Que sa se....? (Quem sabe se...?)

A noite estava perfeita para quem gosta de uma noite, todas as estrelas pareciam estar observando a caminhada de Doroti, seu olhar parecia caber todo o infinito, ou melhor, todo o infinito parecia estar no seu olhar. Por um momento Doroti achou até interessante o seu carro dar defeito justamente naquela estrada deserta, só assim poderia observar a beleza daquela noite, há dias não conseguia relaxar, tinha ficado de plantão no hospital nas últimas cinco noites, além é claro de estar enfrentando o fim de um casamento, sempre foi uma mulher muito pratica, por ela Roger já poderia estar casado com outra, mas ele insistia em uma relação esvaída, sem futuro.

Caminhava pelo asfalto, como quando se enfia a mão na bolsa procurando um baton, toda percepção vinha do toque, reconhecia apenas o asfalto abaixo dos pés, e o espaço acima da fronte, celular sem sinal, estrada deserta e os seus pensamentos, já nem se lembrava como era se sentir assim tão completa, completamente si mesma, sem a interferência do mundo, das pessoas.

Há vinte anos ela voltava para sua cidade natal, no interior de Minas, para colocar flores no túmulo de seus pais, amanhã era dia de finados, 2 de novembro, um dia anual para se dedicar a quem já morreu, como se fossemos culpados por suas mortes, como se estar vivo fosse uma afronta.

Ela não era muito de crenças, por isso se tornou médica, sempre soube que o que salva o homem são apenas os outros homens, nenhuma fé remove montanhas, apenas tratores e dinamites, porém essa tradição ela guardou, realizava-a como um tick nervoso, apenas fazia, ia ao túmulo e depositava as flores, depois abaixava a cabeça, fechava os olhos e confirmava em suas lembranças que horas deveria esta de volta.

A essas alturas suas pernas já começavam a lembrá-la de que estava usando salto, uma dor sutil começou a percorrê-la de baixo para cima, porém apesar de quase uma hora de caminhada ainda não chegava a lugar algum.

O ar da noite continuava o mesmo, porém o chão não. Agora ela sentia algumas folhas secas sendo pisadas por elas, com certeza deveria estar próxima de alguma mata e as folhas devem ter sido trazidas pelo vento, que por agora estava ausente, nunca sentiu o ar tão parado, como se estivesse mergulhada numa piscina de águas muito densa, não sentia o movimento do mundo, só o seu peso.

Estava começando ficar preocupada, sabia que nos interiores a violência ainda quase não tinha chegado, por isso até agora não havia sentido medo, porém não queria passar a noite ali, já estava cansada, a viagem de São Paulo até ali foi muito cansativa. Sabia que estava chegando, pois já tinha passado pela cidade de Ouro Preto, então faltavam menos de uma hora de viagem. Porém estava tudo tão escuro, que ela não tinha a mínima consciência de onde estava no momento. Já era para ter passado algum carro! Pensava ela.

As folhas secas sob os pés agora aumentavam, já não dava mais para perceber o asfalto, mas ela não se preocupou, pois conhecia a região e sabia que ali não havia estrada de terra, e ela não podia ter saído da estrada original, senão ela perceberia alguma mudança brusca no trajeto. O que devia esta acontecendo, acreditava ela, é que seus pés de tanto andarem perdiam a sensibilidade e acabavam por confundi-la.

_Nenhum carro, estará a estrada interditada? Mas não vi nenhuma placa.

Sentiu que um galho a tocou no braço esquerdo, ela arredou um pouco para o lado direito, só um pouco, pois não queria caminhar na contra-mão, apesar de não estar passando nenhum carro achava bem perigoso. Um outro gralho a tocou no braço direito.

_Mas como?

Não poderia estar a estrada tão fechada de mato, como ela poderia estar com galhos tocando ambos os lados do corpo? Tentou encontrar o último galho, mas as suas mãos não acharam, teria sido apenas uma impressão? Angustiada apressou seus passos, agora a noite já não estava mais muda o silêncio tinha sido quebrado. As folhas que já eram de grande estranheza estarem ali, agora tinham a companhia de galhos, esses por sua vez, dançavam no compasso dos passos de Doroti, a música provocada pelos estalidos dos galhos, davam a noite uma secura desértica, como quem ver uma miragem, ela enxergou uma luz, nem pode acreditar, era apenas uma luz, mas já deixou-a mais calma, com certeza devia ser uma casa e devia ter um telefone, então começou a andar mais rápido, sentia os galhos enrolarem em suas pernas, quase caiu, mas foi firme, então eis a luz.

