Operações secretas
[História anterior: "Fábrica de abominações"]
O telefone - não o videofone - tocou sobre a imensa escrivaninha por trás da qual estava aboletado Joh Fredersen, Mestre da Cidade de Metropolis. Como apenas uma minoria dos mais abastados cidadãos possuía o luxo da comunicação com imagem, assim como os principais locais de interesse do oligarca, Fredersen deduziu corretamente que a ligação provinha de alguém dos escalões inferiores. Mas, por aqueles dias, ele estava precisamente esperando por uma ligação dessas. No terceiro toque, apertou um botão na base do aparelho que colocava a ligação em viva voz, e disse com calma:
- Sim?
- Senhor, é o agente Fayvush. Disse que precisava falar com o senhor com urgência - ecoou no recinto a voz de Carmine, secretário de Fredersen.
- Fayvush - o oligarca repetiu o nome, como que apreciando sua sonoridade. - Passe a ligação, por favor, Carmine.
- Imediatamente, senhor.
Ouviu-se um estalido, e depois a voz do agente.
- Senhor Fredersen? Trago notícias da Cidade Inferior - disse Fayvush, um tom de urgência na voz.
A sombra de um sorriso passou pelos lábios finos de Fredersen.
- Naturalmente que traz, Fayvush. Sou todo ouvidos.
- São os malditos Góticos, senhor... estão se organizando, e pelo visto pretendem atacar a nova fábrica de tubulações!
"Fábrica de tubulações" era o codinome da fábrica de homens mecânicos do Mestre da Cidade, já que qualquer desconfiança de que pudesse estar tentando recriar a abominação de Rotwang, provavelmente mataria a ideia no nascedouro. Ou assim o astuto Fredersen dera a entender, embora na verdade houvesse feito circular por seus agentes no submundo, alguns boatos (mais ou menos exagerados) sobre o que realmente estava sendo produzido na tal "fábrica de tubulações".
- Os Góticos? - Fredersen ergueu os sobrolhos e juntou as mãos, como que em prece. - Houve algum pronunciamento de Nicomedes, conclamando-os à ação?
- Nada muito direto, senhor - admitiu Fayvush. - Mas tenho percebido que o número de reuniões clandestinas dos Góticos aumentou nos últimos dias. Quanto à retórica do monge Nicomedes, ela se mantém constante nos ataques que faz ao senhor e à administração de Metropolis; nisso, não há novidade. Todavia, há algo que me chamou a atenção: dois caminhões-tanque transportando benzina foram roubados ontem, na Cidade Inferior. Desconfio que a carga não será usada para produzir combustível adulterado...
- Então, temos Góticos fazendo reuniões secretas, caminhões de benzina roubados... e você acha que isto, de alguma forma, está ligado às ameaças que minha nova fábrica tem recebido? - Questionou calmamente Fredersen.
- Senhor, seria leviano não considerar o perigo que está por trás destas ações, ainda que aparentemente não relacionadas - insistiu Fayvush. - Eu recomendo fortemente que reforce a segurança no entorno da fábrica, mesmo que seja por precaução.
- Agradeço a sua preocupação, meu caro Fayvush - Fredersen reclinou-se em sua confortável cadeira giratória de espaldar alto. - Certamente que irei acionar a nossa diligente força policial para que desloque alguns homens, e faça vigilância no entorno da fábrica. Não queremos que essa importante fonte de progresso sofra qualquer dano, não é mesmo?
- Melhor prevenir do que remediar, senhor Fredersen - a voz do agente soou bem mais aliviada.
- Descanse, meu bom homem - prometeu o oligarca. - Estarei tomando as providências necessárias. Faça contato, caso haja alguma novidade importante.
Depois de terminar a ligação, Fredersen ficou ainda alguns minutos reclinado em sua cadeira, olhar perdido no panorama da cidade abaixo dele, iluminada pelo sol poente. Finalmente, aprumou-se e apertou um botão no interfone ao lado do telefone.
- Carmine? Slim já chegou?
- Sim senhor; estava esperando que terminasse a ligação.
- Ótimo. Diga-lhe que entre.
Pouco depois, as folhas duplas da porta do gabinete de Fredersen abriram-se e deram passagem a um homem alto e magro, vestido de modo elegante e sóbrio. Quando a porta fechou-se atrás dele, Slim declarou:
- Está feito, senhor. Temos os caminhões e contratei duas dúzias de vagabundos disfarçados de Góticos, para atacar a fábrica esta noite.
- Sempre eficiente - aprovou Fredersen, encarando o impassível assistente. - Mas você me parece preocupado, meu caro.
- Senhor... se me permite dizer, está colocando em risco as vidas de pessoas inocentes.
- Mas não somos nós quem ameaçamos a existência das pessoas de bem, Slim... quem faz isso é o Nicomedes e seus terroristas - corrigiu-o Fredersen.
Reclinou-se na cadeira e acrescentou, num tom apaziguador:
- Apenas vamos demonstrar quem eles são, e do que são capazes.
Como a expressão do assistente não se alterasse, ele resolveu concluir a conversa:
- Mantenha-me informado do progresso da ação; com sorte, hoje ninguém precisará morrer.
[Continua em "A Noite dos Góticos"]