Perseguição Noturna
Comecei a correr no meio daquela rua deserta. Era madrugada, só havia prédios comerciais em volta, e por isso nenhum movimento humano. Os guardas noturnos, com aquele seu apito ridículo, raramente apareciam por aquelas bandas.
Enquanto eu corria, podia sentir o bafo quente no meu pescoço, ele estava perto. Comecei a pensar se eu não devia ter procurado um psiquiatra pra resolver meus problemas, assim como me aconselharam meus amigos. “Mui” amigos. Onde estavam eles agora? Com certeza tomando uma em algum dos bares agitados da cidade. Não estavam nem ai pra mim. Sei lá o que eles queriam. Acho que apenas livrar-se de mim. Um maníaco compulsivo, desequilibrado. Eu até tentei procurar um psiquiatra. Ele começou a fazer perguntas e mais perguntas, as primeiras eu respondi tranquilamente, mas depois, nada fazia sentido, o cara não dizia coisa com coisa. Não, o louco ali não era eu, levantei-me e fui embora: ele ficou ali falando sozinho.
E eu, um maníaco compulsivo, desequilibrado. Mas não sou assassino. Não sou homicida. Posso ter minhas manias: saio pelo mesmo canto que entrei, morro de medo dos germes, tenho mania de arrumação e fico muito, mas muito bravo quando falam mal dos meus gibis ou dos meus DVDs de desenho animado! Um cara de trinta anos não pode gostar de coisas infantis? Não gosto de bater em ninguém, a não ser por um motivo extremamente relevante. A última vez que bati em alguém foi quando debocharam do meu boné do homem aranha, acho que há uns dois meses atrás. Pow, era o boné do Spiderman!! Paguei caro por ele!! E ainda vem um safado pra tirar onda comigo!! Merece apanhar mesmo!!
Só que naquele exato momento não tinha mais boné nem ninguém pra me atazanar por causa dele. Havia apenas eu, a escuridão, os prédios, e o perseguidor. Passei a me questionar se havia mesmo o perseguidor ou se era a minha imaginação. Não, não podia ser a imaginação, eu vi, eu sei que vi. Tomei coragem e, sem parar de correr, dei uma olhadela para trás. Eu vi – por poucos segundos, mas vi – dois olhos vermelhos enormes, olhando pra mim com um ódio terrível, implacável, cada vez se aproximando mais, e ainda pude ouvir um rugido que parecia uma... sirene? Não, era um rugido como de um leão ou alguma outra fera voraz pronta pra me fazer seu prato principal!!
Quando voltei a olhar pra frente enxerguei um beco escuro. Perfeito!! “Ali eu vou me esconder e vou estar seguro, a fera não vai me ver, e se me vir, não terá como me alcançar, ela é grande demais pra entrar no beco!! Agora é torcer pra ela não saber cuspir fogo!! Que não seja um dragão cuspidor de fogo ou que não me veja entrar no beco!!!!”
Não hesitei mais e corri freneticamente pra dentro do beco sombrio. Achei um latão de lixo daqueles enormes, e me joguei dentro dele. Observei pela fresta do latão. Vi o brilho dos olhos da fera se aproximar. Torci para que passasse direto. De repente, parou. Os olhos estavam voltados para mim, a alguns metros de distância, na entrada do beco. Percebi que ela não podia entrar, era grande demais, como eu pensei. Esperei que ela desistisse, e que não inventasse de me queimar com a sua chama devastadora. Por alguns segundos ela não me atacou. Não sabia se isso era bom ou ruim. O que se pode esperar de uma fera assassina? Aqueles momentos de imobilidade foram interrompidos por discretos movimentos, no interior do beco. Mas não era a fera. Ela continuava lá, imóvel. O beco estava escuro e eu não estava conseguindo entender o que se passava. Após alguns segundos, pude enxergar o que era: duas pequenas... feras!!! Dois filhotes da fera!! Eles eram menores, mas não menos assustadores, e eram pequenos o suficiente pra entrar no beco!! Eu estava perdido!! Iria me ferrar!!! Estava cercado, iria ser devorado, sem sal nem tempero!!
Mas tive sorte. Ainda senti o dente da pequena fera se encravar no meu braço, como se fosse uma agulha. Não agüentei a pressão e desmaiei. Quando acordei estava aqui neste hotel. É um hotel meio estranho, a janela tem umas barras de proteção que fazem parecer uma prisão, acho que é por segurança, pra evitar assaltos ou que alguém estranho entre no hotel ou coisa assim. A porta é de metal e só tem uma abertura retangular pela qual de vez em quando alguém fica olhando pra mim. Quando eu for à recepção, tenho que me lembrar de reclamar disso, preciso de privacidade, não gosto de ninguém olhando pra mim. De vez em quando vem um rapaz vestindo um jaleco branco – uniforme estranho pra um funcionário de hotel, mas deve ser moda, não há o que se fazer – que me traz comida ou então me leva pra dar uma volta pelos corredores e pelo jardim do hotel. Conheci alguns hóspedes do hotel nesses meus passeios, tem gente boa aqui. Outro dia eu estava conversando com um tal de Napoleão, como era mesmo o sobrenome...? Ah, lembrei: Bonaparte, Napoleão Bonaparte. Ele me disse que pretende conquistar o Mundo. Pode ser que consiga, ele é inteligente. Vai saber, né?
Perguntei ao rapaz de jaleco o que havia acontecido aquela noite, quando eu fui perseguido pelas feras. Ele disse que eu confundi a ambulância com um dragão ou coisa parecida, e os enfermeiros com filhotes do dragão. Eu ri da cara dele. Ridículo. Querendo me enrolar. Eu sei o que houve. O governo sabia das feras, era um segredo do Departamento de Segurança Nacional. Eu descobri o segredo, então eles têm de me manter calado e protegido. Por isso estou aqui. Deve ser um programa de proteção à testemunha. Eles pensam que me enganam. Eu, confundir ambulância com dragão? É de rir mesmo. Eles estão ficando loucos.