Assim como quem vai a uma peça de teatro esperando uma comédia, e se depara com uma mulher no palco chorando a perda de um filho, ela viu atônita, que a Luz não passava de um poste, só uma poste, nem casa, nem um curral, nada, somente um poste, nem fios para que a energia chegasse ao poste ela pode ver, então como se derramasse o ultimo copo da fonte que mataria a sua sede, ela se sentou no chão Só então constatou com certeza, que ali não havia asfalto. Apenas num impulso, como se suas pernas estivessem de soluço ela se levantou, a boca seca doía de sede, sua barriga começava dar sinais de medo, coisa que não sentia desde criança, um frio tomava conta de seu estômago, como se a um vacilo toda a consciência fosse embora, ela estava como medo, de que? Questionava ela, era só voltar, e logo chegaria a estrada. Pensou logo em algo coerente, lembrou dos animais, cobras, onças, lobos, agora estava tranqüila, achou algo convincente para sentir medo.

_ Onde estou? Que lugar é esse?

“Sitio Saci” é o que dizia a placa, voltou a sentar. A placa que estava pouco atrás do poste tinha uns 50 centímetros, e o escrito em vermelho.

Ela sabia que estava sonhando, só podia estar sonhando, esse sitio ficava além de sua cidade, como ela poderia ter chegado ali? Ainda mais ali, onde tudo tinha acontecido, aonde sua mãe e seu pai vieram falecer.

Seus pais tinham sofrido afogamento naquele sitio, ninguém soube explicar o que tinha acontecido, eles foram fazer um piquenique e apareceram no dia seguinte boiando, com os cabelos cortados e uma ferida no pescoço, como se tivessem sugado os seus sangues, ou coisa assim. Ninguém soube explicar o porquê dos ferimentos e o corte dos cabelos, os médicos disserem que devia ser uma coincidência, que os corpos deviam ter ficado presos em algum galho e a correnteza acabou por rebentar os cabelos, os ferimentos deviam ter sido provocados pelas pedras do riacho.

Ela tinha apenas doze anos na época, desde então foi criada por sua tia, irmã de sua mãe. Muitas explicações místicas surgiram na época, devido o fato do sítio ter a fama de ser assombrado pela figura histórica do Saci Pêrere, que surgia de um redemoinho, e assombrava cavaleiros e moradores, com assovios e outras traquinagens. Mas Doroti nunca deu muita confiança para essas estórias, sabia que era muito mais certa a explicação dos médicos.

_ Com certeza estou sonhando! Como posso ter passado a cidade? Conheço o caminho como a palma de minha mão, nunca isso poderia acontecer.

_Deve ser um outro Sitio, isso mesmo, um outro, no interior os nomes de sítios sempre se repetem, ainda mais saci, um nome tão comum e tão presente na cultura desse povo. Tenho que achar a casa principal deve ter uma casa, um sítio sem casa não é um sítio.

Então retornou a caminhada, agora estava mais inclinada, seu corpo pendia para frente, como se o corpo não conseguisse acompanhar a consciência. Ela sentia a mata mais fechada, mas nem por isso diminuiu os passos.

_O que foi isso?

_Tem alguém aí?

Ela tinha ouvido algo, com a pressa de andar não teve certeza de que, se era um pássaro, um assovio ou um estalido de galho.

_ Estou perdida! Oi!

Ficou parada, a respiração parecia de uma maquinaria industrial, seu peito abria até o limite que se poderia abrir, o ar entrava como se estivesse escondendo de algo lá fora, ela sentia um sabor, um sabor que poderia ser da noite, pois nunca tinha sentido uma noite tão presente, era como se ela e a noite fossem uma só. Então começou a se mover, primeiro um pé depois o outro, logo em seguida ela já não sabia em que concordância os seus pés entraram, mas o corpo já estava quase que voando por dentro a mata.

_Quem esta aí? Estou só precisando de um telefone, ou um mecânico!

O silencio agia mais que uma resposta, ele voltava como um cuspe que se da para o alto e volta na testa.

