Memórias de uma Guerra
Capítulo 2
Os Girassóis Silenciosos
O que vou contar agora não é uma história de sonhos, dessas que fazem crianças dormirem tranquilas. Não há fadas com varinhas mágicas, nem princesas adormecidas esperando por príncipes. Não há Rapunzel com suas longas tranças oferecendo uma saída para a liberdade. Aqui, só há escuridão. E se há algum Chapeuzinho Vermelho, ela se perdeu, porque os lobos estão em todos os lados, e as mentiras se multiplicam como se Pinóquios brotassem das trincheiras.
Era aproximadamente duas da tarde quando, pela última vez, subi até o sótão para espiar pela pequena janela. Dali, eu via o campo, onde girassóis ainda tentavam erguer suas cabeças douradas em meio à poeira da guerra. Antes, aquelas flores pareciam pequenos sóis dançando ao vento, um espetáculo diário que me distraía do medo. Mas agora, tudo o que eu via era tristeza. O girassol não me trazia mais consolo. Eu esperava ver o rosto do meu pai voltando da linha de frente, mas ele nunca mais apareceu.
Três dias antes do pior dia da minha vida, o rádio da minha mãe ainda funcionava, um velho aparelho de som que ela insistia em manter. Eu o adorava. Era nele que eu ouvia as histórias da tia Madalena, como se aquelas vozes fossem um escape para um mundo onde bombas e tiros não existiam. Minha mãe não gostava quando eu o chamava de “rádio velho”, mas ele era tudo o que tínhamos para nos distrair dos estrondos ao longe, das notícias que, aos poucos, nos roubavam a esperança.
Naquela tarde, o som das explosões pareceu mais próximo. O solo tremia, e o ar se enchia de uma poeira grossa que atravessava as frestas da janela do sótão. Eu via as pessoas correndo pelo campo, como formigas assustadas, fugindo para qualquer lugar que parecesse seguro. Minha mãe me gritou para descer, mas eu fiquei ali, paralisado, olhando o horizonte em busca de algo que nunca chegaria. Os girassóis, agora imóveis, pareciam mortos sob o céu cinzento.
O silêncio que se seguiu ao barulho ensurdecedor foi o pior. Quando finalmente desci, o mundo parecia desmoronar ao meu redor. Não havia mais histórias para contar. Não havia mais girassóis. E meu pai... meu pai ainda não voltara. O sótão, antes um refúgio, tornara-se uma prisão, onde eu via a guerra acabar com o pouco que nos restava de vida e de sonhos.
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Leia este Acróstico de uma frase dita NEM DEUS AFUNDA O TITANIC