A Fenda
Por Alan Marcos
Passaram-se alguns anos desde que meu tio Edgar Vince partiu e se isolou numa cidade distante. O período que antecedeu sua partida é sempre relembrado por pessoas que foram testemunhas da estranheza comportamental do antigo bibliotecário que por muitos anos trabalhou no Colégio Estado Central. No ano de 1962, ele abandonou a cidade inesperadamente e deixou apenas um rastro de mistério e dúvida atrás de si. Depois disso, entrou em contato pouquíssimas vezes, mas não informou seu paradeiro e sequer deu algum esclarecimento. A história do meu próprio isolamento se entrelaça com um passado amargo que não gosto muito de lembrar. Encontro-me sozinho nessa velha casa, corroído pelo remorso, despido de tudo e de todos. De fato, isolado. O tempo, que dizem curar tudo, não será capaz de fazer nada a meu respeito.
Em 1974, eu era advogado com alguns casos para resolver, tudo corria dentro da normalidade e eu realmente não esperava envolver-me num mistério sem precedentes relacionado ao passado.
Em setembro desse mesmo ano, recebi uma correspondência muito inesperada. O remetente? Edgar Vince. Na carta ele me convidava para fazer uma visita em sua casa na distante cidade de Resguardo, no sul de Minas, onde supostamente residia. O tom de urgência ficara nítido na correspondência e pude notar que as letras estavam muito trêmulas.
O conteúdo do envelope intensificou ainda mais minha curiosidade a respeito da condição e paradeiro do meu parente:
“Em breve você vai entender por que decidi te procurar, meu caro. Estive em repouso nestes últimos anos e, apartado de tudo e todos, tentei recuperar-me. Venha até meu endereço para conversarmos, porém venha sozinho e não diga a ninguém sobre essa carta. Caso contrário, não abrirei a boca. Por acaso encontrou o livro “Colinas Negras?”...
Av. Barão de Mauá
nº 77. Resguardo – MG
A simples menção do livro Colinas Negras confirmava a identidade do remetente, pois, perdi o único exemplar do acervo bibliotecário do colégio. Somente meu tio o sabia. Não tive dúvidas. Tratava-se de Edgar Roberto Vince.
Decidi fazer a visita e de fato não contei a ninguém sobre a correspondência. Disse a minha família que precisava visitar um cliente no interior do Estado e não dei mais explicações. Numa sexta-feira, organizei a bagagem para dois dias e parti. No caminho, mergulhei em devaneios que me remeteram a um passado distante, lembrei-me do comportamento que meu tio apresentou antes do seu isolamento. Por que ele teria ficado tão obcecado com a biblioteca do colégio?
Cheguei no endereço indicado por volta das seis da tarde e não fazia ideia de como me portar diante do tio Edgar. Quando enfim nos encontramos, ele não esboçou sorriso, não tinha uma expressão definida, seu semblante era tão neutro quanto a de um manequim. Notei que apresentava um andar enrijecido e dava passos com dificuldade, como se não tivesse controle sobre os membros. Cumprimentou-me com um aperto de mão e um seco:
“Olá William. Temos muito que conversar. Entre!”, disse ele. Ao cruzarmos a porta da sala, apontou para duas poltronas posicionadas e tão logo pediu que eu me sentasse. Tive a impressão de que algo obscuro pesava sobre o homem, mas evitei precipitar-me com perguntas, afinal o convite partira dele.
“Sei que você tem várias interrogações, meu caro. Você era um menino quando deixei aquela escola, local onde não colocarei meus pés novamente”.
Sua voz era profundamente rouca. Parecia ter desaprendido a usar as palavras e se esforçava muito para construir as sentenças.
“William, insisti nessa visita, pois é o único que talvez confie no que vou contar. Escute com atenção, pois vou revelar o que me obrigou a abandonar o colégio, a escola e a família. Mas, lhe digo que vai parecer absurdo, você vai pensar que se trata de uma história folclórica e que eu devo ser levado a um manicômio imediatamente. Mas ouça, William. Eu posso lhe provar tudo. Garanto que ao final desta noite você estará completamente convencido de que coisas abomináveis espreitam nosso mundo”.