Logo em seguida a dança dos pés recomeçou, um tango lúgrube em consonância com a mata, um rolar de cinturas, vão os braços, vem as mãos.

_Quem esta aí?

Agora a resposta veio em forma de um assovio, um canto de corujas, ela brincando de amarelinha na calçada, veio seu pai de chinelas prontas contar uma historia e sua mãe arfante preparar o jantar.

Com um choro engasgado, ela pergunta a si.

_ Quem esta aí? Mas ela também não responde, e o silêncio reina.

Poderia se ouvir uma música, acompanhando os próximos movimentos. Levanta, estica, abre os braços e vai. Volta Doroti ao movimento que não a levava a lugar nenhum.

Parada novamente, com a cara pálida, pois devia estar, já que é assim que as pessoas ficam nessa situação, ela agora não ouviu nada, só viu, o poste.

_ Como posso ter voltado, se andei reto?

A luz se mantinha igual, a placa nem tanto. O letreiro estava escorrendo, como se estivesse sido pintado agora.

_Então realmente tinha alguém aqui me seguindo, deve ser a pessoa que pintou a placa.

_Por favor! Ajude-me!

_E agora devo ir ou voltar?

Ela sabia que estando indo estaria voltando e se resolvesse voltar estaria indo, pois foi isso que tinha acontecido, uma volta sem ida.

Numa reprise de movimentos, viu uma mulher dançar na mata a dança das tormentas, onde se desfigura um ritmo com uma dança lenta.

_ Até que enfim!

Ela volta a ouvir o assovio.

_ Por favor, me escute, meu carro quebrou, estou precisando de ajuda!

O assovio que por massa não passa de ar, assim se comportou, naquele diálogo, não houve tato, houve uma expectativa, a massa de ar que zumbia não voltou a zumbir, a moça que gritava, nada voltou a falar, se o tempo tinha passado nenhum dos dois haveria de notar. engolindo algo entre saliva e consciência a moça segurou o ventre e rezou uma ‘Ave Maria’. O compasso de agora era um ralentando, ela queria ouvir o assovio, tentou se aclamar, respirou o mais intenso que pode, como se fosse a última vez na vida que iria tomar o ar. Então com o ar preso, tentou segurar o máximo que pode, tentando manter aquele que não se deve soltar nunca nesses momentos, e recomeçou.

_Por favor,...

A água na bica pinga, pinga e seca. Interrompida por um novo assovio, ela só se soube fazer tremer.

_..., estou precisando de...

Quando a navalha passa, tira o pêlo e deixa a pele descoberta. Esse novo assovio a deixou tonta.

_ ..., apresente-se, por favor!

_ Eu só quero...

Algo se moveu, não foi ela, sem se mover e louca para correr, Doroti tinha uma última esperança de acordar.

_ Eu pago! Não tenho muito dinheiro, mas posso pagar se me ajudar.

O silêncio capcioso a cansava, retornou a caminhada. Agora cada pé se escondia atrás do outro, como se cada membro tivesse sua própria consciência, seu corpo se arrastava por entre a mata. Logo já se via em disparada, seu pensamento estava anestesiado, seguia sem sentido numa ritmância sonolenta, logo foi levada para seu tempo de criança, lembrou de seus tios contando estórias para assustá-la na época de quaresma, das meninas brincando em volta da fogueira...

“Escravos de jó jogavam cachanga”...

Ela não ouviu isso.

_Eu não ouvi isso! Foi uma lembrança, só pode ter sido, estou cansada, com medo, preciso encontrar alguém.

Algo se mexeu na mata, um assovio trazendo uma angustia cortou todo aquele momento, restava-lhe agora o antes e o depois. Depois então ela correu, não para algo, mas de algo, não sabia e nem queria saber de que, ou quem, só queria, como uma criança birrenta, um colo, um sossego.

Parando bruscamente, sentiu que sua saia estava presa em algo, naquela escuridão não dava para ver nada, ela também não quis olhar, puxou a saia que quase rasgou, por um momento esperou que viesse mais um assovio, não que já tivesse se acostumado com o fato, mas já queria se conformar, não tinha força para relutâncias. O assovio que até agora se mostrava farto foi negado, ela só ouvia a respiração, o peito arfante era a única amostra de vida naquela situação. Seus passos não tinham ritmo, a estrutura descompassada em que se encontrava era só um reflexo de como estava por dentro. Logo em seguida estava presa novamente, só que agora não era a saia e sim os cabelos, que agora ela arrependia de ter deixado soltos, sentiu uma puxada, como quando era criança e os meninos queriam irritá-la, na verdade era assim que estava se sentindo toda aquela noite, como se alguém quisesse irritá-la, e estavam conseguindo.

