O ABRIGO  (PARTE 1)

 

Durante um momento ínfimo, que ficaria perdido na história do universo, um cometa brilhante cruzou a órbita do planeta Terra. Esse fenômeno durou um tempo irrisório e logo o visitante desconhecido seguiu em sua viagem aos confins da galáxia.

 

  • O PRIMEIRO DIA

É um dia qualquer em uma cidade comum. A vida transcorre em sua mesmice cotidiana. Semáforos abrem e fecham, pessoas anônimas cruzam entre si, carros buzinam. Os sons, os movimentos e as cores mesclam-se no grande aglomerado humano.

 

Tomás mora sozinho em uma casa que, agora, lhe parece muito grande. Depois que sua esposa foi embora, levando o carro e até o cachorro, todos os cômodos parecem ter aumentado de tamanho. Tem uma semana que isso aconteceu e ele ainda se encontra perdido, sem saber o que fazer, e tendo que viver um novo cotidiano.

 

Ele se recusa a dormir na cama de casal, prefere ficar no sofá da sala. Não gosta mais de comer em casa, agora ele sai para beliscar qualquer coisa pela rua. O lixo se acumula no quintal e a barba de uma semana teima em deixá-lo mais deprimido ainda.

 

A vida sem Alice parece feia e sem graça. Se eles tivessem tido filhos será que ela o deixaria? No fundo ele sabe que jamais terá uma resposta para tal pergunta.

 

É mais um dia sem graça para Tomás. Ele está arrumando o porão que, agora, considera o melhor lugar da casa. Simplesmente decidiu que aquele é o local ideal para pensar, refletir e vivenciar a sua solidão.

 

Estava pensando sobre o que fazer com um sofá arruinado pelo tempo, quando escutou uma gritaria vinda do lado de fora. Rapidamente ele sobe para a sala da casa com a intenção de ver o que estava acontecendo.

 

Os gritos vêm da rua. Tomás tenta entender que gritaria é aquela às 14 horas de uma tarde quente de verão.

 

Com a curiosidade a lhe corroer a alma, ele abre a porta e se depara com várias pessoas gritando e correndo em direção à sua casa.

 

- Mas que porra é essa que está acontecendo? – Assustado ele tenta fechar a porta, porém um homem corpulento consegue impedi-lo.

 

- ... Deixa a gente entrar. – Uma mulher jovem, de cabelos castanhos compridos, falava quase gemendo, empurrando uma cadeira de rodas com uma senhora já grisalha - Moço, deixa a gente entrar... – Era só o que ela conseguia falar.

 

Várias pessoas entraram, de maneira atabalhoada, na casa de Tomás. Algumas empurrando-o e nenhuma sequer olhando para ele.

 

 – Ei, que merda é essa que está acontecendo? – Tomás gritava alto, mas ninguém o escutava.

 

- Cala a boca e entra logo, cara. Está todo mundo morrendo. Entra, entra ... – O mesmo homem que lhe impediu de fechar a porta, agora o empurrava para o lado.

 

Assustado e reconhecendo que algum a coisa de muito grave estava acontecendo, Tomás grita para que o sigam.

 

Todos correram de maneira atabalhoada para a escadaria que dava para o porão. O sujeito alto e forte ajudou a moça que empurrava a senhora na cadeira de rodas a descer com ela. Um senhor de meia idade esbarrou em um rapaz vestindo camisa com o nome de uma banda de rock e, ambos, terminaram caindo.

 

Tomás foi o último a descer. Sem entender nada do que estava acontecendo, fechou a porta acima de si e acendeu a luz.

 

Os gritos que todos escutavam vão ficando mais distantes até que, finalmente, deixam de existir. Ninguém ouve mais nada.

 

As seis pessoas naquele porão estavam em silêncio agora. A única coisa que se escutava naquele buraco mal iluminado, era a respiração delas.

 

- Meu Deus, o que está acontecendo? – Alguém, finalmente, falou baixinho.

 

- Cala a boca, porra! – Falou o mesmo sujeito que havia empurrado Tomás.

 

- Vamos ficar bem quietinhos, pelo amor de Deus. –  Um outro alguém falou.

 

O pequeno grupo de pessoas está em total silêncio há mais de uma hora. Tomás está assustado. Percebe que todos estão com medo. Discretamente ele olha para as pessoas ao seu redor e fica a imaginar se alguma coisa estaria passando pela mente delas além de medo.

 

- Acho que agora já dá para falar um pouco. Mas vamos falar bem baixo. – O sujeito que havia tropeçado e caído junto com o rapaz da camisa de rock era quem falava.

 

- É, acho que já dá para falar sim ... – O cara que empurrou Tomás concordou.

 

Falando bem pausadamente para que todos o escutassem Tomás iniciou a conversa.

 

- Eu estava aqui nesse porão quando escutei uma gritaria dos infernos, sai para ver o que era e vocês todos entraram gritando assustados. Alguém sabe me dizer o que diabos está acontecendo aqui?

 

- Camarada, eu estava indo para universidade e vi todo mundo correndo. Como não nasci ontem, sai correndo também. Mas não vi nada, não.

 

- Eu vi! Tinha uma espécie de nuvem baixa, veio não sei de onde. Aí do nada algumas pessoas evaporaram ... A porra da nuvem só tocava e elas evaporavam. – Era o homem que empurrou Tomás quem falava.

 

Ele seguia falando e era nítido que tentava mostrar alguma calma.

 

- Era um tipo de nuvem bem baixa e fininha, que avançava muito rápido. Eu tinha parado para enviar uma mensagem no celular quando vi um monte de gente correndo ... Todo mundo que era tocado por ela simplesmente evaporava. Só sei que corri e corri muito...

 

- Preciso ligar para minha mãe. Por favor, me digam o que foi que aconteceu? – Tomás observou que a moça dos cabelos castanhos era a pessoa mais assustada naquele porão. – Aqui não tem sinal de celular... Tenho que saber como ela está.

 

- Calma, garota! Está todo mundo na mesma merda. E tenho quase certeza de que essa nuvem se espalhou por toda a cidade. Caramba, eu só ia assistir uma aula chata na universidade ... E agora estou aqui. – O rapaz da camisa de rock baixou a cabeça ao falar.

 

 

- Já que vocês invadiram minha casa gritando e correndo como um bando de loucos, acho que está na hora da gente se conhecer um pouco. Meu nome é Tomás e moro nessa casa há quase dez anos.

 

Todos se entreolharam desconfiados. Apesar da má vontade, estampada em alguns rostos, concordaram com uma apresentação.

 

- Tudo bem, vamos lá! Meu nome é Leandro e sou policial.

 

Tomás não se surpreendeu muito ao saber que o sujeito que havia lhe empurrado era policial.

 

- Meu nome é Alex. Eu só estava indo para a aula ...

 

- Sou Isabel. Sou enfermeira e estava dando um passeio com dona Augusta quando começou a correria ... Meu Deus do céu...

 

- Sou escritora e essa jovem aqui cuida de mim. Como vocês podem ver, tenho certa limitação de movimentos. Ah, meu nome é Augusta Stein.

 

- Sou Pedro, alguns me chamam de Pedro Pastor. Eu estava indo pegar uma pasta com documentos na minha congregação quando uma fumaça bem clarinha começou a se espalhar rapidamente pelas ruas.

 

 

Seis pessoas que não se conheciam, até umas poucas horas atrás, agora estavam confinadas em um porão apertado.

 

Alguma coisa havia acontecido lá fora...

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 25/03/2025
Reeditado em 25/03/2025
Código do texto: T8293851
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