Céu azul, céu vermelho
- Preparar para separação do módulo de comando - anunciou a piloto Stella Yevgenievna para suas companheiras a bordo da "Krasnoye Nebo", a comandante Lisenka Nikolayevna e a engenheira de voo Alla Afanasievna. Todas já estavam preparadas para aquele momento, e não havia muito a ser feito, apenas esperar; todavia, aquele instante marcava o ponto de não retorno. Nenhuma correção de curso de grande porte seria possível após a separação dos módulos: estariam basicamente por conta da força da gravidade da Terra, que enchia o visor do exíguo módulo de pouso.
- A postos - redarguiu a comandante.
Uma pancada surda seguida de um pequeno estrondo ouviu-se dentro da cabine: o módulo de comando havia sido alijado. Ele queimaria na atmosfera enquanto o módulo de pouso, após fazer um giro de 180º e posicionar o seu escudo térmico para baixo, começaria a descida controlada que colocaria as três cosmonautas de volta à superfície do planeta de onde haviam partido dias antes, para a mais espantosa aventura jamais vivida pela espécie humana: tocar pela primeira vez a superfície de um outro corpo celeste.
- Estamos a caminho, senhoras - anunciou gravemente Stella Yevgenievna.
- Ainda podemos ter esperança nos seus cálculos, Alya? - Indagou a comandante para a engenheira de voo, a qual estava sentada do seu lado direito, por trás do assento da piloto.
Alla Afanasievna fez um aceno afirmativo.
- Fiz o melhor que pude nas presentes condições, comandante. Mas, como já conversamos, Baikonur não nos traria de volta se houvesse uma possibilidade, mínima que fosse, de que pousássemos em território hostil. A nossa carga é importante demais para que arriscassem a sua captura.
A comandante pareceu conformar-se.
- Eu morei cerca de um ano na Valáquia, depois do Armistício. Foi lá que fiz o meu treinamento prático, vocês sabem - comentou.
As outras duas mulheres sabiam, pois a comandante gostava de falar sobre o período em que estivera em Târgoviste e conhecera Carla Voiculescu, hoje ocupando o cargo de primeira-ministra do reino dos Balcãs.
- Imagino que ela já deve ter preparado uma operação de guerra para nos receber - prosseguiu. - Os valaquianos sabem que o Reich pode querer quebrar o Armistício e atacar com tudo o que tem.
- Essa é a última chance que vão ter - avaliou a engenheira de voo. - E eles falharam na anterior.
- Graças à Stella! - Riu a comandante, subitamente parecendo mais relaxada.
- Senhoras, espero que meus serviços táticos não sejam mais requisitados até voltarmos à Rússia - comentou a piloto, atenta para os mostradores que mostravam o progresso da descida.
Pelo visor da cápsula, o negror do espaço começou a ser substituído por gases ionizados incandescentes, à medida em que o módulo de pouso adentrava a atmosfera da Terra. As três cosmonautas calaram-se. Aqueles seriam momentos de tensão até que atingissem a altitude necessária para abrir os paraquedas. Finalmente, um solavanco percorreu a cápsula espacial, quando o paraquedas secundário abriu-se. Instantes depois, foi seguido pelo principal e a velocidade de descida foi sendo reduzida até atingir cerca de 20 km/h.
Alguns quilômetros abaixo, o escudo térmico foi ejetado, seguido pelos tanques de combustível e oxigênio. Pelo visor, a piloto viu que havia dois helicópteros acompanhando a descida da cápsula à distância, os símbolos de identificação claramente visíveis.
- A Força Aérea da Valáquia está aqui! - Anunciou exultante.
E calou-se novamente, porque estavam entrando na fase final do pouso, onde falar poderia ocasionar algum corte na língua ou mesmo fratura na mandíbula.
Finalmente, a cerca de 70 cm do solo, os retrofoguetes foram disparados e a cápsula tocou suavemente o solo. A força da gravidade abraçou as cosmonautas e fez com que parecessem pesar o dobro do normal.
- Acho que preciso entrar num regime - suspirou Lisenka Nikolayevna, abrindo os fechos do cinto de segurança e colocando o assento em posição vertical.
- Ejetando os paraquedas - anunciou a piloto, acionando o mecanismo de desengate para evitar que a cápsula fosse arrastada, agora que estavam em terra. Finalmente, aguardaram até que a primeira equipe de resgate chegasse até o módulo de pouso e a escotilha de acesso fosse aberta. Os rostos sorridentes de dois técnicos valaquianos surgiram contra o céu azul lá fora.
- Bem-vindas à Valáquia, camaradas! - Exclamou em russo um deles.