No Limite Da Carência

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• Ca.rên.ci:a

Substantivo feminino.

1.Falta, ausência, privação.

2.Necessidade, precisão.

(Aurélio - Edição especial. Dicionário eletrônico.)

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• Em algum lugar dos Estados Unidos – 30 de Junho de 1999.

Era a noite perfeita. Uma leve brisa refrescava toda a pequena vila de San Lousier,curiosamente com aroma marítimo. Brisas leves que faziam com que os pequenos arbustos dançassem uma valsa charmosa conforme o ritmo do vento. No céu,nenhuma nuvem cinza ou se quer branca ameaçava estragar a perfeição da paisagem naquela manhã.O cheiro de pão sendo feito nas fornalhas de um terço das casas inebriava as poucas crianças que brincavam nos jardins secos divertindo-se ao ar livre.

Do outro lado do vilarejo, em uma pequena choupana de feno muito bem construída e resistente, dois homens vestidos com túnicas azul-celestes conversavam sobre os últimos preparativos para a grande cerimônia de mais tarde. Dentro da choupana,uma mulher se encontrava presa à grilhões tanto em seus membros superiores como nos inferiores.Porém,sua fisionomia era de perfeita comodidade.Não estava presa contra sua vontade.Estava presa sob a vontade dos seres superiores. Estava ali, acorrentada, pois seu filho, seu primogênito, seria o único permanecer em seu corpo terreno, para assim, continuar a adoração aos seres das estrelas.

Um terceiro homem, este mais velho e sem estar usando a túnica, aproximou-se. Seu olhar era caído, porém sua alegria era visível. Aproximou-se dos dois homens e os abraçou eufórico. Eles também sorriram e ergueram seus olhares para o céu. Suspiraram prazerosamente e permaneceram de olhos fechados por alguns segundos.

Exatamente no centro do vilarejo, dezenas de crianças foram se aproximando e se acomodando próximas ao enorme chafariz que já estava desativado a alguns anos esperando a data do grande evento. Guiando-as, uma senhora curvada vestindo uma manta rosa bem clara, proferia algumas palavras em um idioma desconhecido aos pequenos, porém os mais velhos pareciam compreendê-lo perfeitamente. Conforme ela ia dizendo algumas palavras emboladas que lembravam muito o idioma alemão, os adultos e jovens mais crescidos se curvavam para trás e repetiam as últimas palavras que a senhora dizia. Seu nome terreno era Mary, porém, seu nome estelar era Fagüely. Ela era esposa do senhor que se aproximara momentos antes dos dois homens que conversavam próximos a choupana.

Todas as crianças, cerca de cem, sentaram-se ao redor do chafariz e abaixaram a cabeça. Fagüely começou a andar ao redor delas passando seus dedos enrugados e finos sobre a nuca de cada uma delas. Conforme fazia isso, a criança tocada caída desacordada e permanecia imóvel de olhos abertos e esbugalhados. Pareciam em transe.

Os adultos mais próximos exaltavam com sorrisos admirados, pois, as crianças que caíssem ao toque da mulher, eram puras, e sendo assim, seria aceitas na vida extraterrena que os aguardavam. Já aquelas que não tombassem ao seu toque, seriam levadas para um banho de rio e castigadas pois, provavelmente tinham faltado com respeito às leis dos seres estelares.

A vida no vilarejo era de todo modo tranqüila. Não tinham muitas regras a se seguir e os grandes líderes eram a favor da descoberta por si mesmo da natureza. Todas as crianças podiam andar pelo vilarejo livres e até irem à cidade mais próxima conhecer outras pessoas, porém, não poderiam ter contato com nenhum tipo de tecnologia modernas, tal como televisões, rádios, computadores, exceto carros e caminhonetes. Além de não poderem fornicar com outra pessoa que não fosse da seita “New Gardens of the Paradise”. Membros do vilarejo só poderiam ser casados ou manter relações sexuais com outros membros do vilarejo, assim mesmo após os dezoito anos de idade. A seita defendia a experimentação sexual, e após a explosão da AIDS na década de 80, um programa educacional convenceu os líderes, após muita insistência a adotarem o uso de preservativos, a não ser que o casal quisesse realmente ter filhos. Mas, assim mesmo, somente após os 18 anos.

No início quando a seita foi fundada em 1970, pelo físico alemão Gregory Ford, que passou a se chamar Thamanael, era restrito o acesso à cidade. Só poderiam ir à cidade os membros escolhidos pelo próprio líder, ou, ele mesmo. Restritos também eram os motivos para se ir até a cidade. Somente em caso de últimas estâncias, como ajudas monetárias da prefeitura mais próxima, ou shows de divulgação da doutrina. Com a morte do líder por câncer em 1985, (muitos afirmam que ele pudera ter tido relações com uma não membro da seita, despertando a ira dos seres estelares), ficou mais fácil ir até a cidade. Porém, ainda com a condição de não se envolver.

Gregory Ford era filho de fazendeiros do Texas e teve seu primeiro contato com óvnis aos 17 anos, dez anos antes de fundar a seita em um extenso campo de lírios abandonado por seus donos fazendeiros holandeses que voltaram para seu país. Nesse primeiro encontro,afirmou ter sido conduzido a nave dos seres, estes altos, cinzas e rosa e com olhos que lembravam faróis de caminhões que se locomoviam durante a noite pelas estradas. Contou ainda ao ter sido encontrado completamente nu e sujo, que os tais seres lhe apresentaram o verdadeiro surgimento do universo e o seu inevitável futuro assombroso caso não seguissem seus fundamentos. Logo, milhares de pessoas se juntaram ao homem e, a cada ano esse número de pessoas crescia. Multidões apareciam nas emissoras de televisão do país afirmando terem tido contato com algum tipo de forma extraterrena. Porém desmentidas no ar por especialistas que diziam Thamanael se tratar de um charlatão e que estava influenciado pelo episódio do dia 30 de outubro de 1938,quando ao vivo, Orson Welles narrou durante uma transmissão radiofônica uma invasão alienígena como se ela real fosse. Baseando-se no livro de H.G Wells, ”A Guerra Dos Mundos”, o radialista descreveu um ataque marciano durante o horário das notícias, utilizando todos os recursos do rádio para persuadir os ouvintes. Provavelmente os pais de Thamanael os contaram esse fato e ele, induzido pela imaginação que esse tipo de história desperta, resolveu contar sua versão mais amena da invasão pacifica de seres reveladores.

Querendo, ou não, após 30 anos, a seita crescera consideravelmente, e começaram a surgir rumores de que não terminariam bem.

Em 1994, após anos sem um líder, o casal Fagüely e Stuarthel, assumiram o comando da seita e trouxeram excessivas melhorias além de terem desaparecido por semanas, voltando com abundância de comida e informações sobre os seres supremos quais diziam terem tido contato nesse ínterim.

Os anos se passaram e conforme a profecia de seu fundador, o ápice do encontro com os seres estelares seria no último dia do mês divisor do ano irreversível, o dia 30 de junho de 1999. Dia em que os seres voltariam e levariam os realmente aptos a recriarem uma sociedade perfeita, similar a do planeta Terra, em outro planeta, longe do sistema solar. Acreditava-se que éramos seres criados em laboratórios alienígenas, porém, a excessiva criação de novos vírus, bactérias e doenças, podem ter tirado o nosso planeta do posto de preferidos dos tais seres. A solução seria repovoar outro planeta com seres humanos e assim, recomeçar uma nova era, um novo mundo. Era nisso que os membros da “New Gardens of the Paradise” acreditavam. Na vida após a morte terrena. E, naquela noite, todos os três mil moradores do vilarejo que contava ainda com residências subterrâneas, iriam beber o líquido dourado que os líderes vinham guardando para o grande dia, e morreriam instantaneamente por alguns segundos, acordando no citado novo planeta.

Porém, nem todos aceitavam que isso iria acontecer.

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• LOS ANGELES – 03h00min pm

Uma semana antes...

O cheiro de pipoca já invadia a praça de alimentação inteira. Uma nova loja de doces havia organizado uma enorme festa de abertura com centenas de panelas com tipos dos mais variados de pipocas.Muitos jovens aproveitavam para matar aula na escola naquela quarta-feira e darem uma passada no tal shopping.Grupos de líderes de torcidas com seus cabelos repletos de gel capilar observavam as moças que desfilavam em micro-saias e exibindo partes de seus corpos como se fossem mercadorias em vitrines.

A praça de alimentação era extensa,e em sua maioria as lojas eram de fast-foods.Algumas vendiam comidas típicas americanas,chinesas e,em um canto até brasileiras.Porém,a concentração se dava em frente a nova loja de doces.