Meu tio deveria ter levado para o túmulo as pavorosas revelações que me fez naquele dia, mas estava persuadido em deixar-me um legado detestável na esperança de que eu pudesse fazer algo pela humanidade e, sobretudo, por ele. Demonstrando pressa, posicionou-se na poltrona com curiosa dificuldade, teve de puxar uma das pernas que não lhe obedecia o comando, seu pescoço estava levemente torto. Então, a horrenda experiência daquele homem foi narrada num tom vacilante, transportando-me através do tempo em direção a um mistério inexplicável no passado.
“William, sempre fui observador e conhecia cada canto daquele colégio. No começo de 1962, o comportamento de um estudante chamado Hélio começou a me intrigar. O aluno permanecia na escola após as aulas e passava muito tempo dentro do pequeno museu, uma sala próxima da biblioteca. Tratava-se de um quarto minúsculo com revistas, livros velhos e gavetas contendo coleções de pedras diversas. Primeiro pensei que ele fazia algum trabalho escolar, porém, notei que no decorrer dos dias, sua aparência tornou-se insalubre e um semblante mórbido tomou conta do menino. Numa quinta-feira, após observar o cortejo da Folia de Reis que cruzava a praça em frente a escola, notei a hora, voltei para dentro e permaneci no corredor de acesso do museu a fim de descobrir o que mantinha Hélio tão ocupado. Uma hora havia se passado desde que o rapaz se metera lá dentro e eu fiquei aguardando de forma sorrateira. De repente, Hélio abriu a porta desesperado e saiu correndo atropelando tudo. Sua roupa estava esfarrapada, parecia ter levado uma surra. Além disso, ele deixou um rastro de respingos negros que eu jamais serei capaz de identificar. Não tive tempo de questioná-lo e assisti a cena atônito.
Então avancei no corredor de acesso, ao entrar no pequeno espaço fui surpreendido por uma fumaça densa e escura empesteando o local. O odor de putrefação era intenso e me fez tapar o nariz com as mãos. Enquanto a fumaça se dissipava lentamente pude identificar um imenso buraco medindo cerca de um metro localizado no canto da parede entre as estantes de exposição de pedras. Não era muito largo, porém, profundo, de forma que não pude enxergar o interior”.
Nessa altura, meu tio passou a tremer levemente como se fosse um grande esforço relembrar daquele local.
“William, não consigo descrever o odor que exalava daquela fenda, nem mesmo explicar a substância pegajosa espalhada pelo tapete. Eu poderia correr atrás de Hélio e perguntar que diabos estava fazendo, mas naquele instante fui tomado pela curiosidade. Eu precisava investigar, então, rapidamente busquei uma lanterna e me enfiei naquele lugar imundo. Segui engatinhando e logo me dei conta de que se tratava de um pequeno túnel em declive. Onde eu fui me enfiar, William? Aquele lugar pestilento destruiu meus pulmões devido ao ar tóxico. Não conseguia enxergar muitos metros à frente, pois aquelas trevas eram mais densas que o normal. Após me arrastar por cerca de dez metro passei a considerar meu retorno, no entanto, nesse mesmo instante em que minha consciência já me alertava sobre a insanidade de minha aventura, ouvi alguns ruídos distantes: passos, conversas indistinguíveis e estalos enigmáticos. Meu ânimo se exaltou ao vislumbrar feixes de luz ao longe. Sim, uma luz no fim do túnel, William. Eu já não estava mais abaixo do prédio da escola já que pela distância percorrida, tinha certeza de que avançara para além dos muros.
