Professor GPT
PROFESSOR GPT
A. A. D. Akênio
Era um dia atípico na única escola do distrito 9. Os alunos estavam apreensivos com a chegada do novo professor, o professor GPT. Tinha esse nome esquisito porque era uma inteligência artificial acoplada num corpo humano sintético. GPT modelo nº 3 era seu nome completo. Os professores GPT eram a nova empreitada do partido, eles prometiam revolucionar a educação
- Chegará o glorioso dia que não precisaremos mais de professores humanos, tudo que um humano faz o nosso modelo GPT faz, e faz muito melhor – anunciou o ministro da educação numa transmissão em rede nacional.
Os relógios marcavam treze horas e pontualmente GPT entrou na sala nº4 para começar a aula. Aquela figura de metal imponente causou um leve desconforto na turma.
- Boa tarde, turma – proferiu GPT, com uma voz metálica desafinada
- Boa tarde – respondeu a turma em conjunto
- Hoje nossa aula será de matemática, vamos começar com uma operação simples. Alguém sabe quanto é dois mais dois? – Perguntou o novo professor
- Quatro – respondeu um aluno no canto da sala
- É quatro, que pergunta mais fácil! – respondeu outro
O professor de metal ficou alguns segundos imóvel, fazendo aqueles barulhos típicos que as máquinas espalhadas pelas ruas sujas do distrito fazem, e em seguida escreveu na lousa algo que deixou os alunos ainda mais desconfortáveis. Ele escreveu:
- 2+2=5.
O silêncio tomou a sala por alguns instantes, as crianças olhavam desconfiadas umas para as outras e sala começava a esfriar muito, devido os dois ares-condicionados que ficavam sempre na temperatura mínima. O frio os deixava mais tensos.
- Eu tenho quase certeza que são quatro, o professor antigo nos ensinou assim - disse um aluno da frente interrompendo o silêncio.
- Quase certeza é o que você tem – respondeu rapidamente o professor – mas eu tenho certeza absoluta que são cinco. Eu nunca erro. Errar é uma característica humana, seu professor antigo te ensinou errado. Dois mais dois são cinco – repetiu GPT, com um tom mais firme.
O sino tocou e a aula acabou. Cenas parecidas com essa ocorreram nas escolas de outros distritos, já que o partido tinha enviado cinquenta modelos para o teste inicial. No distrito nº 12, na aula de Geografia, outro professor GPT ensinava. Na aula em questão, ele afirmou que a terra era plana, e os alunos ficaram embasbacados.
Na verdade, em todas as escolas que experimentaram o novo modelo de ensino, uma dúvida ficava na cabeça dos alunos e dos professores humanos: será que tudo que aprendemos está errado? Eles se perguntavam isso porque o que era considerado certo e errado, verdadeiro e falso poderia mudar a qualquer momento. A verdade não pertencia ao povo, aos professores ou a qualquer proletário o comum, A verdade era emprestada e poderia ser tomada a qualquer momento.
Foi exatamente o que o partido fez. O ministro ouviu sobre os relatos nas escolas, mas não poderia admitir um erro de um produto tão inovador do governo, uma inteligência sobre-humana, que não perde tempo pensando besteiras sobre sua própria existência. Na verdade, o GPT não pensa sobre nada, ele só obedece e repete, diferente dos humanos que questionam sobre tudo.
Então o ministro foi à TV novamente para fazer o anúncio que a partir daquele dia dois mais são cinco, que a terra plana e tudo mais. – Na verdade sempre foram – ele afirmou. E as pessoas aceitaram isso, pois não tinham outra opção.
No outro dia, na sala 4 do distrito 9, o professor GPT entrou pontualmente às 13 horas. Os alunos não estavam mais tão desconfortáveis, pois já tinham sido garantidos que foi dito era confiável e que os novos professores nunca erravam.
- Boa tarde, vamos continuar de onde paramos na última aula, eu havia feito a pergunta: quanto é dois mais dois? – Disse GPT
- Cinco, responderam todos – com muita convicção
- Na verdade, eu refiz meus cálculos e cheguei à conclusão de que dois mais dois são quatro. – Redarguiu a figura metálica
Nesse momento, aquele desconforto retornou aos alunos e se perguntaram novamente: será que tudo que aprendemos está errado? Mas esse pensamento não faria diferença, pois o governo poderia mudar a verdade de novo e de novo e o povo nunca teria certeza de nada. A pergunta correta a se fazer é: “Quando teremos liberdade para decidirmos nós mesmos o que é certo ou errado?”
Alguns cidadãos insatisfeitos com a opressão do partido começaram a se fazer essa pergunta. Adotaram o lema “Liberdade é o direito de dizer o óbvio.” Uma pequena brasa de revolução começou a acender nos corações daqueles que ainda tinham alguma determinação. Inevitavelmente a brasa se espalha e se torna uma grande chama que incendeia e queima de verdade; mas essa já é outra história, por enquanto o que vemos é apenas fumaça, e todos os dias os GPT fazem chover. Ainda assim, o inverno não dura para sempre.