Ali perto,na loja paralela,um jovem negro de estatura mediana fritava hambúrgueres automaticamente como se seus braços trabalhassem sozinhos.Usava uma boina estilo marinheiro e um avental azul-escuro com listras brancas horizontais.À sua frente,uma jovem loira com o rosto avermelhado devido a algumas acnes observava a movimentação.As vezes expressava um sorriso que se dividia com o olhar atento como se esperasse alguém.

O rapaz que fritava hambúrgueres reparou a ansiedade da jovem, talvez um pouco mais nova que ele.

-Tem certeza de que não vai lá pegar pipoca?-Iniciou uma conversa. -Ouvi dizer que tem pipoca de coca cola!Não bate curiosidade de como seja?

Ela sorriu e passou o dedo indicador sobre a franja de seus cabelos claros tirando-lhes de cima de seu par de olhos verdes.

-Não gosto de pipoca. Aliás,não entendo porque quando as pessoas vão ao cinema elas comem pipoca.Aquilo prende na gengiva,arranha a garganta,sem contar que parece que estamos comendo isopor.

-Olha, não fale mal de pipoca aqui nesse shopping. Ouvi dizer que é justamente na venda delas que eles têm lucro. Ou você acha que são esses hambúrgueres murchos que levantam alguma renda?-brincou o rapaz jogando rapidamente uma peça de carne para o alto e pegando-a com a espátula tentando se exibir.

Ficaram em silêncio por alguns segundos. Ele sentia vontade de falar alguma coisa mas não sabia o que.Ela permanecia olhando ao redor esperando encontrar alguma coisa,ou alguém.

-Meu nome é Max Reitman... -fez uma breve pausa para trocar a espátula de mão e assim, estender à outra para cumprimentá-la. -Desculpe a mão gordurosa.

-O meu é Diane Persival.- respondeu estendendo-lhe a mão delicada e branca sem sinal de repugnância a mão engordurada do rapaz.

Ele fritou algumas peças de carne e retirou o avental por cima da cabeça sentando-se na mesa ao lado da moça. Ficou encarando a multidão da loja dos doces como quem encara o pôr-do-sol do alto de uma montanha.

-Adoro pipocas. Por mim ficava lá comendo todos os tipos que eles tivessem para oferecer.

-Ué,e porque não vai?-perguntou Diane sem desviar o olhara para o rapaz.

-Não posso. Estou em horário de trabalho.Se meu chefe me pegar na concorrência serei demitido.Preciso deste emprego para comprar minha moto.

-Odeio motos.-disse com certo olhar de desprezo.

-Eu amo motos.Mas não entendo porra nenhuma delas....Me Deus,desculpa o palavrão.As vezes deixo minha falta de educação aflorar...

A moça soltou uma gargalhada e,novamente dedilhou a franja de seus cabelos colocando-a atrás de sua orelha.

-Não se incomode. Eu também falo palavrões. Fique à vontade.

Um rapaz se aproximou do balcão.

-Por favor,uma porção e fritas e um suco de abacaxi médio,pode ser?-pediu o rapaz que vestia uma blusa cor palha colocadas para dentro de suas calças,presas por um cinto marrom claro com uma fivela dourada.

Max sorriu de volta para ele e pulou para trás do balcão.

-Com mais cinqüenta centavos o senhor leva um suco grande...

-Eu até compraria,mas sei que não vou agüentar.

Max sorriu e bateu na caixa registradora o pedido do rapaz.

-Só isso?-confirmou o atendente pendurando a notinha fiscal em um varal sobre a copa.

-Sim,por agora só.-respondeu o rapaz sentando em um dos bancos altos do balcão há alguns metros de Diane.-O que está acontecendo ali,hein?

Diane virou a cabeça achando que ele se dirigia a ela.Ao notar que de fato falava com Max,disfarçadamente retornou a sua observação.

-Ah, é uma loja nova que está distribuindo pipocas de vários sabores. Como o povão não perdoa nada que seja grátis, está feita a confusão. -respondeu Max enquanto recolocava seu avental.

Diane retirou seu celular de dentro da bolsa de couro bege que segurava nas pontas dos dedos. A bolsa possuía um rasgo por onde dias antes ela perdera seu diário de cinco anos seguidos.Havia ficado muito triste pois no tal fichário havia relatos de tudo que acontecera de importante em sua vida neste período.Desde sua formatura até a sua primeira transa com seu namorado.Ficava imaginado que quem o tivesse achado estaria se divertindo com a transição de fases que ela descrevera no diário,afinal começara aos doze anos.Viu as horas,eram três e vinte.Levantou-se da cadeira e se espreguiçou disfarçadamente.

-Max, quais sucos vocês têm aqui?

-Ah, temos de uva, de melão, abacaxi, manga, morango, açaí. Ah,do que você quiser.

-Tem de pipoca?-perguntou a moça prendendo o sorriso.

-Poxa,tá em falta,os putos da loja ao lado acabaram com todo o milho que fazíamos esse suco.Vou ficar te devendo.

-Poxa,que pena!Então me dá um milk-shake mesmo... De... De... -disse enquanto pesquisava no letreiro os sabores que tinham a sua disposição.-...Me vê um de banana mesmo.

O vendedor piscou para ela e bateu na máquina registradora.

-Está esperando alguém?-perguntou ele sabendo que poderia receber uma resposta grosseira.

-Estou sim. -respondeu de imediato surpreendendo-o.

-Marquei com um colega meu que conheci na internet há alguns meses.Mas ele mora do outro lado da cidade,deve se atrasar.

-Internet. Nunca mais acessei meu “my space”. Faz tempo que não sei o que é isso.

-Ah, nos tempos de hoje eu não vivo sem. Minhas amigas todas estão namorando. Algumas engravidaram. Com quem eu vou sair pra conversar,dançar,paquerar,beber?

-Já sei você acha companhia na internet?

-Isso. Já conheci muita gente que só conhecia pelo computador. Viro a noite em bate papos. Já fiquei uma noite inteira sem dormir conversando com um rapaz lá do Brasil.

-Você não tem medo?Sei lá... Brasil.

-Olha, vou ser sincera com você, acho que no Brasil há pessoas mais dignas que aqui no nosso país. Lá eles vivem para se divertir.Trabalham porque precisam,podem passar dificuldades mas não perdem o bom humor.Aqui nos Estados Unidos vivemos com medo.Vira e mexe temos ataques.Me sinto mais segura conversando com um brasileiro do que com um americano,ou europeu,ou sei lá,um coreano.

-É coreanos não são confiáveis. -Brincou Max desviando o olhar para o cliente que havia pedido as fritas. -Já está quase pronto. Mas me diz,Diane,esse amigo que você marcou,é americano?Brasileiro?Paquistanês?

-Americano mesmo. Seu nome é Ron Atherton. Um ano mais velho que eu.

-Você tem quantos anos?Se e que pode e vai querer me responder.

-Tenho dezessete. Faço dezoito em setembro. Graças a Deus.

-Eu não sei se é seguro você marcar encontro pela internet, hein. Sei lá,hoje em dia o mundo está cada vez mais louco.Tarados espalhados por tudo quanto é canto.Não tem medo?

-Tenho não,Max.Acho que sou meio irresponsável nesse sentido.Talvez um dia ainda pague por minha teimosia.

O sino tocou na cozinha da loja. O pedido do rapaz estava pronto.Sobre a copa uma prato fumegante de batatas fritas brilhava contra a luz direta que incidiam contra elas.Ao lado do prato,um copo verde-água parecia suar deixando Diane com água na boca.

-Esse suco tá me deixando com água na boca. -disse ela sorrindo para o dono do suco.

-Quer um pouco?-ofereceu o rapaz se sentando no lugar onde estivera antes.

-Não, vou esperar meu amigo chegar. Assim como eu,ele detesta comer sozinho.

O rapaz sorriu com a boca cheia de batatas, porém colocou um guardanapo na frente para evitar alguma cena constrangedora.

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Sentiu algo quente escorrer por suas costas assim que tentou abrir os olhos. Sentia-se nua e não enxergava absolutamente nada pois seus olhos se encontravam tapados por alguma espécie de pano com um odor até que agradável.

Balançou seus braços e pôde constatar que estavam presos e suspensos. Seus pés se encontravam da mesma maneira e não conseguia mexê-los mais do que mexera os braços.Começou a se balançar com o desespero começando a tomar-lhe o corpo.Não podia gritar pois sua boca também se encontrava cerrada por algo também.

Ouviu uma porta se abrir. Com ela um ar úmido com cheiro de livros velhos empestou o local. Sentiu ânsia de vômito. Algo começou a arder entre suas pernas. Sua virilha começou a arder também. A ardência só perde um pouco de sua intensidade, pois se distraíra com o barulho dos passos que se aproximavam. Passos secos de sapatos com solas grossas.

