A VIAGEM SEM VOLTA.

Sua pele clara e cabelos negros apareceu no reflexo do espelho do banheiro. Era de madrugada e foi a segunda vez que Dolores levantava da cama, alguma coisa não estava em conformidade. Por que sua mente não conseguia apenas relaxar e dormir. Ia tentar novamente, apesar que domingo não precisava fazer nada, mas fazia questão de descansar e recuperar suas energias para semana que viria de provas e desafios.

Deitou em sua cama e não demorou muito ela ouviu um barulho diferente, parecia vim da sala, mesmo com medo resolveu ir até lá pra ver do que se tratava. Com passos lentos ela se aproximava e sentia cada vez o barulho se tornar mais perceptível, eram grunhidos. Ela pensou em voltar, o medo tomava conta de sua mente. Afinal era apenas uma garota de 20 anos que mora sozinha, estuda, trabalha e não conseguiria se defender de um ladrão armado, um animal ou qualquer outro ser que tivesse invadido sua casa. E se ligasse pra alguém? Mas quem naquela cidade do interior que ela ainda estava se adaptando e ainda não tinha feito amigos e falaria o que? Polícia? Bombeiros? Resolveu ir até a sala fazendo o mínimo possível de barulhos, mas quando passou pela cozinha, entrou. Com cuidado abriu a gaveta do armário e pegou uma faca, a maior que tinha. Talvez conseguisse pegar o ser desprevenido, ia tentar. Quase na sala ela parou e deu um suspiro, ia respirar fundo e ir até lá.

Então com a faca em posição de ataque entrou na sala. Um brilho forte tomou conta do ambiente, tão forte que deixou Dolores cega por um instante, durou alguns segundos e quando finalmente desapareceu ela viu a sala do jeito que sempre foi, sem ninguém, algo ou coisa diferente.

De manhã na cama a jovem de 20 anos acordou confusa. Seria um sonho? Tudo parecia tão real. Como saiu da sala e foi para a cama, que horas dormiu? Não se lembrava.

Ainda sonolenta foi até o banheiro, precisava de um banho e depois tomar aquele café reforçado. As luzes não se acenderam, a residência estava sem energia elétrica, sem problemas, talvez um banho frio fosse melhor aquela hora. Mas afinal, que horas eram? Tanto faz, é domingo, dia de descanso. Tirou a roupa e entrou no boxe, agora espera que a água fria faça o seu trabalho. Nenhuma gota caiu, também estava sem água na casa, e agora?

O jeito era colocar uma roupa e tentar descobrir o que estava acontecendo, mas o estômago roncava, precisava de um café reforçado. Por sorte próximo a sua casa tinha uma padaria e tinha uns bolos e tortas deliciosos. Seria ali o seu destino. De vestido e chinelos, cabelos amarrados, Dolores pegou suas chaves e abriu a porta de sua casa, agora estava na rua.

A sua frente uma enorme montanha coberta por nuvens podia ser vista à distância, nenhuma casa ao lado, nem padaria, apenas uma mata fechada, árvores e uma névoa cobria tudo deixando um clima sombrio. Ela não sabia onde estava, mas sabia que aquele lugar não é onde fica sua casa, aquela montanha nunca tinha visto na vida, aquelas árvores que não conhecia, havia saído em outro lugar. Assustada voltou os olhos para a porta de onde havia saído, ainda estava lá, igual, entrou na casa, era seu lar, mas a rua, não era onde a sua moradia costumava ficar. Ficou confusa sem saber o que fazer. Ficava na casa ou enfrentava aquela floresta, qual caminho mais seguro?

Sentou no sofá da sala, não havia água, não havia luz. Havia medo e desespero, mas também uma curiosidade e vontade de explorar aquilo tudo. Então a jovem pegou uma mochila, colocou uns itens que talvez precisasse, roupas e saiu em busca de respostas.

No começo não foi nada fácil, até encontrar uma trilha ela passou por matagais, estava protegida, agora usava botas, calças, chapéu e tinha um facão que foi presente do seu pai. Dolores riu de si mesma por estar metida em uma situação assim e lembrava de quando seu pai lhe deu aquela ferramenta cortante para ela que perguntou para que ia querer aquilo. Sempre sentiu que seu pai parecia prever as coisas. Pena que não previu que o ônibus pra casa, não chegaria ao destino final, quantas saudades ela sentia.

