PARE DE CORTAR MINHAS PERNAS 

O ano era o de 1974, um estudante de medicina de nome André Luiz, acabara de ingressar na faculdade. Em seus estudos de anatomia, o estudante ficou após as aulas, a revisar a matéria do dia. 

O cadáver que lhe servia de estudo era de uma jovem de estatura mediana, nem gorda nem magra e de feições bonitas. Ela fora atropelada numa estrada, morrendo em seguida, sem nenhum documento que a identificasse. 

Após dois meses de sua morte, e considerando que ninguém havia reclamado o corpo, a jovem foi liberada pelos órgãos competentes, para ser enterrada como indigente. Nessa mesma época a Universidade do estado precisava de cadáveres para usá-los em suas aulas de anatomia da faculdade de medicina, e requisitou entre outros corpos, o corpo da jovem atropelada. 

As pernas da jovem já se encontravam bem retalhadas pelas lâminas dos bisturis, dos quatro companheiros de mesa do André Luiz. Certo dia após as aulas de anatomia, o rapaz decidiu em continuar estudando sobre o cadáver da jovem. 

Concentrava-se nas nomenclaturas, posicionamento dos músculos e tendões dos membros pélvicos, até que então, ouviu um som estranho que mais parecia passos, vindo em sua direção. Os ruídos silenciaram-se e o estudante voltou a concentrar-se em seus estudos. Uma voz súbita correu por seus ouvidos: 

“Pare, pare”… 
“Pare de cortar minhas pernas e me tire daqui agora”! 

Nada foi tão rápido quanto às palavras, e nada foi mais rápido, quanto à saída do estudante do anatômico. No dia seguinte ainda muito assustado André comentou com os amigos o acorrido. 

Lógico que ninguém acreditou e um deles o Júlio zombou do amigo medroso. Os risos pararam somente quando Júlio, o amigo zombador, se mostrou diferente. Os olhos do rapaz estavam arregalados, de modo que, nenhum dos amigos ainda tinha visto. Júlio gaguejou entre dentes, aquilo que seus ouvidos haviam acabado de escutar: 

“Parem de rir! Não quero que cortem mais, as minhas pernas”. 

Os amigos, inclusive o André, interpretaram aquilo como uma forma de zombaria e riram todos, menos o Júlio, que permaneceu rígido, atônico e afônico. Depois de alguns segundos, que perceberam o real estado em que o amigo se encontrava. Seguraram-no pelos braços, colocaram-no sentado e ofereceram-lhe uma latinha de refrigerante. 

Passadas umas duas horas, depois das aulas de bioquímica, Júlio chamou André, para uma conversa e detalhou para ele, o que realmente ouviu. André Luiz indagou do amigo, qual era a tonalidade da voz, e quais foram exatamente as palavras que escutou. 

Após a descrição do colega de turma, André ficou mais assustado ainda, reconhecendo no relato, a voz e o pedido que havia escutado no dia anterior. Visto isto, acharam melhor procurarem o professor de anatomia para relatar o acontecido. 

O professor, que era mestre antigo na escola de medicina daquela universidade. Após ouvir toda a história dos rapazes, e certo que os mesmos estivessem sugestionados, coisa muito comum aos novatos, ordenou a um funcionário que trocasse o cadáver da mesa número cinco, onde estudavam os dois rapazes. 

Tudo voltara à normalidade, aquele tinha sido um semestre bem puxado para todos, com os alunos se preparando para o início 
das tão sonhadas férias. 

Logo um novo semestre se iniciaria e todos se esqueceriam dos fatos, imaginou o nobre professor. Na aula inaugural de anatomia II, convidaram o catedrático da disciplina para ministrar a primeira aula do semestre. Sala cheia, todos de ouvidos e olhos bem atentos em tudo que o mestre teria a lhes dizer. 

Nos primeiros 15 minutos de aula, o silêncio tomou conta da sala, entretanto, o silêncio fora interrompido com todos, ouvindo algumas batidas secas e fortes, vindas de uma sala anexa àquela onde estavam os estudantes. 

Alguns alunos curiosos juntaram-se ao mestre e foram até a tal sala, onde ficavam os tanques em que se guardavam os cadáveres formalizados. Mas, nada pôde se notar de diferente, nenhum objeto fora do lugar, nada caído pelo chão, nada que pudesse explicar a origem dos ruídos. 

Retornando para a sala de aulas, mais batidas como quem esmurrasse uma porta, foram ouvidas por todos que estavam na sala de aula. Imediatamente por um ato reflexo, se voltaram em direção ao som percebendo que os ruídos, estavam vindo do compartimento de um dos tanques, onde se guardavam os cadáveres formalizados. 
Abrindo-se a porta do tanque, agarrada à mesma, estava o cadáver da moça. André e Júlio se olharam atônicos procurando imediatamente, o professor com quem já haviam conversado. 

O mestre que também, ouviu os ruídos e presenciou o cadáver da jovem agarrado à porta do tanque, ao ver os seus dois alunos se aproximarem, tratou de terminar logo àquela conversa. 

_ Não digam nada! Amanhã de manhã mandarei retirar o corpo daquela jovem, e providenciarei o seu enterro no cemitério da cidade. 



 

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Paulo Cesar Coelho
Enviado por Paulo Cesar Coelho em 01/07/2008
Reeditado em 22/05/2017
Código do texto: T1060350
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