Sentiu algo tocar-lhe a testa. Um hálito quente com cheiro de tabaco aproximou-se de seus lábios.

-Tão linda. Tão cheirosa. Pena que infiel. -disse a pessoa dona do hálito.

A agonia tomou conta de Diane.Onde estaria?Não se lembrava de nada até antes de acordar ali, presa.Tentou gritar com toda sua força, entretanto se houvesse alguém para escutá-la, apenas acharia que era algum barulho proveniente do encanamento.

Diane se encontrava prisioneira. E não se lembrava de como poderia ter ido parar ali?

-Não vou machucá-la. Nunca machucaria minha eterna esposa.-dizia enquanto acariciava a franja de Diane.

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Assim que fora informada que o nome de seu filho estava sendo sondado como um possível infiel, Ramanahel, uma mulher de trinta e nove anos, que fazia parte do clã das moças escolhidas como mães de filhos únicos.

Segundo um jovem muito amigo de seu filho, os líderes estariam desconfiando que Kaüel estivesse saindo do vilarejo mais do que devia e por motivos mundanos. Dizia-se ainda que o rapaz estivesse tendo contato com tecnologias todas as vezes que ia até a cidade. Receosa que seu filho fosse penalizado, correu o mais rápido que pôde até a casa central onde os líderes moravam junto de seus dois filhos homens.

Bateu na porta de madeira o mais forte que pôde e insistentemente. Ouviu alguém pedindo para que esperasse lá de dentro. Logo Stuarthel a atendeu.

-Creio que viera saber dos relatos sobre seu filho, não? -adiantou ele estendendo suas mãos finas para que a moça entrasse.

Apesar da pouca idade, Ramanahel era marcada pelo tempo. Este parecia ter-lhe castigado além da conta, pois sua aparência era de uma mulher vinte anos à frente de sua idade. Muitos diziam que “a velhinha” como a chamavam “carinhosamente”, havia sido vítima da ira dos seres estelares,pois não criara seu único filho sob os padrões da New Gardens of the Paradise. Mantinha Kaüel sob rédeas curtas, não o deixando livre conforme as outras crianças. Desde o início, quando seu marido fora embora do vilarejo deserdado por Stuarthel, ela havia se enclausurado em sua casa subterrânea com seu menino. Era sua professora, sua amiga e conselheira. Porém, conforme o menino fora crescendo, a rebeldia adolescente se fez presente além da conta. Vivia discutindo com a mãe. Vivia quebrando regras pequenas do vilarejo, como a que proibia urinar em arbustos divinos. Os constantes aborrecimentos acarretaram em Ramanahel um enfarto que por pouco não lhe tirou a vida. Nos meses que ela esteve sob cuidados necessários ao tipo de mal que havia sofrido, seu filho se comportou se enquadrando nos padrões. Porém, foi só receber alta do médico do vilarejo para que os problemas retornassem.

Kaüel não aceitava só poder se iniciar sexualmente aos 18 anos. Tampouco concordava que só poderia ter relações com as mulheres do vilarejo, estas consideradas por ele pouco femininas. Achava que deveria iniciar-se sexualmente quando se sentisse pronto, e, aos dezessete já se sentia preparado. Diversos foram os avisos dos líderes de que um ciclo inteiro de castigos e ensinamentos divinos seriam suficiente para dar-lhe um pouco de fé e juízo.Porém uma mãe nunca aceita que seu filho é o errado da história e ela permaneceu fazendo vista grossa.

Até o dia em que os líderes resolveram agir em seu lugar.

-Ora, Stuarthel, não há necessidade... -insistia ela segurando a xícara de chá com as duas mãos entregando todo seu nervosismo.

-Como assim não é necessário?-perguntou o líder que permanecia de pé circulando a poltrona onde a mulher estava sentada. -Se filho pode influenciar a rebeldia de outros jovens.E se há uma coisa que nós não queremos nesses dias são mais rebeldes.Estamos perto do grande dia,Ramanahel.Não podemos deixar que nada atrapalhe nosso encontro com os seres que nos levarão para outro planeta,outra vida.Esse comportamento questionador de seu filho pode ocasionar sérios problemas nas mentes mais fracas.

-Mas os questionamentos do Kaüel são pessoais. Ele não sai por aí tentando convencer os outros jovens.Ele nem conversa com eles.Suas insatisfações ele guarda consigo,só as revela à mim!

-Porém ele pode estar divulgando nossa doutrina lá fora, para os perdidos das cidades. -aproximou-se da mulher e colocou suas mãos sobre os seus ombros afim de reconfortá-la.-Todos nós sabemos que não somos bem vistos pelos perdidos.Eles nos vêem como lunáticos.Não entendem que a sociedade surgiu a partir de uma inteligência maior.Que os primeiros impérios vieram de forças supremas e toda tecnologia que eles utilizam tiveram suas gênesis a partir da tecnologia dos seres estelares que a “New Gardens of the Paradise” segue!Se o Kaüel falar do nosso grande dia, logo milhares de agentes do governo tentarão nos impedir de consumar nosso tão esperado encontro. Seu filho está se tornando um elo fraco.E nós já havíamos avisado a você.

A mãe abaixou sua cabeça decepcionada. O líder se afastou dela antes retirando a xícara de suas mãos trêmulas.

-O certo será feito. Irei pessoalmente conversar com Kaüel.Se ele entender minha proposta,ótimo,seguiremos todos felizes.Caso não entenda,ou ele será deserdado,ou castigado conforme nossos costumes.E creio que a senhora não irá querer ter outro homem de sua família deserdado,não é?

Ramanahel fechou os olhos outra vez e, desta vez, lágrimas rolaram de ambos.

-Não estou aqui para ser um vilão, minha querida. O fato é que toda uma fé,todo um império não pode ser jogado no lixo por conta de um jovem que acha que o mundo tem de rodar conforme sua música favorita.

Foi até a porta e com a mesma mão que apontou o interior de sua casa, apontou a saída para a mulher que tremia. Ela passou pelo líder cabisbaixa e apenas agachou-se levemente em sinal de respeito.

-Vou conversar com ele...

-Não será necessário. Agora o Kaüel é problema de toda a “New Gardens of the Paradise”.Estamos o procurando por todo vilarejo e pela cidade.Faz quase uma semana que não o vemos.

Dito isso, bateu a pesada porta de madeira se dar direito de resposta a Ramanahel.

Quem passava pela casa dos líderes naquele instante pôde jurar que o olhar da pobre mulher era de revolta e dor.

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A ardência da virilha deu lugar a uma estranha queimação perto de suas nádegas. Sentia algo roçar contra sua pele de uma maneira que provavelmente lhe causaria manchas avermelhadas pelo atrito.

No meio daquela escuridão, entre chorar e engolir a seco toda a dor e agonia que sentia, Diane tentava recorda-se de como fora parar ali. Lembrava apenas do rosto de Ron.Delicado,sorridente,rosto de um garoto que está descobrindo a vida agora.Lembrava-se de como ele sorria ao vê-la chegar nos lugares que foram naquela primeira semana que se conheceram.

Recordou-se da primeira vez que se encontraram pessoalmente, no shopping, dias antes, comendo batatas fritas que ela recusara anteriormente e depois se entregara. Lembrou até do Max.Pobre Max,dias depois fora informada que,na noite seguinte ao segundo contato com o rapaz,enquanto fazia o balanço da caixa-registradora,fora rendido por um homem armado que atirou sete vezes sem levar nada,somente o corpo,sem deixar nenhum vestígio de sangue.Diane chorou ao saber da notícia.Max era um rapaz simpático e de bem com a vida.Ela pôde observar isso mesmo que em apenas dois dias em contato com ele.

Mas e Ron?Será que ele sentia falta dela?Há quanto tempo ela estava presa ali?Havia perdido a noção do tempo, e sentia apenas uma dor latejante no topo de sua cabeça. Uma dor que se somava à ânsia de vômito,a agonia e ao desespero de não se fazer a mínima idéia de onde estava.

Voltou a se concentrar no atrito que se fazia contra suas nádegas nuas. Logo sentiu alguns dedos percorrerem sua virilha.O hálito quente se deslocara para sua nuca agora.Uma das mãos apertou seu seio esquerdo com brutalidade.Tentou balançar-se porém não conseguia se desviar de seja qual fora o doente que lhe agarrava.

Algo começou a roçar em seu órgão genital. Percebeu serem dedos.

-So Pretty... Por que demorou tanto para me notar?Why?Sempre fui apaixonado por você. A mais bela daquelas putinhas do shopping.A que sempre me chamou a atenção.Mas nunca olhou com esses olhos verdes para mim.Isso que me irritava.Eu sempre ali,e você nunca me via.Hoje você é minha,está vendo?Hoje vamos terminar juntos, bitch!

