi. Era um mundo mágico, não podia estar vivendo mesmo isso.

Ao abrir a mala, os olhos de Andi brilharam ao ver a quantidade de notas que havia ali dentro. Teria quanto? Uns trezentos mil?

Tac...tac...tac...

Tac...tac...

Tac...

Tac...

Tac...

Andi acordou. Estivera apenas sonhando. E levantou-se, aliviado, e foi para mais um dia de trabalho...

Ivan Gabetta
Enviado por Ivan Gabetta em 30/07/2008
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