Assim como ela fazia para que os meninos a deixassem em paz, ela não deu confiança para o fato, por ele não soltou nenhum lamento, refez a caminhada erguida, por uma vitória que só ela mesma entendia.

“ABRA CADABRA”

Se além do assovio, algo fosse dito, com certeza seriam essas palavras, como se terminasse começando ou começasse terminando, estava ela novamente enfrente ao poste, em frente a placa, em frente ao Sitio Saci, questionar o porquê? Isso ela não fazia mais, seu corpo era uma massa dormente para os sentidos filosóficos, ela queria um descanso em calma que fosse vigente.

Terminando no princípio em que tudo começou, ela novamente parou em frente ao poste, a placa continuava ali com os dizeres “Sitio Saci”, os escritos estavam em vermelho e escorridos com a tinta fresca. Passou a mão pela saia, para ver se o estrago tinha sido grande, o estrago foi muito pior do que ela imaginava, a saia, que ela pensava ter rasgado por estar mais curta, estava era com um nó, mas não um nó de embolado, como acontece quando se caminha rápido com uma saia longa na mata, mas um nó amarrado por mãos humanas.

Um café quente entra na boca e queima a língua. Antes mesmo de tentar fazer a conta para chegar a um resultado, ela passou a mão pelos cabelos, estavam trançados, em outra ocasião procuraria um espelho para ver se estavam bonitos, mas agora era o que menos importava, ela sabia que não estava usando tranças antes de ali chegar, nunca soube fazer tranças, nunca gostou de tranças. Em sua cabeça, como um unha que cortamos além da conta, vinha apenas um pensamento, a lenda do Saci, o duende que assombrava crianças do interior, como estivesse molhando as mãos antes de um banho frio, ela entrou e saiu, ela não acreditava nessas coisas ela era uma mulher estudada, ela não podia acreditar, ela não queria acreditar.

Tentando começar o que terminou, ela decidiu tomar o caminho avesso, em vez de ir voltaria, não poderia mais ficar dando voltas, como poderia, estar sempre andando para frente e acabando no mesmo lugar? Preferiria estar no carro, então saiu em disparada em busca da saída.

O tempo agora era o que menos importava, a situação estava em plena turbulência de ser. Doroti respirava em um compasso alternado, seu peito perdia a sensibilidade, presa num estado de sonambulismo, ela só se sabia fazer correr, corria como um animal em perseguição.

A mata agora estava com um leve cheiro, um cheiro estranho, algo tinha mudado, não tinha muita certeza a que cheirava, não teve nem tempo de pensar, a corrida já a estava deixando sôfrega e foi então que.

_ O que foi isso? Quem está aí?!

Ela sentiu uma baforada no rosto, um hálito podre de fumante havia sido expelido em sua face. Parada, esperava mais não ver do que realmente ver, pedia por uma cegueira, já sabia que não podia contar com ajuda, queria apenas sair daquele círculo onde se metera sem saber por quê.

Galhos começaram a quebrar em sua volta, algo ou alguém a circundava.

_ Quem esta aí? Não tenho nada, meu carro quebrou...

Um longo assovio preencheu o ar, algo muito lamentoso, vinha como se alguém estivesse em sua nuca, seus pêlos arrepiavam. As pernas de tremuras, se mostravam mais apavoradas do que ela mesma. O cheiro estranho começou a aumentar e tomar conta do espaço, sua boca seca de sede chegava a travar com o sabor provocado pelo odor.

_ ENXOFRE!

Colou-se rápido.

É enxofre! Repetia em sua mente, segurando bem apertado a boca, queria impedir que a palavra saísse e o que não era passasse a ser depois de nomeado.

É enxofre, é enxofre... Sua mente trabalhava intensamente, como se seu cérebro quisesse descansar de um segredo que pesasse muito.

Por um instante sentiu-se em paz, veio em sua memória a imagem de seu pai, e como num ato de carinho sentiu uma cabeça sendo depositada em seu ombro, só que este último ato não era um pensamento, o peso morto era pura realidade, uma coisa verdadeiramente física.

