O calculista

- Tudo o que vamos discutir aqui, é hipotético, - informou Taysir Alhuq para o "calculador humano" Abtin Turel - mas as soluções devem ser reais. Melhor dizendo: os seus cálculos devem permitir que uma não-nave hipotética viaje com segurança pelo espaço, e retorne ao seu ponto de origem fixo.

- É uma tarefa e tanto, - admitiu Turel - visto que há milênios isto é feito através de navegação presciente.

- Antes da Guilda Espacial, como sabe, eram usados computadores - prosseguiu Taysir. - O que nós precisamos é de uma tabela de cálculos para reprogramar... hipoteticamente, é claro... um desses computadores de navegação, com um novo ponto fixo dentro de uma não-câmara.

- Suponho que o senhor esteja falando de uma não-nave dentro de uma não-câmara, ou o que está solicitando não faria nenhum sentido - ponderou Turel, encarando o comerciante com os braços cruzados. - Eu precisaria das coordenadas deste ponto fixo, naturalmente.

Aquele era um dos pontos mais delicados da transação que Taysir estava conduzindo, pois basicamente implicava em revelar que o planeta-natal dos Alhuq, Baharat, seria o porto de origem da não-nave que estavam tentando recuperar. De posse dessa informação, o Império provavelmente não hesitaria em condenar todos os Alhuq à morte, e incinerar o planeta com armas atômicas, para apagar qualquer vestígio da heresia ali cometida. Como se estivesse adivinhando seus pensamentos, Abtin Turel descruzou os braços e falou de modo franco:

- Escute, senhor Alhuq: ou começamos a confiar um no outro, ou nossa negociação termina aqui. Antes que precisasse resolver este seu problema hipotético, já havia ouvido falar em "calculadoras humanas"?

Taysir teve que admitir que não. Só quando ficara claro que não poderia usar mentats para efetuar os cálculos de que precisava, sem despertar suspeitas, que recorrera aos seus contatos no submundo de Thumgurn; e estes lhe haviam indicado os serviços de Abtin Turel.

- Nós vivemos nas sombras por milênios, senhor Alhuq. Precisamos nos esconder das autoridades, porque somos uma pedra no sapato dos mentat, para usar uma expressão bem antiga. Portanto, não temos nenhum interesse em saber se o uso que vai dar aos nossos cálculos é legal ou ilegal, desde que pague o nosso preço. Se o senhor está arriscando o seu pescoço e o da sua família, o mesmo faço eu.

Aquele último argumento convenceu o comerciante. Família, afinal de contas, era o mais importante.

- Está bem; reconheço que, sem as coordenadas de origem, você não poderia sequer começar seus cálculos - concordou Taysir. - Estamos escavando uma câmara subterrânea no meu mundo natal, Baharat. Ela será posteriormente convertida numa não-câmara... para abrigar a nossa não-nave.

O "calculador humano" ergueu os sobrolhos.

- Notável. Vocês têm uma não-nave. Nem vou fazer a pergunta que acabou de me passar pela cabeça, de como vocês a adquiriram, porque isso não tem nada a ver com a minha tarefa.

- Precisamente - assentiu aliviado o comerciante.

- Certo. O seu contato lhe explicou sobre a nossa forma de pagamento?

- Sim. E eu trouxe o sinal - anunciou Taysir, abrindo uma gaveta da mesa de trabalho e dali retirando um frasco quadrado de cristal, com uma tampa esférica de bronze dourado gravada com arabescos. Dentro do recipiente, uma substância cor de âmbar, lembrando mel na aparência, mas consideravelmente mais líquida: essência de melange.

- Aprecio sua generosidade - disse Abtin Turel, ao receber o frasco e guardá-lo cuidadosamente numa bolsa de couro que trazia presa ao cinto. - Agora, estou pronto para começar os cálculos que lhe permitirão usar a sua não-nave para qualquer fim que tenha em mente.

- Ótimo - declarou Taysir, espalmando as mãos sobre a mesa. - Só que tem um porém: o risco que eu e minha família estamos correndo, é imenso; portanto, nada mais justo que você... e a sua equipe... compartilhem do mesmo. O que queremos é que venham fazer o seu trabalho em Baharat, e que fiquem lá até que tenhamos realizado todos os testes práticos com as novas tabelas de navegação que irão desenvolver.

- Seremos seus reféns? - Indagou calmamente o homenzinho.

- Serão nossos hóspedes - assegurou Taysir. - E lhes pagaremos cinco vezes o valor estipulado, caso tudo saia a contento.

A expressão no rosto de Abtin Turel tornou-se inescrutável. Finalmente, fez um aceno afirmativo de cabeça, embora suas palavras contradizessem isso.

- Não, senhor Alhuq. Se está disposto a pagar cinco vezes o preço combinado pelo serviço, creio que deve estar pronto a ser um pouco mais... generoso. Se tudo funcionar de acordo com os nossos cálculos, vou querer 1% dos seus lucros sobre as suas vendas de especiaria.

O rosto de Taysir se contraiu, mas o homenzinho ainda não terminara:

- Sem limite de tempo, senhor Alhuq. Enquanto a sua família estiver lucrando com a especiaria, 1% deve cair na nossa conta; se por ano ou por mês, o senhor decide.

- Mas o que você está propondo é... - Taysir começou a falar, indignado.

- Uma sociedade, senhor Alhuq. Nós seríamos seus sócios minoritários, mas ainda assim, sócios.

Taysir bufou, mas percebeu que não havia como escapar da armadilha que ele próprio criara.

- Se não concorda, posso lhe devolver a essência de melange agora mesmo, e fazemos de conta que esse encontro nunca ocorreu - disse calmamente Abtin Turel.

- Se eu concordar... vocês terão que se mudar permanentemente para Baharat - capitulou finalmente Taysir.

- Não há problema - redarguiu o homenzinho. - Acho que os meus estão prontos para começar vida nova no seu planeta... estamos há muito tempo esperando por alguém que valorize o nosso trabalho; e nos pague de acordo.

Taysir Alhuq imaginou que, uma vez concluído o trabalho, não teria grande dificuldade em se livrar de Abtin Turel e seu grupo. Mas para o "calculador humano", aquela não seria a primeira vez em que alguém tentaria enganá-los ou eliminá-los para não pagar o preço combinado ou se livrar de testemunhas incômodas. Milênios de negociações nas sombras, os haviam tornado especialistas nesse tipo de situação. O comerciante que não tentasse nada de estúpido com eles...