Nesse instante Diane fechou os olhos. Não eram mais dedos que invadiam seu corpo.Sentiu o movimento aumentar de velocidade.O suor da pessoa que a agarrava deslizava sobre suas costas.Sentia a respiração ofegante e de um odor horrível bem próxima ao seu ouvido.Queria chorar,mas sufocava de pena de si mesma e dor.Dor que foi se misturando a raiva que sentia naquele momento.Queria pelo menos ver quem fazia aquilo tudo com ela,pois,se saísse viva,iria até o inferno em busca do cara que a estuprara.

De repente os movimentos foram perdendo a força. Foi diminuindo a intensidade.Diane sentiu algo quente e pegajoso escorrer por sua coxa.

Os corpos se separaram e, após um suspiro, o hálito voltou as suas narinas.

-Foi bom para você?You like this?-perguntou a pessoa se afastando da pobre moça que só nesse momento conseguiu chorar silenciosamente.

Chorou enquanto ouvia os passos se afastarem. A porta se abriu rangendo com se alguém arrastasse algo pontiagudo em um quadro liso,causando um barulho irritante.Tentava se soltar do que lhe prendia,contudo sentia-se impotente.

Desistiu de tentar. Preferiu continuar chorando e suportando a dor que sentia em suas partes íntimas.

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Desta vez Diane chegara acompanhada de um rapaz loiro e com cabelos baixos. Mais ou menos de sua altura e muito sorridente.Usava óculos de armações finas quase imperceptíveis.Queria apresentar Ron a Max.

Sentou-se ao balcão da loja e acenou para que o rapaz se aproximasse. Ao ver a menina,ele sorriu e veio em sua direção.

-Ora, ora se não é a Diane!-disse estendendo a mão para a jovem e depois para seu acompanhante. -Veio atrás de pipocas brasileiras,né?

Ela sorriu.

-Na verdade vim apresentar o Ron. Lembra?O rapaz que me deixou plantada aquele dia aqui esperando...

-Ah lembro sim. Prazer,brother.Vão pedir alguma coisa?

Ron desviou o olhar para as tabelas de preços presas à parede. Enquanto isso,Diane se aproximara de Max.

-Poxa, você não vai acreditar. Perdi um diário que escrevo à cinco anos.Acredita?

-Nossa, mas como isso?

-Não sei. Provavelmente caiu de minha bolsa na escola,ou sei lá.Tá vendo?Ela tem um rasgo aqui na ponta. -Disse mostrando-lhe o verdadeiro rombo na bolsa que carregava.

Ron chamou Max com uma aceno.

-Diga brother.

-Quero dois sucos de abacaxis e um hot dog. -Pediu enquanto revirava sua carteira separando as diversas notas.

Max se aproximou de Diane.

-Parece ser um bom rapaz, né?

-Muito simpático. Só perde pra você que conseguiu com que eu lhe contasse sobre minhas paqueras em apenas dois dias de convivência.

Nesse instante, um jovem passou pela frente da loja e acenou para os dois como se os conhecessem. Ambos se entreolharam,automaticamente responderam ao aceno.

-Você o conhece?-perguntou Diane segurando um sorriso forçado.

-Não, não conheço.

-Parece que esse tipo de gente me persegue. Vira e mexe alguém que eu não conheço me cumprimenta na rua.Tem um rapaz que sempre me cumprimenta lá na escola como se me conhecesse profundamente,mas eu nunca o vi mais gordo.

Ambos sorriram.

Minutos depois Ron e Diane estavam sentados em um banco de madeira branco que dava de frente para o complexo de cinemas do shopping. Ela segurava as mãos dele e ele tinha sua perna esquerda sobre as pernas dela.

-Você conhece esse rapaz da loja de onde?

-Ah, foi ontem enquanto eu te esperava. Eu fiquei conversando com ele.

-Hum. Entendi.E eu escutei bem,ou ele disse que eu era bom rapaz?Você falou sobre mim para um rapaz que você conheceu à dois dias?É isso mesmo, Diane?

-E o que é que tem querido?A gente ficou no maior papo até você chegar. Tanto que,quando você chegou,ele estava se preparando para ir embora.Ele nem chegou a vê-lo.Não vá me dizer que está com ciúmes do Max?

-Não são ciúmes, mas é que é estranho, não?Um cara esquisito dando opinião na sua vida?Aposto que quer transar com você e fica dando uma de amiguinho.

O sorriso nos lábios finos de Diane se fechou.

-Olha bem o que você está dizendo Ron!Olha bem e veja se tem motivo pra falar uma besteira dessas!

-Achei que, mesmo se conhecendo apenas pela internet, tínhamos algo mais sério que se tornou ainda mais sério ontem. Mas pelo jeito,você não me considera como te considero.

-Não fale besteira. Eu te adoro.E é claro que temos algo sério.Oh,darling,i love you so much!-disse Diane abraçando-o.

No início Ron esquivou-se do abraço, mas logo se entregou.

-Não sabia que você era ciumento, man!

-Você não sabe de nada ainda... -disse Ron por fim,abraçando-a também.

A noite chegara rápida neste dia e Max não via a hora de chegar a casa e poder dormir durante a madrugada toda, pois, no dia seguinte, entraria no segundo turno do trabalho, o que lhe daria pelo menos mais quatro horas de sonos bem dormidas para compensar os dias anteriores.

Todas as lojas da praça de alimentação de encontravam fechadas. apenas alguns seguranças faziam a ronda noturna para impedir que jovens estivessem escondidos nas instalações do shopping para realizar fantasias sexuais.

O rapaz contou algumas notas de dólar e conferiu em um bloco que estava sujo de gordura nas pontas. Contou outra vez o malote do meio onde haviam as notas de cinqüenta dólares.Depois conferiu algumas moedas de cinqüenta e vinte e cinco cents,embrulhando-as com fita adesiva.Feito isso,empurrou a gaveta da caixa registradora e fora até a parte inferior da loja desligar as luzes que ainda se encontravam acesas.Estava tão cansado que não reparara que uma silhueta havia passado bem ao seu lado quando virou-se.

Fora até a caixa de eletricidade e destravou dois comutadores de luz. A loja ficou iluminada apenas pelas luzes dos letreiros,estes sempre deixados acesos.Pegou seu casaco sobre uma esteira de pratos e virou sua mão esquerda para pegar sua chave que havia deixado sobre o balcão de mármore próximo à frigideira.Porém a chave não estava mais lá.Parou pensativo tentando achar outras possibilidades onde poderia tê-las deixado.

-Fuck!-Praguejou enquanto se agachava para constatar se elas não teriam caído sob algum forno ou geladeira.

Tateou esticando seu braço direito por baixo do forno onde fritava somente batatas fritas. Esticou-se tanto que seu rosto ficou completamente achatado contra o chão gelado e com cheiro de comida de refeitório de escola.

Respirou ofegante devido ao pequeno esforço. Pensou que devia malhar um pouco para adquirir preparo físico.Levantou-se e,ao virar-se,assustou-se ao notar que uma figura completamente vestida de preto o espreitava do lado de fora do balcão.A figura usava um boné que lhe escondia o rosto qual era possível somente ver o queixo,iluminado pelo letreiro da loja.

-Olhamos, nós já fechamos. Sinto muito.-informou Max inda procurando sua chave e dando pulinhos para tentar enxergar sobre a geladeira.

Não houve qualquer reação da figura que permanecia imóvel.

Max respirou fundo. Porque tudo de ruim que tinha de acontecer,acontecia justamente no final do expediente?Praguejou mais uma vez e se aproximou vagarosamente do balcão.

-Senhor... Senhora,enfim,a loja está fechada.O shopping está fechado.Acho melhor você ir andando ou arrumará problemas com os seguranças.Sabe,né?Deve ser difícil trabalhar enquanto os demais estão dormindo.

Finalmente a pessoa se movimentou. Apenas um movimento leve como se tivesse colocado sua mão para dentro de sua blusa e depois tirado-a imediatamente.Max observou o tal movimento e deu um passo para trás,disfarçadamente segurando um abridor de cocos entre os dedos da mão esquerda.

A silhueta começou a andar devagar e atravessou para o lado do balcão onde o rapaz se encontrava. Nesse instante,a luz da lanterna de um dos seguranças que se encontrara no andar superior do shopping,porém paralelo à frente da loja,focalizara sobre a mão da tal figura,revelando segurar uma pistola.

Nesse momento, Max tentou correr, porém fora atingido seis vezes nas costas, caindo sobre as latas de lixo e falecendo sobre restos de hambúrgueres que só seriam jogados no triturador de lixo na manhã seguinte.

Rapidamente a silhueta segurou o corpo do rapaz e desapareceu junto com ele, na escuridão.

