Olhos Grandes (Microconto)
Era uma quinta-feira ensolarada na fazenda e o clima, anunciado pela brisa, relativamente agradável. Estava realizando meu trabalho de avaliar o pasto quando a noite chegou (o tempo passa rápido quando não se tem distrações). Como funcionária mais antiga, era minha obrigação conferir tudo.
A Lua prateada brilhava intensamente sobre as colinas. Sem nuvens, parecia um disco... E era um disco. Foi quando senti uma luz quente, pegajosa, sublime. De um zumbido incomum. O odor séptico invadiu minhas narinas naquele círculo de fogo. Quando me dei conta, já estava sendo carregada por uma força desconhecida.
Meu nome é Lola. E estou agora a mil metros do chão. Flutuando. A segunda vez nessa semana. Só que lúcida, como da primeira vez. Então já sei o que vem a seguir.
Lá vêm eles. Sou transportada até uma sala panorâmica, de vidro transparente. Pelo menos, o horizonte é bonito daqui de cima. O pasto, a fazenda, as colinas, o lago e a casa de campo. Tudo tão pequeno e sutil. Mas não sinto medo. Tento emitir algum som. Minha voz não sai. Isso os deixa apavorados. Eles olham entre si e apalpam minhas costas, de uma forma desajeitada. Estranho. Já ouvi histórias parecidas, mas não assim. Dizem que “eles” escolhem de forma aleatória. Não comigo.
Fios pequenos, de uma coloração vívida, são colados em minha testa. Tenho um impulso de sair correndo, mas a curiosidade me mantém presa, assim como as cintas ao redor do meu corpo. Até que surge uma sensação agradável. Seja lá o que for que injetaram, a dopamina começa a fazer efeito. E percebo que, até semana passada, não sabia direito o que era dopamina. De alguma forma eu conheço aquele maquinário indescritível.
Um deles me encara friamente (aqueles olhos grandes já não me assustam). Aperta alguns botões numa placa de vidro e aguarda a reação. Um líquido viscoso flui até uma jarra de vidro. Sinto-me mais inteligente. Parece uma troca de informações. De repente sei como melhorar o pasto, como gerenciar melhor a fazenda, como resolver a questão dos detritos e como utilizar tecnologia verde. Ali, naquele momento, poderia até solucionar todos os problemas do mundo. A jarra é trocada por outra. Quase consigo entender seus estalidos. Então a sensação de dormência ressurge. Quando ia perguntar o que estavam fazendo com meus fluídos, apago. Fica para outra vez.
Amanhece.
Meu nome é Lola. E estou agora deitada no chão. Descansando. A segunda vez nessa semana. Levanto-me e espero a gravidade fazer efeito. O conhecimento retido flui, de forma natural. Não posso perder tempo. Preciso compartilhar o que sei, antes que esqueça. Dirijo-me até a varanda da enorme casa de campo e aguardo o dono aparecer. Sem citar a fonte, vou lhe contar como prosperar de forma sustentável. Isso trará benefícios para nós dois (e para a fazenda, é claro). Lá vem ele. Com um sorriso estampado naquele rosto alto e magro, ele retira o chapéu de palha e acena de forma efusiva.
― Bom dia, Lola! – Ele diz, aguardando resposta.
Com coragem, encho o peito e respondo sem demora. No entanto, na ânsia de contar o que sei, esqueço-me de um pequeno, porém essencial (diria até crucial), detalhe.
― MÚUU! – Respondo em voz alta.
Pois é... “Eles” também esqueceram.