O Levante dos Góticos

[História anterior: "A Noite dos Góticos"]

- Isso é falso! - Exclamou Nicomedes, expressão contrafeita, ao examinar o folheto amassado que Abia, o prestamista, lhe entregara.

- Parece verdadeiro - replicou Abia. - E sabe que isso é o quanto basta para fundamentar uma acusação contra si e contra todos os Góticos.

- Onde encontrou esse papel? - Questionou o monge, sacudindo o folheto com irritação.

- Um dos associados da minha guilda pegou de um garoto, que os distribuía na rua, próximo ao Distrito Industrial - enumerou Abia. - Ele perguntou ao garoto quem estava pagando para que fizesse aquilo, e ouviu que "um homem" lhe havia dado alguns tostões, para entregar a quantas pessoas pudesse. Que era algo muito importante para o povo da Cidade Inferior e principalmente para você, Nicomedes.

- Colocaram meu nome nisso! - O monge pôs o impresso sobre a mesa e deu um tapa nela, irritado.

- Confesso que, se não soubesse que os Góticos não planejavam executar qualquer ação por esses dias, poderia ter achado que se tratava de uma convocação legítima - admitiu Abia. - O estilo, as frases... quem fez isso, certamente deve ter ouvido as suas pregações.

- Isso não seria difícil - ponderou Nicomedes, aparentemente mais calmo. - Devem ter espiões e olheiros participando de nossas reuniões públicas na Catedral. Mas eu vou imediatamente emitir um alerta através das nossas redes de contatos, avisar que esse panfleto é falso e que não pretendemos fazer nenhuma ação antes que se esgote o tempo que demos ao Freder Fredersen.

- Você conversou com Josaphat faz alguns dias - relembrou Abia. - Acha que ele pode ter pedido esse tempo apenas para nos enrolar e permitir que o Mestre da Cidade pusesse seus planos em execução? Porque não tenho a menor dúvida de que esse panfleto apócrifo é coisa de Joh Fredersen.

- Acredito em Josaphat! - Afirmou o monge com veemência. - Creio que consigo distinguir com razoável grau de certeza quando alguém está mentindo, e esse não me parece ser o caso de Josaphat, mesmo que ele tenha sido enganado pelos Fredersen, pai e filho. O que me parece mais plausível é que Josaphat e seu patrão tenham desconfiado dos planos do Mestre da Cidade e feito o possível para que ele não fosse executado; mas o que quer que o Anticristo do Joh Fredersen tenha em mente, parece ser tarde demais para impedir que aconteça.

- Bem... e o que vamos fazer? - Questionou Abia, abrindo os braços em desalento. - Pois no folheto diz que você está convocando toda a Cidade Inferior para se levantar contra a tirania do Mestre da Cidade e destruir a "fábrica de abominações" no Distrito Industrial.

- A ideia não é má, mas não vamos morder a isca - redarguiu o monge. - Joh Fredersen só quer uma desculpa para atiçar as forças da repressão para cima de nós, e não podemos lhe dar esse gostinho. Ainda não, pelo menos.

- Mas... e se ele tentar algo, assim mesmo? Pode forjar um ataque à fábrica e pôr a culpa nos Góticos. - Insistiu o prestamista.

Nicomedes ergueu os olhos para Abia, e permaneceu silencioso durante alguns instantes. Finalmente, fez um aceno de cabeça, como se estivesse concordando consigo mesmo.

- Acho que podemos fazer algo quanto a isso. Escute bem...

* * *

Os Fredersen - Freder e Maria - acordaram no meio da noite com batidas na porta do quarto.

- Senhor Fredersen! Senhor Fredersen!

- Espere, Maria - disse Freder para a esposa, que havia demonstrado intenção de se levantar.

- As crianças... - murmurou ela estremunhando.

- Deixe eu ver o que está acontecendo primeiro - determinou Freder, erguendo a voz:

- Um momento!

Do lado de fora estava Josaphat, secretário particular do filho do Mestre da Cidade.

- O que hove Josaphat? - Questionou Freder. - O prédio está pegando fogo?

- Quase isso, senhor... - atalhou-o angustiado o secretário. - Os Góticos se levantaram na Cidade Inferior e estão atacando a nova fábrica do seu pai!

- Diacho! - Exclamou Freder, cerrando os punhos.

[Continua]