Savant
[Cem anos antes do voo (re)inagural da "Ampoliros", Taysir Alhuq estava dando os primeiros passos para desvendar os segredos da não-nave primitiva, encontrada à deriva por seu pai, Ghalib Alhuq, no sistema Firounnuy. Mas, diferentemente do que seus descendentes diriam, ele não recorreu aos mentats para encontrar as respostas de que precisava...]
- Preciso saber se você é quem estou procurando - declarou Taysir Alhuq, quando o homenzinho magro e quase careca foi levado à presença dele.
- Eu sou Abtin Turel, como está no meu cartão de visitas - foi a pronta resposta.
A conversa transcorria em Thumgurn, maior cidade do planeta Messandi, numa saleta no porão de uma indústria metalúrgica da qual os Alhuq possuíam 70% das ações. Taysir a escolhera porque o maquinário em operação acima da cabeça deles inviabilizaria qualquer tentativa de sondagem remota, supondo que alguém, por algum motivo, decidisse que uma empresa fabricante de implementos agrícolas merecia ser espionada.
- Você não se parece com um mentat - disse Taysir.
- Nunca afirmei que era - riu o homenzinho. - Mas se você não quer recorrer a um, para obter os mesmos resultados que eu posso lhe dar, está diante da pessoa certa.
- Como você faz... bem, o que faz? - Questionou o comerciante, de braços cruzados.
Turel deu de ombros.
- Me ponha à prova. Imagino que esse cronômetro sobre sua mesa seja para medir o meu tempo de resposta, não é?
Taysir assentiu com um gesto de cabeça. Depois, girou a manivela de bronze de uma calculadora eletromecânica diante dele e observou atentamente o número que havia surgido no visor, o qual somente ele poderia ver.
- Antes de você entrar na sala, digitei um número aleatório de 201 dígitos nesta calculadora, e agora acionei o mecanismo para me dar a raiz elevada à 23ª potência do mesmo. Vamos ver se é capaz de me dar uma resposta, e quanto tempo leva para isso.
Turel ergueu os sobrolhos.
- Interessante. Mas quero deixar claro que, em momento algum, afirmei ser mais rápido do que uma calculadora mecânica.
Taysir descruzou os braços, parecendo finalmente estar mais relaxado.
- Seria notável se fosse, mas imagino que isso exigira habilidades prescientes - redarguiu, retirando de um bolso da túnica de mercador uma folha de papel dobrado, o qual estendeu para Turel, junto com um lápis que mantinha sobre a mesa. - Escreva a resposta aqui, por favor.
O homenzinho olhou para o que estava escrito e Taysir acionou o cronômetro. Após cinquenta segundos de imobilidade, ele começou a escrever, abaixo do número que Taysir havia registrado.
- Pronto - declarou, empurrando papel e lápis para o comerciante.
Este passou os cinco minutos seguintes revisando cada casa decimal do valor escrito por Turel, até se dar por satisfeito.
- Como você faz isso? - Repetiu. - Se você não é um mentat, o que é você?
Turel riu baixinho.
- Pessoas como eu existem há muito, muito tempo, senhor Alhuq. Segundo as lendas, já existíamos quando a humanidade ainda estava confinada à Velha Terra. Nos chamavam de "calculadoras humanas". Não precisamos passar por nenhum treinamento ou ingerir qualquer droga, como os mentats. Nós simplesmente já nascemos assim.
- "Nós"? Então há outros como você?
Turel deu novamente de ombros.
- O surgimento dos mentats, e antes deles, os computadores e máquinas sencientes, meio que obscureceram a nossa importância, mas sempre estivemos por aí. O fato de que ainda temos importância, surge quando alguém precisa calcular grandes volumes de dados e não deseja contratar um mentat para isso. Creio que é justamente o seu caso, não é, senhor Alhuq?
Taysir pareceu prestes a dar uma resposta seca, mas calou-se. Finalmente, abriu as mãos sobre a mesa.
- Sim, preciso dos seus serviços, senhor Turel - admitiu. - E talvez, dos de outros como você, para revisar um grande volume de dados... algo que poderá ajudar sobremaneira os negócios da minha família.
- Se pretende mesmo me contratar, terá que dizer sobre o que são estes dados, senhor Alhuq, ou não terei referencial sobre o qual trabalhar. Imagino que não se trata de extrair raízes elevadas de números de 201 dígitos...
Alhuq juntou as mãos, antes de responder.
- São números muitos antigos, extraídos de tabelas de dados calculados por computadores... antes do Jihad Butleriano.
Turel ergueu os sobrolhos.
- A origem da informação é, certamente, bastante sensível. Mas ainda não me disse o que há de tão secreto nestas tabelas.
Taysir hesitou, mas já havia ido longe demais para desistir. Precisaria confiar um mínimo que fosse no homenzinho sentado à sua frente.
- São tabelas de navegação espacial. Navegação mais rápida do que a luz - declarou finalmente.