A porta do táxi fora aberta gentilmente e de dentro do veículo saíra Diane. Depois,Ron saiu com um sorriso leve na face e deixando uma nota de cem dólares na mão do taxista que lhe sorriu de volta agradecido.

O casal seguiu por uma rua larga repleta de casas monumentais dignas da cidade de Los Angeles. Caminharam em silêncio e de mãos dadas após um dia inteiro juntos no shopping e um rápido passeio pela praia.Pareciam ter esquecido a pequena discussão por conta do ciúme do jovem de Max.

A moça recostou sua cabeça sobre o ombro direito do rapaz e balançou sua mão de modo que a dele também começou a balançar-se no ar. Havia um silêncio ali que estava incomodando-a.

-Por que está tão calado?Você está triste?-perguntou tirando sua cabeça de cima dos ombros dele.

-Não, só estou com sono.

-Fale a verdade, querido, você ainda está chateado com minha conversa com o Max, não é?Poxa, Ron, eu avisei quando a gente conversou pela primeira vez pela internet, que eu tinha facilidade em fazer amigos e considerar amigos. Para mim,não importa se conheço a pessoa há dois dias ou dois anos,basta alguns minutos de conversa e eu já começo a confiar nela.

-Você sabe que pode se ferrar numa dessas, não é?

-Se eu fosse me preocupar com isso, hoje não estaríamos aqui juntinhos. Poxa,pode confiar em mim,Ron.Eu gosto de você.Gosto ainda mais agora que te conheço ao vivo!

O rapaz continuou calado. Diane tentou por alguns instantes não insistir.Recordou-se da conversa que tivera com Max,uma curta conversa que poderia fazer sentido naquele instante.Talvez ele estivesse certo sobre encontros pela internet.Conhecia Ron somente há três meses,talvez fosse alguém que necessitasse de mais credibilidade antes de marcar um encontro.Aquele comportamento ciumento estava deixando-a preocupada.

Ela parou de andar e soltou as mãos do rapaz.

-Que houve agora?-perguntou olhando para seu relógio de pulso. -Vamos,está esfriando.

-Pode deixar que daqui eu vá sozinha.Minha casa fica somente há dois quarteirões daqui.

-Pára com isso,Diane.Eu a levo,vem!

-Não.Não precisa,é sério!Amanhã de tarde eu te ligo.Pode ir,Ron.

Ron estava ficando irritado.

-Eu não acredito que um “fritadorzinho” de hambúrgueres vai ser o motivo de nossa primeira briga.Poxa,demoramos tanto para nos conhecermos ao vivo e você vai me despachar assim?Você vai estragar tudo mesmo?

-Eu quem estou estragando?Eu quem dei ataque de ciúmes?Eu que estou calada a maior tempão?Ora,Ron,você que está querendo brigar por ciúmes!Você devia ter me dito que era assim,eu teria pensado duas vezes.

-Você está insinuando que foi um erro me conhecer ao vivo?

-Talvez eu devesse ter esperado mais.-disse a moça diminuindo o tom de voz gradativamente sabendo que seu comentário iria gerar revolta.

-Ah,então tudo bem,baby!Fine!Não vou ficar insistindo.Você é muito mimada!

-Eu mimada?Ah,bem que o Max disse que era um enga...

-O que ele disse?O que aquele filho da puta falou sobre mim?

-Nada.Ele só disse que encontros pela internet podem ser perigosos.

-Ah,e eu sou perigoso?Eu pareço oferecer algum tipo de perigo a você,Diane?

-Ele não falou em relação a você.Disse em relação aos encontros.

-Eu vou tirar satisfações com esse cara.Ele não pode falar de outro cara assim,pelas costas.

-Se você brigar com o Max,eu nunca mais olho na sua cara!

-Diane,na boa,você não olhou na minha cara por três meses.Só agora nos trocamos olhares.Acha que eu não supero?Ora!Vou agora mesmo resolver esse problema com esse idiota!O pior é que eu estava gostando de você.Sério mesmo.

-Vamos esquecer isso...-Falou ela se aproximando e passando a mão no rosto do rapaz,porém,ele se esquivou.

-Tchau,Diane!

Ron apressou os passos.Passos pesados e decididos.Virou a esquina.

Diane ficou para olhando para frente,esperando que ele voltasse.Mal sabia que não veria Ron,nem Max,por alguns dias.Pelo menos não Ron.

**********************************************************

Outra vez a porta rangeu.O odor de livros antigos tomou conta do local.Diane tentou pedir socorro acreditando que agora seria alguém que a ajudaria.Desta vez,uma mão mais suave tocou sua pele.Tentou gritar pedindo ajudar,porém a mão não parecia que iria ajudá-la.Escorreu com os dedos por todo comprimento de seus cabelos.Queria saber onde estava e porque estava ali,prisioneira.

Ouviu outros passos como se mais alguém entrasse no local.Parecia sussurrar.As mãos leves deram lugar à uma mão pesada,provavelmente da pessoa que a violentara no dia anterior.

-Você precisa comer alguma coisa.-disse a voz sussurrante.-Não come nada há quase dois dias.

Diane virou o rosto.

-Não seja difícil.Trouxe costeletas de porco e arroz integral.Tudo triturado.O gosto pode não ser bom no início mas logo você se acostuma.

Ouviu-se barulhos de metais se batendo.Uma panela foi destampada e dentro dela uma massa acinzentada com pontos pretos exalava um odor de carne assada.Aquele cheiro fez o estômago de Diane dançar.A fome já se tornava insuportável.Não sabia quanto tempo estava presa,mas sabia que já passavam mais de três dias.Talvez comesse desta vez.

-Dont be afraid! Vou tirar esse pano de sua boca.Prometa que não irá gritar!

A jovem ansiosa para degustar algo,concordou movendo sua cabeça que ainda latejava.

Quando pano fora retirado de sua boca.Sentiu o ar entrar após dias.Engasgou.Tossiu por alguns instantes até acostumar a respirar pela boca.Tentou dizer algo,porém a voz não saía.Tudo que enxergava era escuridão.Tudo que via era o breu total.O que sentia era fome e o terrível cheiro de urina que fora obrigada a fazer em suas próprias calças,porém,sabia que havia alguma espécie de recipiente bem abaixo de seu corpo suspenso,pois toda vez que urinava o barulho que se fazia era o de gotas batendo contra metal,provavelmente um balde.

Sentiu o gosto salgado e tão delicioso da massa seca que adentrava por sua boca.Mastigou rapidamente ansiando por mais e mais.Sentia muita fome.Por um instante esqueceu das dores nas suas partes íntimas.Esquecera até que queria ir embora.Apenas se concentrava em mastigar e apreciar o único momento prazeroso que tivera nos últimos dias.

Sentiu vontade de sorrir.Porém,não queria demonstrar que seja quem fosse que estivesse a mantendo presa.Parecia lhe conhecer perfeitamente.Pois soube toca-la exatamente como ela gostava.E soube preparar costeletas,mesmo que trituradas e misturada ao arroz.Era seu prato preferido.

Um copo de água se aproximou de seus lábios.

-Drink!-disse a voz sussurrante com odor de tabaco,inclinando o copo de metal fazendo com que o liquido deslizasse pelos lábios finos e ressecados de Diane.

*********************************

Eram duas da madrugada quando alguém tocou o sino da casa 82 da larga rua de casas monumentais.O senhor que estava deitado no quarto ao lado de sua esposa,já havia acordado minutos antes com o som das sirenes que se aproximavam.Levantou-se devagar para não acordar sua mulher que dormia profundamente.

Um raio de luz do farol de algum dos carros lá fora invadira o quarto iluminando um retrato tamanho pôster onde Diane estava abraçada ao senhor e a sua esposa.Ao abrir a cortina,assustou-se ao ver duas viaturas da polícia parada em frente ao seu jardim.

Sentiu que havia algo errado com sua princesa.

-Oh,Lord!- pensou ele fechando os olhos por alguns instantes.

***********************************

Diane acordou.Ainda sentia o gosto da comida em sua boca,porém,não tinha os membros presos.Estava solta,apenas seus olhos permaneciam vedados.O cheiro era de grama,e uma leve brisa dava lugar ao cheiro anterior de mofo sufocante.Levantou-se em que enxergasse nada.Estava vestida com um vestido florido.E não sentia mais dores pelo corpo.Apenas sua cabeça latejava.

Caminhava lentamente tateando os móveis por todo local,tentando achar uma saída.Tropeçou em algo parecido com um criado-mudo.Ao bater contra o chão,sentiu como se alguém se aproximasse.Permaneceu caída.

-Onde estava indo,baby?-perguntou a voz,agora não tão sussurrante.-Não pense em ir embora.Hoje é o grande dia!

