Trevas – A câmara escura da morte
Tudo ao seu redor era o mais completo breu. A escuridão completa não o permitia sequer enxergar o seu próprio nariz. O silêncio, tenebroso e não natural, tornava o som da sua respiração ofegante e o bater cada vez acelerado do seu coração ainda mais perceptível.
Sombras tenebrosas dançavam na escuridão. Sentia olhares julgadores e profundos focados em si. Poderia jurar que ouvia vozes. Palavrões, impropérios, questionamentos? Choros e gritos de dor? A densa atmosfera abafava os sons, sendo dificil discerni-los.
Parou, sentou-se e contemplou a escuridão. Encarou as trevas.
Lembrou-se do seu treinamento. Sentou-se em posição de lotus, endireitou a coluna e se concentrou.
“Preciso controlar a minha respiração.”
Inspirava pelo nariz e contava três segundos segurando o ar. Soltava o ar lentamente pela boca. Repetia o processo até sentir o seu coração se acalmar aos poucos.
As sombras retorciam-se e ficavam cada vez mais bravas. Aproximavam-se e se agigantavam, e falavam tão alto que mais pareciam gritar:
“Você não serve para nada!”
Com um sorriso sarcástico, apenas sorriu e retrucou:
“Uau, isso vindo de você é quase um coaching gratuito! Quanto eu te devo por esse empurrão motivacional?” - sorria enquanto o encarava calmamente nos olhos.
“Você parece que nem tenta!” - retrucou a sombra.
“Obrigado por notar meu estilo de vida zen. A vida é curta demais para se estressar, né?”
Aqueles olhos brilhavam como brasas de puro ódio.
“Você é ridículo!”
Ele não pode se aguentar e riu alto:
“Ah, eu tento! Mas me diz, de 0 a 10, quanto isso te incomoda? Só para eu ter um parâmetro.”
Aquilo foi demais. A sombra crescia, gritava e ameaçava, grandes garras surgiam das suas mãos, prontas para cortá-lo em pedaços e o estraçalhar completamente.
Ele levantou-se e falou, olhando profundamente nos olhos faiscantes da criatura:
“Chega! Você não é nada. Absolutamente nada! Você é apenas um pensamento. Pensamentos não são fatos, não são pessoas e nem criaturas! O único poder que tem é aquele que te dei!” – respirou e finalizou:
“Estou farto de você! Eu te criei e eu te destruo!”
Abriu a boca e sugou o ar. A sombra, antes imperiosa, lançava seus tentáculos ao solo, segurando-se para não ser destruída, não aguentou a força e foi tragada pelo homem.
“Transmuto-te” – e assoprou uma leve brisa de onde saíam leves plumas tal qual um dente-de-leão acariciado pela brisa da primavera.
Sentou-se novamente em posição de lotus. Encarou as trevas, aceitando-a com parte de si e ordenou:
“Fiat lux!”
Tudo ficou tão claro quanto o abrir repentino de uma janela após um longo sono.
Pôde sentir a relva úmida com o orvalho da manhã sob os seus pés. Uma leve lufada de ar lhe acariciava o corpo, refrescando-o.
Ao longe ouvia a água correr por um córrego, pássaros cantavam escondidos nas copas das árvores.
"Sim, a vida é boa."
O céu azul infinito, marmoreado de nuvem brancas flutuavam harmonicamente, mudando de forma e, eventualmente, sumindo.
Agradeceu por sua saúde. Sentia seus batimentos cardíacos pulsarem em seu corpo, fazendo vibrar e ficar cada vez mais carregado de vida, sentia-se mais enérgico. A cada respiração, sentia-se cada vez mais tranquilo e resoluto.
De repente, uma sirene soou ao longe.
As luzes foram ligadas, iluminando o local mostrando a ampla sala com paredes brancas revestidas de um material acolchoado. As portas se abriram e vários homens vestidos de jalecos e uniformes verde azulados o cercavam, verificando os equipamentos médicos ligados ao seu corpo.
- Parabéns, Marcos! Você passou no teste de 3h da temida “câmara escura da morte”. Seus resultados foram surpreendentes! Você está apto a ser o primeiro piloto para a expedição a Marte!
Aquele teste era usado para verificar a estabilidade psíquica dos astronautas que iriam ter que enfrentar uma viagem de quase um ano da Terra a Marte. No trecho, enfrentariam seis meses da mais completa escuridão.