Família
Zakaria Niang recebeu com surpresa a notícia de que havia sido escolhido (juntamente com sua família) para gerenciar um dos empreendimentos agrícolas dos senjanw, num planeta fora do Espaço Conhecido. Como este tivesse um nome impronunciável em senjanw, os colonos humanos o chamavam de "Sama". Era extremamente difícil conseguir um visto de trabalho para Sama, embora os senjanw priorizassem humanos pela sua elevada adaptabilidade.
No embarque para o planeta, conheceu outras duas famílias (os Djikine e os Togo, com quatro membros cada, como a dele), que também seguiam para o mesmo destino. Todos muito satisfeitos pela possibilidade de criarem os filhos em contato com a natureza (por mais exótica que fosse), e não nas megalópoles poluídas onde normalmente os humanos de classe baixa como eles viviam.
- E nós fomos autorizados a criar nossa própria colônia no planeta - explicou Hassana, a chefe da família Togo. - Eles só limitam a quantidade de residentes, porque...
-... porque nós humanos costumamos nos expandir sem controle - concluiu com uma piscadela Maria, a chefe dos Djikine.
- Parece uma boa precaução - aprovou Zakaria. - A maioria dos planetas onde vivem humanos limita o número de filhos por casal a dois.
O contrato de trabalho que os colonos haviam assinado, vinculava sua permanência em Sama à metas de produção. Caso elas não fossem cumpridas dentro de um determinado prazo, poderiam implicar na perda do visto de residente. Em resumo: expulsão do planeta.
- É um risco que podemos correr - explicou Zakaria para sua família. - Com o dinheiro que vão nos pagar, mesmo ficando lá por apenas um ano, poderemos comprar um lugar melhor para viver se tivermos que voltar para casa.
E tendo isso em perspectiva, as três famílias desembarcaram no destino e foram alocadas para unidades agrícolas adjacentes.
* * *
Os problemas surgiram para as Togo no início do segundo ano. Hassana e sua esposa, Aissa, tinham duas crianças com menos de dez anos de idade, e uma delas vivia com problemas de saúde (contraídos muito provavelmente no mundo natal de onde as três famílias haviam vindo). Com isso, os cuidados com a produção caíram para abaixo do ótimo, e viram-se na iminência de não conseguir cumprir a meta no prazo. Hassana foi procurar os Niang para pedir ajuda.
- Você quer que lhe demos parte da nossa produção, para que você possa completar a sua? - Questionou Sita, a esposa de Zakaria, mãos nas cadeiras.
- É só um empréstimo - justificou-se Hassana, tentando não parecer desesperada. - Na próxima colheita, elevamos a produção em 20% e eu pago o favor.
A proposta era arriscada, pois qualquer variação mínima na entrega poderia acender um alerta amarelo na administração senjanw. Mas os Niang estavam tendo um bom ano e acabaram ajudando a vizinha.
No ano seguinte, contudo, a situação se inverteu: os Niang haviam tido problemas na aplicação de defensivos agrícolas e isso levou a uma perda catastrófica de 30% da produção. Contavam com a devolução do empréstimo do ano anterior para equilibrar suas metas, mas as Togo também haviam registrado quebra, e se devolvessem o combinado, também ficariam 30% abaixo do combinado. Em suma, ninguém iria sair ganhando daquela vez.
- Eu sabia que não devíamos ter confiado naquelas duas - remoeu Sita Niang.
- Essas coisas acontecem - tentou minimizar Zakaria. - Ninguém pode prever o imprevisível.
Mas sabia que precisava dar uma excelente justificativa para seus patrões senjanw antes que fosse expulso do planeta com sua família.
- Sua unidade está 30% abaixo da meta - disse impassível o supervisor senjanw, após ouvir a triste história de Zakaria. - Você sabe o que isso significa.
- Nossa perda seria menor, se um empréstimo que fizemos ano passado às Togo, houvesse sido pago - acabou confessando Zakaria.
- Interessante - replicou o supervisor. - Você arriscou a permanência da sua família no planeta apenas para ajudar estranhos?
- Bom, na verdade elas são minhas vizinhas, não estranhos - defendeu-se Zakaria.
A expressão indiferente do senjanw não se alterou.
- Para o meu povo, quem não é da nossa família é considerado estranho; não fazemos esse tipo de favor para estranhos - insistiu. - Você está prestes a perder o seu visto de permanência e agora só há uma maneira de continuar por mais um ano e tentar cumprir a meta.
* * *
Zakaria explicou pacientemente a proposta feita pelo supervisor para Hassana e Aissa Togo, tendo plena consciência de que, caso elas não aceitassem, era fim da linha para os Niang. Surpreendentemente, após ouvir em silêncio, ambas se entreolharam e fizeram um aceno afirmativo de cabeça.
- Nós concordamos - verbalizou Hassana.
- Vamos precisar fazer o transporte do nosso módulo - ponderou Aissa, referindo-se à habitação premoldada onde residiam com os filhos.
- Eu achava que vocês não iriam aceitar - admitiu Zakaria, aliviado.
- Nós tínhamos que aceitar - atalhou Aissa com firmeza. - Era a coisa certa a fazer. Ano passado, você nos ajudou; tínhamos a obrigação de retribuir o favor agora.
- Vamos perder as nossas terras, - completou Hassana - mas podemos trabalhar para você e sua família, até que apareça outra oportunidade. Melhor isso do que ter que ir embora de Sama.
E foi assim que os Niang acolheram suas vizinhas em sua unidade agrícola. Não mais estranhos; agora, eram uma só família.