Não sabia ao certo quantas horas ou minutos haviam se passado, a garota estava cansada, precisa se hidratar. Além da fome, agora um sol forte lançava raios sobre ela, não havia mais a névoa e o caminho estava mais aberto, às vezes passava por pedras, cavernas, mas não via nada, nem ninguém. Quando a noite chegar o que seria dela. Era hora de parar e ver o que estava na mochila. Apoiou ela ao lado de uma rocha e foi colocando as coisas em cima. Uma bolsa que ia usar para colher galhos que achasse no caminho. Garrafas vazias, precisaria encher elas logo, era urgente uma fonte de água. Uma panela pequena, isqueiro, roupas e biscoitos e chocolates. Decidiu comer uma barra que já estava começando a derreter, as mãos sujas limpou na calça, aguardou uns minutos e voltou a caminhar, iria achar um rio, coletar água e ferver na panelinha e precisava fazer isso já.

Caminhou mais trinta minutos e achou um riacho. A alegria tomou conta de Dolores, mas não se empolgou, ferveu a água e esperou esfriar então colocou nas garrafas e com a panela vazia ferveu mais enquanto tomava uns goles em uma das garrafas.

Percebendo que a noite não ia demorar a chegar a garota decidiu que precisaria se abrigar e fazer uma fogueira, mas não havia nada próximo então caminharia mais um pouco até achar um local adequado. Acabou deitando próximo a uma grande rocha, a fogueira mais uma manta que havia levado ajudaram a aquecê-la, mas não havia nada acima de sua cabeça e a torcida para que não chovesse, já estava tarde para voltar para casa. Dormiu.

A claridade do sol acordou a garota no dia seguinte, a fogueira claro havia se apagado, mas por sorte ela ainda estava segura. Será que naquele lugar não havia animais? Ela precisava tomar uma decisão, seguir em frente ou voltar para casa? Mesmo sem energia elétrica e água encanada o seu lar ainda parecia uma opção melhor. Ia se hidratar, e talvez tomasse um banho no riacho, mas a decisão não poderia demorar a ser tomada.

Como estava sozinha, Dolores não viu nenhum problema em tomar um banho completamente nua, suas roupas ficariam secas e ela ficaria limpa. Então com as roupas penduradas em um galho de árvore ela mergulhou no riacho. Deixou sua mente ir para outros lugares, por um instante resolveu esquecer onde estava e porque, só queria curtir aquele banho, aproveitar o momento. E depois de uns cinco minutos resolveu agir, colocou a roupa, comeu o que havia sobrado na mochila, bebeu água e partiu em direção a um destino desconhecido. Nunca teve medo de riscos, porque teria agora?

Passaram algumas horas e a jovem ainda caminhava, fome, sede e calor eram o que ela mais sentia no momento em que avistou uma mata a uns trezentos metros de distância. Não poderia ser pior ir até lá, ou seria?

Uma cabana feita de um material bege ficava no meio da mata. Dentro dela há coisas desconhecidas pelas maioria das pessoas que a gente conhece. Até mesmo por nós.

Uma espécie de bancada com caixas de cores escuras com botões brilhantes pareciam vibrar, mas quase não se podia ouvir nenhum ruído. No teto da cabana luzes em formatos horizontais de cores quentes. No centro da cabana há um círculo do tamanho de uma abertura comum de um poço. Havia uma espécie de metal cobrindo ele, que foi se abrindo lentamente. Dois seres saíram desse buraco. Pareciam seres humanos, dois braços, pernas, orelhas, bocas e dentes maiores que de costume. Um parecia ser homem e outro mulher. Vestiam roupas brilhantes, desgastadas pelo tempo. Soltavam grunhidos, mas um parecia entender o outro. Escutaram alguém bater na porta, se assustaram. O homem movimenta a mão em frente a porta e uma jovem aparece do outro lado, vestia calças, botas, blusa e chapéu, parecia bastante cansada. Eles a viam, mas ela não conseguia ver nada que se passava lá dentro. Eles correm até uma das caixas e apertam um dos botões. Ficam com a aparência de dois idosos simpáticos e após balançar as cabeças um para o outro abrem a porta.