Segurou-a pelos ombros e a colocou de pé.Arrastou os braços por trás da nuca da menina e foi vagarosamente desatando o nós do pano que lhe tampava a visão.Diane ficou ansiosa para conhecer a pessoa que lhe mantivera presa por tantos dias.

*****************************

Assim que Ron virou a esquina,ele já estava arrependido de ter deixado de lado a moça mais linda que conhecera.Porém,também estava muito irritado pela desfeita dela em relação a conhecê-lo.Queria voltar,mas se voltasse,iria cometer uma besteira.

Parou por alguns instantes.Estava se acalmando.Porém,ao lembrar do que Diane havia lhe dito sobre Max,voltou a se irritar.Deu meia volta decidido e caminhou por todo trajeto que havia feito momentos antes.

Diane caminhava cabisbaixa.Estava triste por ter dito aquelas coisas a Ron.Ele parecia realmente gostar de sua pessoa,e talvez por isso sentisse ciúmes.Queria ir atrás dele.Queria pegar seu celular e ligar pedindo para que voltasse e passasse a noite com ela.

Parou de andar e olhou para trás na direção por onde ele havia ido.Sentiu que alguém a observava.Pôde ver algo se mexer por detrás de um poste de luz que piscava devido ao mau contato.

-Ron,querido,é você?-perguntou esticando o pescoço a fim de enxergar melhor.

Foi se aproximando segurando sua bolsa e cerrando o cenho,pois estava escuro.Era tarde e nem a mais iluminada das casa se encontrava com suas luzes acesas,além das pequenas luzinhas que iluminavam uma pequena parte da garagem exterior.

Aproximou-se devagar e cada vez mais podendo enxergar o que havia ali.Notou,enfim que não conhecia a pessoa.Era familiar,porém não a conhecia.Voltou-se imediatamente,amedrontada por poder estar sendo seguida por algum maníaco.Apressou os passos quase que tropeçando nas próprias pernas.

Tomou coragem e olhou para trás.Não havia mais ninguém.

De repente,sentiu algo certar-lhe o topo de sua cabeça.Uma dor pontiaguda tomou conta de sua cabeça.Foi perdendo as forças e os olhos ficaram pesados.Caiu desacordada.

*

Acordou algumas horas depois.Uma discussão parecia ocorrer entre um homem e uma mulher e,assim que acordara,a briga cessara.Pôde ouvir a mulher dizendo que não era certo e que logo descobririam.Porém,a dor de sua cabeça lhe tirava atenção.Não conseguia raciocinar.

Outra vez seus olhos pareciam ter uma tonelada.

Desmaiou outra vez.

Dali em diante,sentia apenas o cheiro de mofo,de livros velhos e os carinhos e agressões que sentia.Pensava o tempo todo em seus pais.Em suas poucas amigas.Em Ron.Em Max.Oh,Max!Será que Ron realmente o havia procurado?

*

Assim que a venda foi tirada de sues olhos ela os fechou novamente incomodada pela claridade.A visão veio se fixando aos poucos e conseguiu ver apenas uma silhueta feminina.Recobrando mais um pouco,viu uma mulher de aparência triste,envelhecida e recoberta de rugas.

-Quem é você?-perguntou ainda sem a visão perfeita.

-Fale baixo.Ele pode escutar!-disse a mulher que ainda não tinha um rosto totalmente definido.Fale mais baixo e apenas me escute.

Diane foi guiada até a cama,e foi colocada sentada ali.O rosto da mulher finalmente ganhara traços.Era Ramanahel.

-Quem é a senhora?-perguntou.

-Meu nome é Ramanahel.E quero tirar você daqui antes que meu filho faça alguma besteira.-informou a mulher segurando as mãos de Diane com força,tentando lhe passar confiança.

-Como assim seu filho?Quem é seu filho?

-Minha jovem,talvez você o ache insano,porém,tudo tem uma explicação perfeita para as atitudes que ele tem tido com você.

-A senhora está me dizendo que seu filho é o responsável por eu estar presa naquele lugar úmido,me fazendo ser sua escrava sexual esse tempo todo?E a senhora sabia?

-Não é tão simples,Diane.Vocês não sabe o que passamos aqui.Meu filho é jovem,não entende as leis dos seres estelares.

-Seres estelares?-perguntou Diane levantando o tom de voz,mas o diminuindo logo à seguir.-Como assim?

-Você está no vilarejo San Lousier,onde é localizada a sede da “New Gardens of the Paradise”.

Ramanahel explicou a Diane toda a doutrina da seita.Explicou as leis,os castigos,e que ela estava ali pois era o grande dia do encontro com os seres estelares.Diane no início achava que a mulher era louca,porém,com o passar do tempo,fora acreditando nela.Pelo olhar ela lhe passava sinceridade e sofrimento,Segundo ela,seu filho não era a favor de certos dogmas da seita.E,ao invés de debater,ele agia impulsivamente contra estes dogmas.

-Kaüel te mantêm presa aqui pois ele nunca tivera uma namorada,e,como hoje nos entregaremos aos seres estelares deixando para trás a vida neste planeta que caminha para o fim da existência,ele não queria deixar sua vida para trás.Não antes de conhecer pelo menos uma vez,o corpo de uma mulher.

-Mas porque eu?Não há mais mulheres aqui nesse vilarejo?-perguntou.

-O problema não é este,querida.O problema é que Kaüel tem dezessete anos.Nos da “New Gardens of the Paradise” só podemos nos iniciar sexualmente aos dezoito.Ele ia deixar a vida sem experimentar o sexo.Não queria que isso acontecesse.Meu filho nunca pode se relacionar com uma mulher,e isso gerou nele uma espécie de carência.

-A senhora está dizendo que seu filho me escolheu aleatoriamente,dentre milhares de mulheres,para ser maltratada,pois é uma pessoa carente?Ora,conte outra!

-Sei que pode não fazer sentido minha,jovem.Mas imagine você querer fazer alguma coisa e ser impedida por leis ou por seus pais.Você vai negar que não se sente presa?Prejudicada?Incompreendida?

-Claro que sim.Mas não é por isso que vou prender alguém à força e assim,ficar fazendo com a pessoa tudo que lhe der na telha.Minha senhora,seu filho abusou sexualmente de mim!Não sei quanto as leis daqui,mas na cidade isso é um crime hediondo!

-Talvez ele tenha perdido a cabeça.Não vou negar,ele perdeu a cabeça.Mas é que ele nunca tivera um contato com uma mulher,minha filha.Eu não pensei que ele ia chegar ao ponto de mantê-la prisioneira.Ou até abusar de você.Peço que o perdoe...

-Mas por que eu?Por que fui a escolhida para suprir essa carência?

-Isso tem um motivo,e você não foi escolhida aleatoriamente.Meu filho se apaixonou por você pelo que ficou sabendo sobre você.

-Como assim?

************************

Diane havia acabado de sair da escola.Estava muito apressada pois iria ao salão de beleza ajeitar seus cabelos para uma festa mais tarde.Despediu-se rapidamente de suas amigas e correu em direção ao carro onde o motorista particular de sua família a esperava.

Minutos depois,ela estava no shopping.Enquanto caminhava mexia em sua bolsa atrás do cartão de cliente V.I.P do salão “Pretty Woman”.A pressa era tanta que nem notara que seu diário,um fichário que guardava confissões há cinco anos,caiu sobre um folheto de promoção de um grande supermercado localizado no segundo piso do centro comercial.

Um rapaz que viera atrás abaixara para pegá-lo,porém,quando se levantou para chamá-la,a moça havia sumido.Uma coisa chamou sua atenção para o pequeno e espesso fichário.Seu perfume.

Sentou-se em um banco dourado e abriu o pequeno fichário.Começou a ler o que lhe daria um novo rumo em sua vida.Todos os dias ele lia tudo.Sentado sob uma árvore no jardim do seu vilarejo.Sentado sobre uma árvore.Às vezes lia enquanto jantava com os demais membros da seita,escondendo o pequeno fichário entre as pernas.As vezes,lia antes de dormir para sonhar com Diane,sua musa,sua princesa.Sua companheira.

Desde então,Kaüel passou a segui-la.Desde então,começou a imaginar diversos momentos ao seu lado,Passou a criar uma vida eterna ao lado de Diane sem que ao menos ela cogitasse ser ídolo de alguém.Muito tímido,nunca tivera coragem de se aproximar e declarar sua admiração.