Quanto mais me aproximava da luz, mais podia ouvir barulhos de asas batendo vindo de uma atmosfera cavernosa. Porém, os sons insinuavam coisas muito maiores e robustas que pássaros ou morcegos. Ao chegar no final do túnel, deparei-me com uma imensa cripta que se elevava muitos metros acima. Logo identifiquei a origem dos ruídos misteriosos. E é com pavor que descrevo a cena, Willian: criaturas grotescas pairavam no teto. A morfologia daquelas bestas aladas não se assemelhava a nenhuma criatura do reino animal. Dotadas de dois pares de imensas asas membranosas e um corpo repleto de pelos ouriçados, moviam-se com extrema agilidade agarrando-se ao teto da caverna. Miríades desses monstros também voavam em torno de um gigantesco obelisco negro marcado por hieróglifos estranhos. O lugar era um imenso santuário desconhecido. Que homem estaria pronto para se deparar com aqueles horrores? Estremeci da cabeça aos pés e perdi as forças ante aquelas monstruosidades.
Fiquei ali imóvel por alguns minutos e entrei em desespero. Quando voltei meu olhar para a parte inferior daquela imensidão, vi seres bípedes perambulando com pequenas esferas negras nas mãos. A anatomia dessas criaturas era semelhante a nossa, porém suas pernas se posicionavam para trás e atingiam facilmente uns três metros dos pés à cabeça. Usavam dois braços para carregar essas esferas, e com outros dois membros superiores, faziam sinais uns aos outros. Os objetos redondos eram introduzidos em estruturas semelhantes a formigueiros, posicionados no solo negro da cripta. Havia milhares dessas estruturas, fileiras infinitas espalhadas pela imensidão bizarra.
Meu Deus, o que seria toda aquela bestialidade reunida? As criaturas pareciam muito concentradas na tarefa singular. Me esgueirei um pouco mais tentando projetar o corpo para fora do túnel a fim de olhar para os lados, mas quando o fiz, não me dei conta da viscosidade da pedra em que me apoiei e escorreguei por uma rampa curta. Deslizei até um pequeno espaço retangular poucos metros abaixo da abertura do túnel. Meu corpo gelou naquele momento e tive medo de que aquelas coisas tivessem ouvido os ruídos que anunciavam minha chegada. Assaltado pela incerteza e terror, restou-me aguardar alguns minutos no mais absoluto silêncio. Encolhido, com os músculos enrijecidos, tinha dificuldade de respirar e achei que iria desfalecer com o assombro que o lugar sugeria”.
Eu olhava para meu tio e não conseguia expressar uma reação. Até aquele momento eu esperava que ele interrompesse o relato e dissesse que tudo não passava de uma brincadeira como nos velhos tempos, mas ele permaneceu com o semblante sério. Enquanto ele narrava a experiência escabrosa, não consegui afastar a ideia de que ele enlouquecera e eu seria o responsável por dar a notícia aos meus familiares. Obstinado, continuou:
“Quando percebi que não havia sido notado, preparei-me para movimentar minhas pernas e voltar ao túnel. Por entre o pequena mureta de pedra musguenta, olhei para baixo e notei espaços que sugeriam abismos inexplorados que reservavam coisas ainda mais obscuras. Por um instante, lembrei-me de Hélio e só podia cogitar que o menino tinha também se esgueirado pelo túnel e presenciado esse mesmo horror. Que negócios maléficos aquele aluno sinistro estaria tramando nessas profundezas? Eu não podia mais esperar, já tinha visto o suficiente. Analisei a arquitetura ao meu redor: um emaranhado de raízes, ossos e uma espécie de cartilagem com tonalidade escura encobria toda a cripta. Busquei fissuras que pudessem servir de apoio para alcançar o túnel acima.
