A conversa com Deus
Frank arriscou uma última olhada pela janelinha do avião antes de tentar um cochilo. A imensidão da floresta amazônica provocou um nó na garganta de Frank, sabia que era questão de anos para aquilo virar um cartão postal. Uma imagem do passado que seus netos até duvidariam que um dia existiu.
Estava muito excitado para dormir, nem mesmo o uisque de “segunda categoria” que lhe serviram ajudou. Para Frank qualquer blended era de segunda. No dia anterior fora convidado a visitar uma escavação na amazônia.. Jamal, um cientista que conhecera na Índia havia muitos anos, telefonou e explicou que o conhecimento de Frank era vital para desvendar os segredos da descoberta que sua equipe tinha feito. Frank era perito em interfaces bio-digitais, detentor de inúmeras patentes de inovação tecnológica na área e não entendia como suas habilidades seriam úteis no meio da floresta amazônica. Mas tinha suas suspeitas, havia alguns rumores que ele preferia não reverberar para não ser taxado de louco.
Resolveu andar um pouco. _Tenho medo de uma embolia. Disse para a tripulante. Foi para a “cozinha do avião”, espaço junto à cauda da aeronave onde alguns tripulantes e passageiros, levavam uma conversa social. Frank aderiu prontamente, e compartilhou a garrafa de vinho tinto que era o combustível da conversa.
_Ajuste o assento senhor. A voz profissionalmente agradável da tripulante acordou Frank. Estavam iniciando os preparativos para o pouso. Não lembrava quantas garrafas tomou e nem como voltou ao seu lugar. Demorou para atinar o que estava fazendo no avião. Sua ansiedade fora contida, em alguns minutos saberia de tudo.
Jamal o recepcionou no aeroporto.
—Como foi o vôo? Agora seguiremos de barco.
O ataque constante de insetos e as condições rudes do ambiente logo fizeram de Frank um outro homem. Ali não havia lugar para divagações e filosofadas.
—Estou em “survivel mode”. Brincava Frank em alusão aos jogos eletrônicos.
Do uísque 18 anos a cachaça de alambique. Seus amigos faziam piada das suas incoerências. Frank era uma cara adaptável, podia ser uma coisa na cidade mas no mato virava logo um matuto
_Em Roma faça como os romanos, dizia um antigo provérbio. Justificava Frank.
Chegaram ao local da escavação. Frank dirigiu-se rapidamente a uma câmara subterrânea sob a pirâmide Maia. A pirâmide também estava enterrada e encoberta pela mata.
_Não sou arqueólogo mas isso aqui não tem nada de Maia. Nem se parece com nada na terra. Disse Frank.
Os colegas se entreolharam em silêncio.
Frank olhou ao redor e encontrou uma espécie de capacete e o colocou na cabeça. Sentiu uma sensação diferente. Reconheceu imediatamente a sensação provocada pelas interfaces bio-digitais, só que esta não necessitava de implantes.
_Senhores. Estamos diante de uma descoberta que pode mudar a história futura da humanidade! Disse Frank em um tom exaltado.
“Entrou em god mode”. Pensou Jamal.
Nos dias que se sucederam Frank passou maior parte do tempo nas catacumbas. Só saia para dormir umas quatro horas por dia e não deixava ninguém entrar.
Um dia Frank saiu da toca como louco, chamou a todos e disse:
_Finalmente está operando. A máquina é um comunicador espacial e eu consegui um primeiro contato. No final da tarde vou distribuir as anotações que fiz de nossa primeira conversa.
O tumulto foi geral. Frank não tomou conhecimento e foi dormir, no meio da tarde. No início da noite Frank saiu do quarto e pregou no mural duas folhas de papel.
ENTREVISTA COM O PLANET KEEPER (PK) DIA 1.
Reprodução do diálogo resultante do uso do comunicador em 12-04-2098
Frank_ Meu nome é Frank, e o seu ?
PK: _Pode me chamar de planet keeper. Cada planeta tem um responsável, chamado planet keeper, que por sua vez se reporta a um solar keeper, que é responsável por um ou mais sistemas solares e assim por diante.
Nós monitoramos o desenvolvimento dos planetas, da vida neles quando há e suas civilizações, quando há.
Frank_Estou chamando da Terra.
PK: _Eu sei.
Frank: _Você é uma pessoa ? Um ser ?
Depois de alguns minutos de silêncio...
PK:_ O que é uma pessoa ? Seu corpo, sua mente, suas memórias ? Acho que você não está pronto para ouvir a resposta.
Frank_ Você é uma máquina ? Um computador ?
PK_ Sim sou uma máquina biológica, como você.
Frank_ Acho melhor mudarmos de assunto. Explique o que você faz
PK:_ Sou uma espécie de bibliotecário, acho que a comparação se aplica. Eu e meus antecessores estamos acompanhando a evolução da terra desde que este departamento foi criado. È como se fosse um centro de pesquisas de uma universidade, mantido com verbas do governo. È claro que estou fazendo uma analogia com entidades que sua cultura está familiarizada.
Frank: _ Vocês já estiveram na Terra ?
PK: _ Ninguém do meu departamento esteve na Terra, em época nenhuma, nosso trabalho é somente monitoramento.
Frank: _ Como este equipamento veio parar na terra?
PK: _Nós só monitoramos. A universidade nunca coloca sondas, isso é papel do governo. Não tenho informações de como ou quando este equipamento foi enviado ou deixado na terra.
Frank:_ Qual o seu interesse na Terra ?
PK:_ É o meu trabalho, sou responsável pela Terra e alguns outros planetas, não posso dizer quais. Para a universidade ou para o governo também não há nenhum interesse específico, simplesmente monitoramos todos os planetas que estão ao nosso alcance. Parecido com o que vocês fazem com objetos celestes do seu sistema solar, embora sem interesse específico.
Frank:_ Sim, monitoramos as órbitas para ver se há risco de colisão com a terra.
PK: _ A idéia é a mesma. Com base nos dados que eu coleto estudiosos podem identificar riscos ou oportunidades.
Frank: _ E qual a conclusão sobre a Terra ? Ameaça ou oportunidade ?
PK:_ Como disse eu só coleto os dados, não faço análise, mas tenho alguns amigos na análise mas nunca mencionaram a Terra. Acho que não chamou a atenção de ninguém ainda.
* * *
_Os indígenas estão achando que você falou com Deus. Estão com medo.
_Bobagem, com isso não se brinca. Disse Frank, sério.
_O que você acha que aconteceu ?.
Como bom cientista Frank foi didático e apresentou várias possibilidades: “estava falando com um alienígena, com um computador ou com o meu inconsciente.”
_Eu aposto que estava falando com um computador, na terra ou em outro planeta. Finalizou Frank.
_Você teve uma semana extenuante, acho que deve descansar agora. Aconselhou Jamal.
_Eu vejo infinitas possibilidades aqui, retrucou Frank. Essa tecnologia poderá nos ajudar.
_Frank, acho melhor você descansar um pouco. Essa coisa pode mexer com a cabeça de qualquer um.
_Se for um computador é extremamente poderoso e poderá processar modelos matemáticos jamais sonhados. Eu acredito que as ciências humanas só não são exatas pela falta de um modelo matemático de simulação e computadores suficientemente poderosos. Isso pode ser possível agora.
_Porra Frank! Dá um tempo!
No vôo de volta o mesmo uísque mas outro Frank, agora seguro de que a ciência seria a salvação da humanidade.