Apenas quando soube,escutando uma conversa dela com uma amiga que se encontraria com alguém que conhecera pela internet,que a coragem tomou conta do rapaz.Ficou pensando em diversas maneiras de chamar a atenção da moça.Porém,nunca conseguindo.Às vezes,acenava para ela no meio da rua;As vezes lhe perguntava as horas.Tudo para ficar marcado na memória da moça.Certa vez,sentara ao seu lado em uma lanchonete e pedira batata fritas e suco de abacaxi.Foi a primeira vez que chegara tão perto dela.E quase chorou de emoção ao notar que ela encarava seu suco com desejo.Ficou quase sem ar assim que ela pedira a mesma coisa que ele.

Mas não demorou muito para se decepcionar.Após horas de espera,uma rapaz loiro se aproximou e,sem mais nem menos,a beijou nos lábios.Kaüel pôde escutar seu coração partindo.Poderia estar perdendo o grande amor de sua vida.Precisava fazer algo.

Voltara no dia seguinte e outra vez,Diane estava acompanhada do rapaz loiro.Porém,a atenção de Kaüel se deslocou para a forma como Max,o pobre vendedor de sanduíches a olhava.Parecia desejá-la como um cão deseja o frango que gira no forno de padaria.Não poderia ter dois concorrentes.Se considerava mais bonito e apresentável do que eles.

Tinha que agir imediatamente.

**************

Ramanahel continuara contando como o filho escolhera Diane.

-Quando ele viu que você estava sendo disputada por dois rapazes,ele perdeu o controle.Voltou para casa correndo e chorando,e disse que você estava sendo influenciada por seres perdidos.

-Seres perdidos?

-São como nós chamamos vocês que não são da seita.Disse que você estava sendo influenciada por dois seres perdidos e que só seria aceita pelos seres estelares se sofresse com castigos.Assim limparia seu corpo através da dor.Por isso te seqüestrara e te submeteu aos castigos.

-Isso não muda em nada,senhora.Seu filho não podia ter feito isso comigo.E com meus pais?:Não passou pela cabeça dele e,porque não,pela sua que meus pais enlouqueceriam querendo saber o que acontecera comigo?Eu quero ir embora.

Diane levantou-se da cama e correu até a porta.

-Não faça isso.Não posso deixá-la sair assim.Os outros podem ver.Meu filho já não é bem visto pelos líderes.Se souberem que ele fez isso irão deserdá-lo ou,talvez até matá-lo!

-Sinto muito,senhora!-disse Diane enquanto forçava a porta que estava trancada.-Já aceitei o suficiente por aqui.Seu filho roubou meu diário e criou uma vida que não existe.Não tenho culpa se ele fantasiou.Eu tenho minha vida,e morrer agora não faz parte de meus planos.

A porta foi travada.Alguém segurava a maçaneta do outro lado.Diane se afastou da porta em marcha ré.

Tropeçou em uma tapete que se encontrava embolado.A porta se abriu e um rapaz vestindo calças jeans,botas de couro preta e uma camisa branca com botões dourados entrou no quarto.Já o havia visto em outros lugares.Principalmente no shopping.Fora ele que chegara enquanto ela conversava com Max no dia da distribuição de pipoca.SU única pergunta foi :o que está acontecendo ali,hein?Como poderia desconfiar de um estranho.

-Mãe,você a soltou?-perguntou estendendo sua mão para Diane que recusou se levantando sozinha.

-Eu quero ir embora.Sua mãe me contou tudo!Eu prometo não contar a ninguém,mas por favor,me deixe ir embora!

Kaüel sorriu.

-Calma,hoje vai ter uma grande festa aqui,linda!Não iria embora antes dela,né?

-Não quero saber de festa!Sei o que você planeja e não quero participar disso!Quero ir embora...Socor...

Quando ia gritar,o semblante calmo do rapaz se transformou em um rosto inexpressivo de raiva.Sua mão segurou os lábios da moça com força.

-Cale-se!Se os líderes souberem da presença de uma perdida aqui no vilarejo será muito pior para você!Silence!

Diane rapidamente levantou seus joelhos e acertou o saco de Kaüel fazendo-o cair.

Correu pela estreita casa,observando a falta de eletrodomésticos e excessivos quadros prateados.Tentou achar a porta de saída,porém não conseguira.Desceu um lance de três escadas e deu de cara com uma porta d emadeira envelhecida.Girou a maçaneta e pôde sentir aquele cheiro familiar de mofo.Estava no seu cativeiro de momentos antes.Ao virar-se deu de cara com Kaüel e sua mãe.Esta com um olhar de piedade.

-Vejo que sentiu saudades do seu antigo quarto,né?Tem gente que não se dá bem com o luxo,só com o lixo!-disse o rapaz ironicamente,empurrando Diane para dentro do cômodo mofado.-Tudo o que eu queria era te dar uma vida de princesa.Queria arrumar uma namorada e deixar essa vida mortal ao lado dela,tornando minha namorada imortal no outro planeta.Mas você se tornou mais que uma simples namorada.I love you,Diane!

-Eu não sou sua namorada.Eu não te amo.Você é um louco!Um doente que queria supri uma carência idiota!

-Você não sabe o que está falando.Eu a livrei de ser condenada pelos seres estelares.Quer ver do que lhe salvei?

O rapaz tateou a parede ao seu lado e acendeu a luz do cômodo.Aos poucos duas fileiras de luz se acenderam nos cantos laterais do cômodo.Era um pequeno quarto com paredes de pedras arredondadas como as clausuras da idade média.Não havia janelas.

Diane escondeu os olhos por alguns instantes,mas ao descobri-los e mover sua cabeça levemente para seu lado esquerdo,viu os corpos de Max e Ron,presos à parede,mortos e com feridas profundas no rosto e abdômen.

Vomitou sobre suas próprias pernas.

-Esses perdidos iam te desviar do seu caminho.Eu li seu diário,eles não combinam com você.Eu combino!Eu sou o escolhido para você.

Debruçou-se sobre a jovem,porém ela rapidamente puxou um balde que se encontrara ao seu alcance e jogara contra o rosto de Kaüel,o sujando com sua urina.

Muito irritado,o rapaz segurou-a pelo pescoço e colocara sua cabeça por inteira dentro do balde que ainda continha uma boa parte de mijo.Enfiava a cabeça de Diane e a puxava para fora,como em sessões de torturas.

Satisfeito,soltou-a para trás.

-Hoje vamos mudar de vida.Hoje vamos nos mudar para um outro plano.Uma vida nova nos aguarda.Não sei por que está sendo tão incompreensível.

-Eu tenho planos.Assim como você tem os seus.O problema é que eu não pretendia mudar de vida agora.Sou muito feliz com a que tenho.Deixe-me ir.Deixe-me voltar a minha família.

-Pelo visto acho que dei conta dos dois perdidos tarde demais.Parece que eles conseguiram desviar você dos caminhos certos.Por sorte faltam menos de vinte minutos para a grande virada.E em breve estaremos acordando em um mundo totalmente reservado para nós.Reservado pelos grandes seres.Eles me testaram.Mas eu finalmente entendi.Eu e você estávamos destinados.Eles colocaram seu diário na minha mão.Eles me impulsionaram a fugir do vilarejo para cidade.Desde o início estávamos destinados.Isso é lindo!

Diane sentiu medo.O jeito convincente como Kaüel falava lhe dava frio na espinha.

*

Lá em cima,no pátio do vilarejo,todos se reuniam em volta do chafariz que seria acionado dentro de alguns instantes.As crianças sorriam olhando para o grande monumento que em menos de trinta minutos jorraria água marcando o momento certo de todos beberem o líquido sagrado que os levariam ao mundo novo.

Fagüely e Stuarthel se preparavam para a cerimônia dentro de sua casa.Vestiam as túnicas de gala e separavam as garrafas em pequenas xícaras.Uma jovem,filha do cozinheiro principal do vilarejo bateu na porta da casa. Fagüely caminhou até a sala e abriu a porta.

-Senhora,acho que temos problemas na casa de Ramanahel.-informou o jovem ofegante,pois havia corrido muito até chegar ali.

-Que tipo de problemas?

-Não exatamente,mas algumas crianças disseram que Ramanahel e Kaüel têm visita em casa.Gente de fora.

Imediatamente Fagüely voltou para o quarto e chamou seu marido.

-Eu sabia que ele ia arrumar algum problema justamente no grande dia.Hoje eu castigo esse rapaz.-falava Stuarthel enquanto caminhava até a porta ao encontro do mensageiro.

-Oh,Senhor,me desculpe bater aqui...

-Não se desculpe,jovem.Porque acreditam estar tendo algum tipo de problemas na casa de Ramanahel?

-Algumas crianças escutaram gritos...

Foi o suficiente para que o líder vestisse sua túnica de qualquer maneira e caminhasse até a casa da pobre senhora e seu filho rebelde.

*

Kaüel prendera um dos braços de Diane em um dos grilhões que caíam do teto.Fora até o seu quarto e trouxe o diário da moça.Abriu em uma página que já estava marcada previamente.