Assim que posicionei meus pés na parede, senti um calafrio percorrer minha espinha, um frio mais intenso que a morte. Um odor penetrou meu nariz de forma que senti náusea instantaneamente. A mão gelada agarrou toda minha cabeça e a girou violentamente para trás. A criatura que me alcançara soltou um urro poderoso que ricocheteou por todos os abismos do lugar, colocando de sobreaviso as miríades de seres repulsivos encerrados naquela caverna colossal. A besta me levantou pelo braço e analisou com curiosidade; lentamente algumas protuberâncias se abriram em seu pescoço de onde saíram pequenos membros tentaculares que certamente tinham a função de examinar suas presas. Naquele momento, fiquei inerte, parecia que cada músculo estava atrofiado como acontece na paralisia do sono. A coisa me olhava e eu podia ouvir sua respiração, poderosa como um ronco. Sem nenhuma chance de resistir, estava pronto para morrer, quando percebi o chão tremer e, de relance, vi por cima do ombro asqueroso da besta, uma horda descomunal com toda a sua hediondez correndo em minha direção como um estouro de boiada. Um dos tentáculos do monstro fixou-se ao lado direito do meu crânio, em seguida e penetrou meu ouvido. Naquele instante senti uma poderosa vibração ressoar em minha cabeça, minha visão ficou cada vez mais turva, tomando nuances de cores diversas. Em meu último instante de lucidez, pude ouvir as monstruosidades urrando e gritando palavras num idioma completamente desconhecido.
Acordei estirado no chão frio do museu enquanto uma imensa lua lançava luzes sobre a janela acima. Comecei a questionar aquele delírio, mas olhando a parede identifiquei pequenas rachaduras no local onde eu supostamente havia deslizado e me encontrado com aquela raça monstruosa. Passei meses tentando entender o que havia ocorrido, fui até o porão do colégio, fiz pesquisas, porém nada. Nenhuma prova, nem fumaça.
Decidi lhe escrever, caro sobrinho, pois passei os últimos anos me tratando devido as sequelas daquela experiencia mórbida. A prova de que eu havia passado por algum tipo de fenda dimensional veio uns três meses depois, quando vomitei a mesma substância que eu havia encontrado no tapete do museu e no túnel hediondo. A prova está ali, naquele frasco”.
Olhei assustado para a estante ao lado. Um pequeno pote contendo um líquido escuro estava posicionado. Um olhar mais atencioso me permitiu notar que o elemento viscoso não só tinha uma tonalidade abjeta, mas movia-se lentamente dentro do frasco, como se estivesse vivo. O homem que narrava a história só podia estar louco ou ter se envolvido com alguma coisa obscura, pensei na ocasião. Estava sem palavras e nem sabia o que perguntar.
“Sobrinho, chegou o momento de lhe mostrar o que houve com meu corpo, afinal essas são as provas irrefutáveis que lhe disse. Vou provar que eu realmente vivi o que acabei de lhe contar. Porém, saiba que jamais entenderemos os negócios daquela raça maldita, nem mesmo a encontraremos. A fenda parece ter sido celada para sempre e ninguém me deu ouvidos, obviamente. E o Hélio? Foi internado no Manicômio de Barbacena e de lá nunca saiu”.
Eu comecei a me levantar, sentia receio daquele homem que estava diante de mim narrando a história mais absurda que já tinha ouvido. Eu só conseguia pensar que meu tio também havia enlouquecido.
Tio Edgar agarrou-me pelo braço e insistiu que eu ficasse. Imediatamente, tomou alguns envelopes e me entrou. Parei e fiquei em pé analisando os relatórios médicos. Eu não compreendia o emaranhado de ossos que apareciam no interior do tórax, nem mesmo as protuberâncias do crânio sugeridas no raio-x. Meu tio não tinha costelas, mas uma placa óssea que protegia os órgãos internos. Além disso, diversos ossos pequenos haviam se duplicados nos seus pés, de forma que o impediam de andar normalmente.
Quando ele puxou a manga da blusa que vestia, pude ver que seus braços estavam repletos de orifícios alinhados, centenas deles. Notei que os furos expeliam baforadas de ar, imitando o movimento respiratório. O braços do pobre homem estavam esverdeados e os furos tinham uma textura muito estranha. Naquela noite, fui tomado por um misto de repugnância e compaixão ao conhecer o que adoecia Edgar Roberto Vince e o afastava da sociedade.
Toda a sua anatomia fora alterada, de modo que ele foi obrigado a se isolar para não causar espanto nas pessoas e isso incluía sua família, obviamente.
