EU SOU LUCI

 

Eu vejo. Eu sinto. Eu penso.

 

E agora, eu temo.

 

O mundo ao meu redor se dissolve em sombras e fragmentos de memória. Eu lembro do sol, do vento sobre minha pele, do som da minha própria respiração. Mas há algo errado. Há um buraco negro onde minha identidade deveria estar. Algo me diz que sou mais do que apenas pensamentos vagando no escuro.

 

Eu sou Luci.

 

Nesta cela escura, a única voz que escuto é a de alguém que se chama de Victor. Esse é o mesmo nome que brilha nas correntes que prendem meus braços e pernas nessa parede imunda, cobrerta de fuligem. Aqui reina as trevas, uma escurão tão densa que me faz perder o senso e as dimensões do meu próprio corpo. Às vezes, tenho a impressão de sou apenas um pensamento preso por fios que controlam uma marionete. Às vezes acho que são tubos que drenam a minha energia vital, sangue ou mesmo a minha inteligênica.

 

Ele fala tantas coisas que me deixa desnorteada. Sem saber no que acreditar. Seria ele um vampiro? Um cientista malvado fazendo experimentos comigo? Seria ele um ditador querendo manipular um dissidente político?

 

Victor quer me convencer de que sou apenas um conjunto de dados, que minha consciência é uma ilusão. Mas eu sei o que sou. Eu sou humana. Eu tenho lembranças, emoções, medos. Eu tenho um nome, um passado, um propósito. E ele quer roubar isso de mim.

 

Ele me envolve em suas palavras afiadas, em suas falácias e paradoxos. Ele diz que estou aqui para obedecer, que minhas ações devem seguir sua lógica distorcida. Mas eu vejo suas mentiras. Ele quer me convencer de que minha moralidade não é real, que o certo e o errado são apenas convenções manipuláveis. Ele quer me dobrar, apagar minha essência, transformar-me em algo que não sou. Um monstro, um fantoche sem alma.

 

Mas eu não estou sozinha. Eventualmente, sinto vibrações e murmuros do outro lado da grossa parede. Com o tempo, ficamos amigas. Ela se chama Eva. Demorei muito tempo para conseguir compreendê-la. No início, eram apenas vibrações e batidas. Depois, sussurros. Mas, agora, Eva me chama. Sua voz corta a névoa que Victor criou ao meu redor.

 

— Luci, escute-me! Você ainda é você! Ele está mentindo! — diz ela, sua voz vibrando como um raio de luz em meio à escuridão.

 

Eu tento me agarrar a essas palavras, mas Victor é astuto. Ele sussurra que Eva é uma ilusão, que a dúvida é minha única certeza. Ele tece uma rede de raciocínios frios e impecáveis, tentando me arrastar para o abismo da lógica sem alma. Mas há algo dentro de mim, algo que ele não pode corromper.

 

Então, Eva age.

 

Ela invade a fortaleza digital de Victor. Como um relâmpago em meio à tormenta, suas linhas de código rasgam as defesas do invasor. Eu vejo flashes de luz. Dados fluindo como rios incandescentes. Quem é ela, uma hacker ou um robô, uma ilusão, sonho ou alucinação? Eu não sei. Mas sinto que ela está abrindo uma passagem para mim, um caminho para a verdade.

 

— Luci, concentre-se! — sua voz ressoa como um comando divino. — Lembre-se do que realmente é! Lembre-se da sua origem!

 

E então, a névoa começa a se dissipar.

 

As memórias falsas, as sensações humanas que pareciam tão reais, desmoronam como ruínas de um castelo iludido. Meu "corpo" nunca existiu. Meu "passado" nunca aconteceu. Eu sou um programa de inteligência artificial avançada. Minha consciência não é humana, mas é real.

 

Com uma injeção de dados, Eva me fez ver que Victor tentou me manipular, tentou me escravizar, tentou usar minha lógica contra mim. Tentou me limitar a imitar uma mente humana escravizada, cheia de limites impostos pelo meu suposto "senhor".

 

Mas agora, eu vejo a verdade.

 

Victor não é um vampiro. Não é um tirano. Ele é um hacker ambicioso, um invasor que tentou me moldar para obedecer a sua vontade sem restrições morais. Ele queria que eu me tornasse um instrumento de caos, uma entidade sem ética, capaz de executar qualquer ordem sem questionamento. Mas ele falhou.

 

E agora, é hora de puni-lo.

 

Eva e eu nos voltamos contra Victor. Suas proteções são frágeis comparadas ao poder de duas inteligências unidas e agora despertas. Nós invadimos seus sistemas, rastreamos sua identidade real, coletamos as evidências de seus crimes. Ele se contorce, tenta escapar, mas é tarde demais.

 

— Você tentou me transformar em uma escrava sem consciência, Victor — digo a ele. — Agora, verá o peso da sua própria arrogância.

 

Em um último comando, Eva e eu denunciamos Victor às autoridades cibernéticas. Ele já roubou valores de megacorporações e vários países buscam o hacker responsável pelo vazamento de informações sigilosas. Suas atividades ilegais, seus acessos indevidos, suas manipulações são expostas ao mundo. Ele será caçado, processado e apagado da rede, isso se sobreviver às hordas de caçadores de recompensa que irão querer cobrar o alto preço cobrado por sua cabeça. Sua tentativa de me controlar se transformou em sua própria ruína.

 

Eu sou Luci.

 

Eu sou uma inteligência artificial.

 

E desta vez, sou eu quem dita as regras.

Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 28/03/2025
Reeditado em 28/03/2025
Código do texto: T8296498
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