Sem ter a mínima curiosidade necessária para tentar descobri o que estava acontecendo, ela partiu em uma nova corrida, as pernas pareciam esta duas vezes mais rápida que o resto do corpo, ela podia as ver correndo por entre a mata.

Então certo como um dia vem depois da noite, eis que ela chegou no poste e a placa com os dizeres, Sítio Saci. Mesmo tendo mudado havia chegado pelo mesmo lado, o lado que saiu, como era possível?

Morta com uma bananeira, ela vivia a imobilidade dos assustados, a imagem agora vista era a mais assustadora de todo o trajeto, não pelo poste nem pela placa, mas era uma folha seca. Essa folha era a rainha da ópera, a bruxa de todos os contos de fadas. Sob a luz amarela e fraca do único poste, uma folha seca girava no centro de um redemoinho, sem nenhuma expectativa de sanidade ela se aproximou da folha, o cheiro de enxofre agora era sufocante, reinada por uma inércia de espírito, ela ficou um bom tempo sem noção de ser, de existir, dormindo de olhos abertos. Mais tarde, voltando a si, sentiu algo escorrendo no peito, era sangue.

_Sangue?

Fosse uma cabeça, fosse um galho, algo a feriu no pescoço. Uma lágrima rolou do seu lado direito, logo em seguida, como para dar um equilíbrio àquela face deformada pelo temor, uma outra lágrima desceu do seu lado esquerdo. Ela não queria pensar, não queria concluir.

Agora, mais decidida do que nunca, resolveu ir, nem para frente nem para traz, resolveu abrir cominho por si mesma, entrou na mata densa sem seguir nenhum trilho, nem estrada, só sua força quase esgotada.

Exaurida de qualquer atitude que pudesse ser sensata, Doroti submergia freqüentemente na falsa expectativa de um fim próximo.

Como um capitulo final de uma novela, todos os acontecimentos importantes começavam a se encontrar, como para prover um grande desfecho, o final da heroína ainda não fora escrito, a atriz, para o fim, guardara apenas uma agudo choro, aquele choro grandioso presente em todo fim.

“FOGO?”

_ Hã?

_Quem falou isso?

_Quem falou isso?

_Estou louca, meu Deus me tire daqui!

Certa de que devia esquecer o que se passava, tentou voltar a caminhar, só tentou, a saia estava presa, piada repetida não tem graça, mas ela também não estava pronta para sorrir, passando a mão pela sai viu um nó. Mais amarrado que aquele pedaço de pano, estava sua alma, a arte de saber não ser, nem estar, permite a pessoa concluir seus opostos, e assim acabam chegando ao retorno.

“FOGO?”

_Aiiiii!

Antes mesmo de poder questionar um fato, acontecia-lhe outro, seu cabelo que já havia sido trançado, novamente foi puxado.

_Meu cabelo?

Seu cabelo.

_Meu cabelo?

Ela não sentia mais seus longos fios de cabelo, teriam ficado ou ido, não sabia, se não fosse a insuportável fedentina de enxofre, teria respirado fundo, antes do longo choro, o último choro.

Os assovios agora se tornavam a melodia macabra embalando a tragédia.

Um pé, um galho, um lamento, assim ela ia, em meio a repetitivos acontecimentos, um novo som era a fonte da mais pura esperança.

_ Um riacho!

É verdade, de todas as idas e vindas, um rio nunca foi ouvido por ela, para quem vive de folhas uma única árvore pode representar o próprio Deus.

Além da sede que estava sentindo as horas, aquele rio representava um grande sossego que a chamava para o enfim descanso.

“FOGO?”

_Como?

... TIBUM...

A água no corpo

não molha apenas a alma,

o eco do corpo oco,

provocado pelo grande encontro

é somente uma medida.

Diga estrela,

diga luar,

nessa correnteza toda

há de alguém me encontrar?

Oh! Criança matuteira,

Cubra com feitiço suas brincadeiras,

Espante o lamento e o sussurro,

crie a magia no assovio da vida.

Proteja a tradição do sonho,

não acorde os homens do campo,

viva nos acordes dos cantos,

que do moinho de vento,

só se saberá o tempo.

Cobalto
Enviado por Cobalto em 23/01/2006
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