De Forpost para o mundo

Quando Jepp disse que gostaria de ser um itinerante, o engenheiro Guerino ergueu as sobrancelhas.

- Você passou três anos estudando comigo, formou-se como o melhor aluno da turma, e agora me diz que quer ser um itinerante? O que pretende fazer? Consertar chocadeiras em granjas?

O jovem Jepp achou divertida a possibilidade, mas fez um gesto negativo com a cabeça.

- Não, mestre. Eu não quero ser itinerante aqui, em Forpost; quero ir para as Terras Desoladas e tentar chegar à antiga capital, a Cidade Morta.

Guerino coçou a cabeça, praticamente calva.

- E essa, agora. Isso implica atravessar o Mar Ocidental e depois se aventurar por uma região onde basicamente só existem tribos selvagens... inclusive, se formos dar crédito a tudo que dizem, até mesmo canibais!

- Estou a par dessa possibilidade, mestre - admitiu Jepp. - Mas se há ainda algum lugar neste mundo, onde possam existir máquinas dos Antigos mais avançadas do que as que temos aqui, esse lugar é na Cidade Morta. Imagine se eu puder voltar com o conhecimento de maravilhas das quais só ouvimos falar? Por exemplo, as máquinas voadoras...

Guerino o encarou com desconfiança.

- Jepp, nunca vimos nenhuma máquina voadora em funcionamento; o mais razoável é imaginar que foram todas destruídas no início da rebelião, séculos atrás. Se ainda existissem em algum lugar, já teriam aparecido por aqui.

- Mas talvez eu possa recuperar projetos dessas máquinas e com isso, quem sabe, poderemos voltar a construí-las? - Sugeriu o rapaz.

- Você deve estar ciente de que havia um outro tipo de máquina, e essa não vamos querer trazer de volta do passado - advertiu-o o engenheiro. - A do tipo autônomo, com inteligência própria. Acabaram se revelando perigosas demais, mesmo que tenham sido reprogramadas para lutar ao lado dos Antepassados contra os invasores.

Jepp estava ciente de que as tais máquinas haviam causado tamanha destruição que, quando os invasores finalmente bateram em retirada, a capital e a grande maioria das principais cidades haviam sido quase totalmente destruídas, e os residentes que não conseguiram sair a tempo durante os conflitos, mortos. A população global, que um dia fora de algumas centenas de milhões, hoje talvez não passasse de algumas dezenas de milhares, dos quais talvez um quinto vivia em vales interconectados entre as Montanhas de Rembert, a região conhecida por Forpost, o Posto Avançado. O que ele não iria revelar ao seu mestre é que seu interesse na Cidade Morta não se resumia a obtenção de tecnologia avançada, mas em saber se ainda restara algo daquela que trouxera os homens - e depois deles, os invasores - das estrelas até ali.

Jepp sonhava em ir até a Cidade Morta, e de lá, conseguir um meio de sair daquele planeta e descobrir o que acontecera aos Antepassados, e porque jamais haviam voltado ali. Lhe afligia a ideia de que os moradores de Forpost e os bárbaros remanescentes no entorno das cidades destruídas, fossem tudo o que havia restado da espécie humana...

* * *

Sendo órfão e criado desde pequeno no internato da guilda dos mantenedores, Jepp não tinha parentes para se despedir quando decidiu partir. Mas seu melhor amigo, Lubin, o acompanhou até o posto de muda no Passo de Till, de onde mercadores desciam as montanhas para comerciar com os pequenos assentamentos costeiros do Mar Ocidental.

- E se você não for comido pelos canibais, ainda espera voltar aqui algum dia? - Questionou Lubin.

- Essa é uma boa pergunta - admitiu Jepp. - Creio que se minha busca obtiver êxito, a probabilidade de que eu volte é bem pequena.

- Você está falando do... - Lubin apontou para o céu nublado sobre as montanhas.

- Sim - Jepp fez um aceno de cabeça. - Se eu conseguir, prometo que darei um rasante sobre a vila, para que todos vejam que consegui minha passagem para fora deste mundo.

Lubin o encarou com um misto de admiração e receio.

- Acho melhor você não fazer esse voo rasante - sugeriu. - Ou talvez não lhe permitam voltar; todo mundo aqui, inclusive eu, temos receio dessas máquinas que voam.

Jepp jamais iria admitir que também abrigava este medo, mas que contava com os conhecimentos obtidos ao longo dos anos de curso para vencê-lo. Afinal, ele era um descendente dos Antepassados, e estes haviam cruzado as estrelas até ali.

Jepp iria provar que era digno deles.