Brain Transfer - Saudades da Macarronada

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18.07.24

Os treinamentos começaram. O primeiro dia foi para que se acostumasse com os movimentos robóticos dos seus membros, pois as diferenças eram muito grandes quanto à rapidez, força e sensibilidade em relação ao antigo.

Um destes treinos o deixou espantado e maravilhado, mas decepcionado também. O médico na sala, ao lado de uma máquina lançadora de bolas de tênis, disse-lhe:

-Luís, vamos começar o treinamento dos seus reflexos, pois há um pequeno intervalo, de milésimos de segundos, entre a reação do seu cérebro ao ver a bola e dar o comando para que a pegue com sua mão. A distância da máquina até você é de três metros e vou lançar com baixa velocidade. Fique sentado de lado, perpendicular ao lançador, e pegue com a mão direita, entendido?

Ele escutou limpidamente a informação com sua ultra audição e respondeu com a voz metálica, que ainda não se acostumara:

-Sim doutor!

A máquina foi acionada e ele, em uma fração de segundos, ajustou sua visão pelas câmeras de altíssima definição, que eram seus olhos agora, aproximando-a do equipamento, e viu nítida e detalhadamente a imagem aumentada do buraco do tubo metálico com as ranhuras internas e a bola saindo. Instantaneamente, a visão voltou ao normal, acompanhado e trajetória elíptica que fazia. Ela quase lhe passou do ponto em que a pegaria, mas ele estendeu o braço robótico do seu corpo humanoide e a pegou um pouco mais à frente. Sentiu o contato dela com sua mão, identificando-a como uma bola de tênis.

-Ótimo! Viu que pegou a bola mais à sua frente? Esse é o milionésimo intervalo de tempo que precisa ser ajustado no seu cérebro com os nossos treinamentos. Vou lançar outra vez, certo? – disse o neurocirurgião apertando o botão, saindo outra bola com a mesma velocidade e trajetória. A pegou no ponto certo!

-Perfeito! Agora com a mão esquerda.

Assim, seguiu por quase quinze minutos pegando as bolas alternando as mãos. Ele as apanhava com uma precisão incrível. Então, o médico lhe falou:

-Agora vou colocar a máquina mais perto de você, cerca de um metro e meio e lançar as bolas com a velocidade de 10 quilômetros por hora, intervaladas de cinco segundos, para que possa pegá-las e soltá-las a cada lançamento. Ok?

-OK!

O equipamento começou a cuspir bolas seguidamente e ele as pegava precisamente, como um robô! Depois, foi aumentada a velocidade para 30, 50 e por último, 70 quilômetros por hora! Apanhava-as da mesma forma e tranquilamente.

Aos setenta quilômetros por hora, foi um pouco mais difícil, mas seu golpe vista estava perfeito, mesmo que pegasse as bolas um pouco mais à frente. Nenhuma lhe passou sem que as apanhasse com uma velocidade inacreditável de seus braços e mãos. Ficou estupefato com suas novas habilidades, um perfeito “Cyborg”!

-Muito bom, Luís! você está se desenvolvendo muito bem, a interatividade cérebro-corpo está se ajustando rapidamente – elogiou o médico.

O treinamento durou a manhã toda e ao meio dia ele sentiu fome e sede. Perguntou ao médico:

-Dr., estou com fome e sede. Como será a minha alimentação? E o paladar?

-Bem, Luís, seu corpo não tem sistema digestivo, estômago, intestino e demais partes. Você irá se alimentar com uma solução eletrolítica para que os nano-circuitos do seu corpo sejam mantidos, e outra, de enzimas especificas para que seu cérebro fique preservado. A sua língua sentirá os gostos diferentes dos compostos líquidos transmitindo ao cérebro, através de um algoritmo instalado na medula espinhal, distinguindo as diferenças, e consequentemente encaminhados para os destinos específicos.

-Entendi! E os gostos dos alimentos que tenho em meu cérebro, tais como de café, chocolate, pão, carne e demais, como será? - perguntou curioso.

-O composto de reconstituição dos nano-circuitos tem seus sabores definidos, podendo escolher entre uma macarronada, feijoada e todos os demais tradicionais da nossa culinária. Cada dia, e semana, você terá um menu à disposição, escolhendo os sabores que queira para as refeições. As enzimas, serão os líquidos, tais como água, sucos, refrigerantes, cerveja, vinho e demais bebidas que você bebia. O algoritmo foi ajustado aos seus gostos e hábitos alimentares.

-E a vontade das minhas necessidades, tais como urinar, defecar, por exemplo?

-O algoritmo irá bloquear esses sentimentos, já que não tem o sistema digestivo, bexiga, próstata, órgãos sexuais e esfíncter.

-E vou poder beijar? E o amor?

-Sim! Mas as sensações sexuais serão barradas. Os beijos e abraços serão complementos da sensação de amor e carinho, que se manterão em você.

-Serei um ascético, então? - perguntou Luís desanimando.

-Entenda que estes sentimentos pessoais são muito difíceis de processarmos em um novo corpo, mesmo com toda a nossa tecnologia atual. Ainda não conseguimos fazer um corpo exatamente como o humano. É quase impossível!

Luís suspirou desanimado e pensou: no que me transformei. Não seria melhor ter seguido com meu velho e querido corpo? Agora, não tem volta!

Então, entrou o enfermeiro na sala, que o tinha avaliado antes da transferência, com um carinho com vários sachês dos compostos para a sua manutenção. Viu ali seu almoço e bebidas para matar a fome e sede, de agora em diante. Suspirou alto, metalicamente, dizendo ao médico e enfermeiro:

-Saudades de uma bela macarronada!

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 18/07/2024
Reeditado em 18/07/2024
Código do texto: T8109739
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