Morava em um bairro cercado de favelas, velhas fábricas  e prédios invadidos. Minha casa ficava na rua principal em frente á estação de trem.
A padaria, farmácia, açougue e locadora fecharam após sucessivos assaltos. Um bar era usado como ponto de encontro de traficantes .

Quando anoitecia poucos se atreviam a sair. Vivia ou me escondia em um subúrbio carioca,  minha casa antiga e reformada, obra de uma vida inteira. Não valia nada no mercado. Muros altos e grades fortes mantinham o perigo afastado. Dois cães vigiavam a frente da casa.

Um dia acordei sitiada. Os traficantes mandaram os ônibus parar de rodar ou haveria quebra-quebra e incêndio. A delegacia recebeu reforços e as ruas principais foram ocupadas por policiais. Toda população de sobreaviso escondida em suas casas, aguardando o pior.

A primeira granada mandou um blindado pelos ares e iniciou a troca de tiros. Moradores das favelas, crianças e idosos estavam na linha de frente e foram atingidos. 

Inocentes obrigados pelo tráfico a formar um cordão de isolamento humano para dificultar a subida dos policiais. 

Estranhamente a mídia estava muda. Não havia nenhum carro de reportagem e os meios de comunicação continuaram a programação normal. Alguma coisa estava errada, pensei enquanto ouvia artilharia pesada respondendo ao fogo cruzado.

Meu alarme interno soou mais forte com a chegada dos helicópteros sobrevoando as favelas que cercavam o bairro.
 
Algum tempo depois o exército chegava ao local com muitos soldados e até tanques de guerra. Apavorada assisti a rua transformar-se em uma praça de guerra.
 Muitos feridos, granadas e tiros de todos os calibres. Gritos e desespero. A situação estava fora de controle e uma multidão descia as vielas das favelas ganhando as ruas, com paus, pedras e tudo que pudesse servir como arma .

Enfrentavam a polícia que revidava com tiros. O exército e seus jovens e inexperientes soldados não seguiram qualquer estratégia. O povo qual formigueiro tomou conta de tudo e dominou a situação.

Eu havia subido na laje e acompanhei a cena aterrorizada, milhares de pessoas corriam pelas ruas  quebrando tudo.
  
As Forças Armadas sofreram graves baixas. Reforços chegaram  por toda a madrugada e pela primeira vez os canais de televisão informaram a gravidade da situação.
Não havia mais nada a fazer, em todos os outros lugares da cidade a guerrilha urbana estava sendo travada. 

Muito mais que um simples confronto a provocação serviu para iniciar uma bem articulada armadilha. As facções haviam unido forças para deflagrar a baderna.
Milhões de desempregados e excluídos foram atraídos para a luta. Iludidos em suas causa políticas e sociais.

A cidade queimou e o pânico deu lugar á luta pela sobrevivência. Quem contava com meios de transporte aéreo ou marítimo fugiu com toda a família. Aeroportos ficaram congestionados assim como as principais saídas da cidade.

Todas as capitais estavam passando pela mesma situação e a falta de estrutura não permitiu que o contra ataque fosse montado a tempo. Dirigentes  não se entenderam enquanto os oponentes mostraram todo o poder da organização e revolta.

O país inteiro explodiu em incêndios  e assassinatos. Hospitais foram destruídos, mercados saqueados, sobreviventes procuravam abrigos e formavam grupos de resistência em guetos improvisados sob escombros.

Pela tv assisti o desembarque de soldados americanos intervindo após negociações e pedidos de ajuda do governo brasileiro. 
Não acreditei que um novo Iraque estava surgindo na minha terra.
Caças americanos riscaram nossos céus, mísseis apontando favelas e morros, em questão de minutos tudo estaria acabado.

Assisti o caos, ouvi as explosões e os gritos dos desesperados. O Rio de Janeiro aos pedaços, o povo brasileiro dividido em facções criminosas lutando contra o governo. 
Pensei na Amazônia, celeiro do mundo. Um esquema especial de proteção havia sido montado e até paises Europeus e Orientais estavam participando. 

A Amazônia não nos pertencia mais, havia sido declarada Área de Preservação Mundial, assim como outros pontos considerados parte comum ao Planeta.
Muitos discordavam mas foi uma decisão unânime do Novo Conselho das Nações Unidas. Regras e medidas emergenciais não são democráticas.

Os noticiários mostravam a situação sob controle. As Forças Armadas Americanas e Brasileiras em comum acordo. Imagens  de vários políticos  retornando ao Brasil, sorridentes e otimistas.
 
O governo mantinha o país sob controle e em nenhum momento a Soberania havia sido ameaçada. A mensagem era clara em todos os canais de TV.

Houve uma seleção para o extermínio dos  ''pontos nevrálgicos''. Estranhamente varreu as camadas mais pobres e problemáticas solucionando vários problemas.

Anúncios e apelos para que a população confiasse em novos tempos não me convenceram. Era hora de tomar uma decisão e eu não podia ficar escondida para sempre. Em algum lugar deveria haver outras pessoas que como eu não estavam conformadas com a entrega da nação. 

 Não sabia por onde começar, nem em quem confiar mas precisava ir em frente. Pela primeira vez senti que havia uma razão para continuar viva.
 
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 04/04/2008
Reeditado em 08/04/2008
Código do texto: T930165
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