-Adoro esta parte que você diz que sua primeira vez foi inesquecível pois seu namorado resolveu “explorar lugares inexploráveis”.Você foi bem liberal na primeira vez,não,minha linda?

-Meu diário.Você não pode lê-lo.

-Eu já o li de trás pra frente.Já sei tudo que você fez nesses cinco anos.Sei que se decepcionara com uma amigo seu que se fez de amigo e após te levar para cama sumiu.Sei que seu sonho é se tornar atriz de cinema e fazer vilãs inesquecíveis.Sei que seu sonho de consumo é uma casa no Brasil,na praia de Copacabana.Eu te conheço mais que qualquer um nessa vida.

-Você não me conhece!Você leu meu diário!

-Fomos feitos um para o outro.Porque você não consegue enxergar?Eu te seguia.Te segui por dias.Adorava te observar.O jeito como você toca em seu cabelo,ajeitando sua franja maravilhosa.O jeito como você respira.Sua música preferida se tornou minha música preferida.This is my preferred music also!

Aproximou-se de uma das paredes e ligou um pequeno rádio que ele trouxera escondido da cidade.Apertou um botão e logo a voz de Paul McCartney começando a cantar “Hey Jude” invadira o local.Kaüel cantou junto por alguns instantes.Sua voz era até que doce.Cantou ao pé do ouvido de Diane.Ela pode sentir o cheiro de tabaco.O rapaz as vezes fumava para se acalmar,e mastigava fumo-de-rolo também.

Diane começou a chorar.Ramanahel se aproximou do filho.

-Precisamos nos livrar desses corpos.Se por acaso alguém vier nos chamar o que diremos?-disse a mãe preocupada.Tão preocupada quanto no dia em que ajudara Kaüel assassinar os dois garotos.

Primeiro Max,enquanto contava o dinheiro do caixa registradora da loja.Levara um tiro e fora arrastado até a caminhonete que o esperava seu assassino nos fundos do shopping.Depois,Ron,o arrependido Ron.Após brigar com Diane,resolvera voltar para se desculpar.Porém o que viu foi alguém arrastando a moça para dentro de uma caminhonete.Correu tentando impedir,porém fora atingido por uma chave de fenda dentro de sua orelha esquerda.Fora jogado dentro do carro,mas acordou no meio do caminho e travou uma briga com Kaüel,mas o rapaz estava zonzo devido a ferramenta dentro de sua orelha.Caiu falecido sobre o corpo de Max.

-Faltam apenas 20 minutos,baby!A new world will go to appear!

Ouviram batidas nas portas.

Diane começou a gritar.

Ramanahel atingiu um soco em seu queixo.Um filete de sangue deslizou pelo canto da boca da jovem que continuou gritando e gritando.Queria se fazer ouvir.

-Cale a boca dessa vadia,mãe!Eles vão escutar!-dizia O jovem desesperado, desligando o rádio.

Diane continuava gritando e se balançando.

Na porta da casa, Fagüely ,Stuarthel e mais umas dez pessoas se amontoavam.Puderam escutar os gritos vindo da casa que tinha um porão e que,os gritos saíam do basculante.Um rapaz de corpo forte chutou a base da porta.Os gritos permaneciam insistente e não eram de Ramanahel.Stuarthel pediu para que mais pessoas empurrassem a porta.Logo todos empurravam e conseguiam abrir a porta.

Kaüel tirou sua blusa e amarrou na boca de Diane.

-Mãe,vai lá e despiste-os.-pediu enquanto tentava arrumar um jeito de esconder os cadáveres.

As pessoas desciam com pressa até que,no meio do caminho,encontraram Ramanahel.

-O que está,havendo?

-Ouvimos gritos vindos de seu porão.Muitos disseram que há alguém com vocês aí.Além de seu filho.

-Mentira!Não há ninguém!Eu e meu filho estamos aqui nos preparando.Eu gritei porque estávamos discutindo.Esqueceu que o senhor mandou que eu desse algum tipo de dura nele,Senhor?

-Eu disse que seu filho era problema nosso.Sinto muito mas iremos levá-lo.Ele será expulso de nossa seita.Não irá para o outro mundo conosco.

-Não faça isso.Ele não pode ficar sem mim nesse mundo.Não saberá como agir,Senhor.Por favor,tenha piedade!

-Sinto muito,minha querida.Mas é assim que tem que ser feito.

As pessoas passaram por Ramanahel e correram em direção ao quarto.A porta se encontrava fechada.

- Another time! All together!-Ordenou o líder.

Todos forçavam a porta de madeira que fora entortando até que se partiu.Lá dentro,eles encontraram dois corpos.O de Kaüel e o de Diane.Ambos com os olhos esbugalhados.E um copo caído entre os dois.

Ramanahel voltara para o quarto e ajoelhou-se desesperada.

Todos ficaram impressionados.

Um dos rapazes encontrou os demais corpos.Max e Ron,escondidos dentro de um armário.

Não havia mais nada que se fazer.A jovem havia tido o destino que não queria.Antes dos líderes chegarem.Kaüel tirou de dentro do diário de Diane um vidrinho minúsculo do liquido dourado que beberiam dentro de dez minutos,adiantando sua passagem.

O rapaz aos poucos introduzia no organismo da pobre moça,sem que ela soubesse,pequenas doses do liquido dourado.Matando-a aos poucos.Tudo previamente planejado por ele.Para o grande dia.Isso era o motivo das constantes dores de cabeça de Diane.

-Ele não chegará ao novo mundo.Os seres estelares tomarão conta de seu corpo.Provavelmente irá voltar para este mundo e assim permanecer até que tudo termine.

Todos voltaram para suas posições no pátio do vilarejo.Ramanahel continuou no cômodo mofado,abraçada ao corpo do filho.E ali ficou até que não pudesse mais escutar as pessoas lá em cima comemorando.Logo houve silêncio.Ela era a única que permanecera em seu corpo antigo.Colocou o corpo do filho sobre um lençol e o arrastou escada acima.Caminhou mais um pouco até a casa dos líderes,onde planejava o enterrar.Foi então que escutou um choro.Foi seguindo os grunhidos e caminhou por algumas casas.Chegou até uma choupana.Lá dentro,o som ficou mais forte.Entrou e viu apenas uma mulher deitada sobre uma cama,presas pelas pernas e pelos braços.Era a filha do líder,morta,e com uma criança deitada entre seus seios,a criança dona do choro.

A senhora pegou o bebê em seus braços e saiu da choupana.Ajoelhou-se com ela no colo próximo ao cadáver de seu filho.Ergueu a cabeça para o céu e sorriu.Um novo destino estava traçado para ela,pensou.O mundo não havia acabado após a meia noite,O mês de julho começara sem problemas.Talvez o fim tivesse sido adiado para o próximo ano,na virada de 1999 para 2000.

Cabia a ela,a partir de agora,o dia do novo renascimento.

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Os policiais sentaram-se e foram diretos ao assunto.Explicaram sobre a doutrina.Explicaram sobre o que teria acontecido a filha do casal.Os dois não acreditavam.Em uma semana desaparecida,acreditavam que fossem encontrar Diane,sua filha única,ainda com vida.

-Esses seres não têm alma!Por que isso?

-Eles não acreditam em alma.Esse pessoal desta seita acredita que somos máquinas conduzidas por seres de outro planetas.Quando morremos somos desativados.Sua filha foi vítima da obsessão de uma maníaco.Achamos o diário dela perto de seu cadáver.O cara que fez aquilo tudo com ela fez questão de escrever no diário dela.Conta em detalhes as vezes que abusou sexualmente dela.As vezes que pensou em fugir.-explicou um dos policiais.

-Eu senti uma raiva enorme.Ele fala como se tudo entre a filha de vocês e ele fosse previamente definido por algum Deus alienígena.Ela fora escolhida para aliviar suas carências.Uma coisa totalmente sem nexo.Se ele estivesse vivo,iria provavelmente para a cadeira elétrica.Manteve sua filha dopada com tranqüilizantes e aproveitava-se dela.Segundo um amigo meu do necrotério,ela ingeriu uma r tóxico que estava acabando com os pulmões dela.

Os pais de Diane se abraçaram.

-O corpo dela está sendo analisado pela perícia.Vocês podem ir vê-la a partir de amanhã.Sinto muito pela perda de alguém tão querido e jovem.

O pai da jovem acompanhou os dois até a porta.

Fechou a porta.

Ouviu a sirene começar a tocar lá fora.

Quis saber como seria a vida sem a alegria que Diane trazia para a casa.

Olhou para o céu através da janela de vidro escurecido.Pensou se realmente existia alguém lá em cima,e se Diane estaria lá,os observando.

fim