Van Gogh, 7° andar.

Mais um ano em curso pré-vestibular. Já era o segundo ano de Matheus e ele já não mais agüentava. Era um tédio.

Suas aulas começaram naquela segunda-feira, dia trinta e um de março. No Brasil, onde residia naquele ano, era época chuvosa e, de fato, aquele dia estava por demais chuvoso; chuva, relâmpagos e trovões. Cenário perfeito para estudar, é claro. O que fazer de melhor numa noite fria e de chuva que estudar? Talvez tomar chocolate quente de frente para televisão, assistindo a um filme de drama em casa. É, existiam coisas melhores a fazer, mas não, naquela segunda-feira Matheus estava assistindo aula de química orgânica ao lado de desconhecidos. Química! Pior que ela somente matemática e física, mas o que ele poderia fazer? Ir embora, oras! É claro! Como aquela idéia ainda não tinha passado por sua cabeça? Em cursos pré-vestibulares não havia horários restritos! Sem demora, Matheus arrumou sua mochila e foi embora. Chegando no hall do curso... Ótimo! Ele tinha esquecido seu guarda-chuva, e, embora a chuva não estivesse tão forte, ele se molharia na caminhada até o ponto de ônibus. Saco! Ainda assim, ao menos não molharia seu cigarro se ele fumasse com cuidado. Então, rumo a sua casa – e ao chocolate quente da mamãe assistindo “Casablanca”. Acendeu seu Malboro red, jogou sua mochila nas costas e saiu do curso.

Por que diabos a rua estava tão deserta se ainda eram dez da noite? Não se via nem um guarda-chuva apressado em meio aquela bruma de outono chuvoso. Ou melhor, havia sim... Um tanto distante, ele podia ver um guarda-chuva apressado. Era uma mulher? Sim, sim! Uma mulher baixinha, de cabelos longos e muito, muito apressada; talvez com medo do clima propício ao terror. Gente medrosa! O que tiver de acontecer, acontece independente do lugar! Mas, só Matheus pensava desta forma. Enfim... Deixasse a mulher seguir seu caminho. Trago em trago, ele acompanhava com os olhos a mulher ir se distanciando, afinal, ele não tinha medo, logo, estava caminhando, não correndo como ela; logo ela a perderia de vista se não fosse por aquele carro... PUTA MERDA! Por que infernos ela foi atravessar a rua correndo? Mas... Mas... O carro não a atingiu? Como? Ele viu o carro colidindo com ela! Não, não, não! Aquilo não poderia estar acontecendo! Ela continuava andando normal, ou melhor, apressada. Como se nada tivesse acontecido. Certo, certo! Seus olhos o enganaram, é claro! Embora seu coração tivesse acelerado um pouco e o medo tivesse se feito presente, ele decidiu saber mais. Matheus tinha que ir atrás da mulher! O chocolate quente e o filme poderiam esperar mais um pouco... Outro Malboro, ele precisava de outro. Seguindo-a, um cigarro atrás do outro, ele já nem sabia mais onde estava e aquela estúpida não parava de entrar e sair de ruas! Ao menos ela não havia percebido sua presença! Ao menos isso!

Ela fechou o guarda-chuva, ia entrar naquele edifício; PUTA MERDA DE NOVO! Ele sabia onde estava! Aquele edifício era o Van Gogh! E ela estava a pé? Quem em são consciência, que morasse ali, iria sair andando? No mínimo ela deveria estar em um Corola, no mínimo mesmo! O prédio era absurdo de luxo! Ah, mas é claro! Era deveria ser a secretária doméstica de algum apartamento! E como ela entraria lá? MEU DEUS! Outro carro! Não, agora ele tinha visto de perto! O carro passou por ela e continuava de pé, andando apressada! Não era possível! Passou e entrou no prédio que tinha a portaria vazia... Quantas coisas estranhas numa só noite! Van Gogh de portaria abandonada? Estranho, estranho. Bem, ainda assim, ele foi atrás dela e a viu entrar no elevador; correu até ele e antes da porta fechar, viu a fisionomia da mulher. Definitivamente, estava acontecendo algo ali e ela não estava apressada por causa da chuva, não, não... Algo de ruim a deixou naquele estado. A luz do elevador parou no número sete, ela desceu lá... Agora era a vez dele, certo? Errado! Ele não queria ir, mas não algo o impulsionava e quando deu por si a porta do elevador já estava fechando com ele dentro e o botão sete já havia sido apertado. Seu coração pulsava ferozmente contra seu peito, o medo já o fazia tremer e nada e cigarros! Detector de fumaça! Que ódio!

Sétimo andar. Corredor vazio e escuro. Luz por sensor. Tudo conspirava para seu medo crescer. De fato, naquele momento ele preferia estar derramando lágrimas ao fim do filme e terminado seu chocolate quente para acessar a internet. Definitivamente era melhor. A porta do setecentos e um estava entreaberta e de lá não se ouvia um ruído sequer. Estranho, estranho. Bom, ele tinha que entrar, afinal já estava ali, a poucos centímetros da porta, não é? Cautelosamente, ele abriu a porta, mas não viu nada que não móveis imbuia belíssimos... Onde estava a mulher? No quarto! Aquele grito tinha vindo do quarto! Quando chegou lá não viu a mulher, mas sim outra, agonizando no chão, chamando pela mãe. De repente, a mulher passou por ele assim como passou pelos carros, atravessando-o, correndo para ajudar a outra mulher, provavelmente sua filha. Num movimento súbito, um homem entrou no quarto também e acertou a mulher apressada... Agora ela estava deitada, sem vida, no chão, e a outra, sua filha, gritava, gritava, desesperada. O que porra estava acontecendo? O homem estava olhando para ele com ar de vitória e vindo em sua direção com aquela coisa de ferro na mão e o medo simplesmente se instalou dentro dele fazendo-o ter ânsias de vômito e... PUTA QUE PARIU! O chocolate quente derramou no sofá de tecido marfim! A mãe dele iria matar ele e só pra completar, ele não tinha visto o fim do filme... E ainda sim... Que sonho mais louco!