“Eu passaria a noite lhe contando os pormenores e os horrores que envolvem minhas transformações corporais, mas você não suportaria. Tudo foi alterado em mim, William”. Eu sou incapaz de me alimentar naturalmente, não respiro da mesma maneira que vocês e prefiro não entrar nos detalhes sobre o processo digestivo.
Enquanto meu tio revelava sua metamorfose, notei estranhos frascos e os mais absurdos objetos espalhados pela mesma estante que havia mostrado. Não ousei perguntar a utilidade, pois de fato não suportaria mais nada daquelas revelações. Meu tio entregou outros exames para que eu verificasse os laudos médicos: “as doenças do paciente aparecem e desaparecem em períodos alternados”, “a estatura do paciente está diminuindo lentamente a cada ano”, “sua flora intestinal é completamente desconhecida de forma que o processo digestivo se faz de forma anômala”, “os sintomas são agravados em caso de exposição a luz solar”, “a epiderme do paciente apresenta espessura exagerada”. A lista de doenças era imensa: Fox-Fordyce, doença de Crohn, Hartnup. A maioria atingia a pele.
“Caro William, como você pode ver, não envelheci nem um pouco e nesse tempo todo, descobri que sou capaz de manipular ligeiramente meu metabolismo, de forma a retardar o envelhecimento. No entanto, de alguma maneira, sei que meu corpo vai parar daqui algumas semanas e preciso que você prepare meu funeral de maneira que nada, nem ninguém toque ou veja o meu corpo. Imagine quais especulações fariam? Eu me tornaria uma cobaia”.
Então, percebi os planos do tio Edgar: ele me escolheu para acobertar todas as informações sobre ele, inclusive seus documentos, exames e aparatos bizarros que mantinha em casa. Não havia o que questionar, os exames estavam ali e aquele corpo modificado também. Edgar Roberto Vince havia pensado em todos os pormenores que envolviam sua morte e seu funeral. Tremi de horror naquela noite e sequer consegui adormecer. Pela manhã, me arrumei, ouvi mais algumas orientações sobre o acobertamento do funeral e parti atordoado. Meu estado mental manteve-se alterado por alguns dias.
Duas semanas depois de minha visita, recebi um telefonema anônimo informando que meu tio estava sentado desfalecido numa poltrona. Estava morto. O contato me indicou onde pegar a chave da casa e como proceder com os preparativos para o funeral e enterro. Quão complicado foi encobrir as informações, mas meu tio deixara tudo por escrito, todas as recomendações. O caixão foi lacrado, nenhum agente funerário tocou no corpo dele e eu tive que dar as explicações mais escabrosas envolvendo uma religião fictícia. Recomendações que ele mesmo deu. Apenas o envolveram em faixas. Eu tive de presenciar tudo. Não houve velório em família, e eu fui o único presente além dos agentes funerários.
Ele deixou-me a casa em testamento e uma soma considerável em dinheiro, porém, eu recebi a verdadeira herança de Edgar algumas semanas depois. Após um banho, deite-me na cama e senti uma ligeira tontura. Ao posicionar as mãos atrás da cabeça, fui tomado pela mais profunda aflição e desejei ardentemente estar errado sobre aquilo que minha consciência sugeria. Num salto levantei-me e me pus na frente do espelho. Foi uma aterradora constatação ver oito ou nove furos perfeitamente alinhados no meu pescoço, um pouco abaixo das orelhas. Estiquei a pele para ter certeza e eles estavam realmente lá. Comecei uma análise frenética pelo meu corpo: cotovelos, braços, axilas e costas. Várias partes apresentavam pequenos orifícios semelhantes aos do meu falecido tio. Desfaleci sobre o chão do banheiro e tomado pela mais profunda agonia me entreguei aos prantos. Desolado, não consegui afastar o impulso de pensar nas doenças e nas transformações que me aguardavam. O mais absurdo foi perceber que depois de alguns minutos soluçando, eu já não respirava pelas narinas, mas por meio daqueles pequenos orifícios localizados em ambos os lados do pescoço. Inevitavelmente, minha mente trouxe a constatação mais óbvia e obscura: a metamorfose estava em curso e era contagiosa.