A jovem parece aliviada por encontrar os velhinhos:

Nossa! Que alegria encontrar vocês! Tenho tantas perguntas. Também tenho fome, sede. - deu um suspiro e sorriu - Podem me ajudar?

Os velhinhos não responderam, se afastaram, se aproximaram de outra caixa. Cochicham algo perto dessa caixa e depois a senhora vai ao encontro da jovem enquanto o senhor aperta uns botões na caixa. A garota volta a falar:

Desculpa, eu não quero incomodar, estou desde ontem perdida na mata, não sei nem onde estou.

O senhor percebe uma palavra aparecer na caixa: PORTUGUÊS, BRASIL. Aperta outro botão. A senhora olha fixamente a jovem que ainda sem resposta tenta mais uma vez:

Podem me ajudar, preciso de abrigo, água e comida?

O velhinho então se aproxima e se dirige a ela falando:

Claro minha jovem, se aproxime, vou te dar um pouco de água.

Graças a Deus - diz Dolores aliviada.

Eles sentaram a garota em uma espécie de cama triangular e dão a ela um líquido que ela não consegue identificar, mas que a hidratou e algumas coisas pra comer que ela também não identificou, mas parece deixá-la mais forte. Achou arriscado comer e beber algo que não sabia o que era, mas aqueles doces velhinhos não achou que iam fazer algum mal. Tinham um gosto que ela nunca havia experimentado antes, não sabia dizer o que lembrava ou se havia gostado. A necessidade daquilo fez tanta diferença que a última coisa que ela se preocupou foi com o seu sabor.

Perto dali, humanos armados andavam pela floresta. Eram em torno de uns trinta homens e vestiam uniformes. Um tecido nunca antes visto e armas que pareciam potentes, todos usavam uma espécie de capacete metálico de cor cinza. Pareciam procurar alguma coisa. Um deles se aproximou de um outro de uniforme diferente, talvez fosse um líder deles:

Confirmado, a casa capturada é do Brasil no planeta Terra, vamos todos falar português. Já procuramos em todos os lugares em não encontramos ninguém, vimos vestígios de fogueira e pegadas. Achamos que as criaturas já pegaram ela

Talvez seja tarde demais - disse o humano de uniforme diferente - mas não vamos desistir. Vamos até a cabana sem sermos notados e se ela estiver lá vamos resgatá-la.

Sim senhor!

Dolores acordou, demorou uns segundos até processar toda a informação, conseguiu se lembrar, foi em busca dos velhinhos, andou pela cabana toda e não conseguiu encontrá-los. Ficou na dúvida sobre as caixas, será que deve se arriscar a mexer nelas? Que mundo estranho é aquele? Como sua casa foi parar ali?

Caminhou pelo cômodo onde entrou, olhou para a porta de onde veio. Se aproximou. Pensou em abrir, mas ao mexer suas mãos ela percebeu que a porta revelava o lado de fora, ainda era dia, não havia dormido muito. Precisava achar os idosos que a acolheram e saber mais sobre aquilo tudo. Será que estariam lá fora? Nota o círculo no chão e lembrando da porta resolve passar sua mão sobre ele que em vez de revelar o outro lado se abre. Uma escada levava para algum lugar ao fundo que ela não conseguia enxergar. Pensa que talvez os idosos estejam por lá. Resolveu descer.

Próximo a cabana, homens uniformizados se esconderam na mata, precisavam entrar na cabana, mas sabiam que precisavam de um plano, as criaturas eram perigosas. Dois deles conversavam:

Já olharam ao redor? Realmente apenas uma entrada?

Sim e ainda não sabemos como entrar.

No subsolo da cabana a garota tinha acabado de descer a escada, e agora estava andando por um corredor pouco iluminado. O espaço era pequeno e parecia que ainda tinha um bom pedaço ainda para caminhar. Começou a escutar uns grunhidos, parecia ser o mesmo que ouviu na sua casa. Parou de caminhar. Percebeu que do seu lado existia uma porta e passou a mão sobre ela e viu dentro do ambiente algumas criaturas bem diferentes dos velhinhos. Eles usavam roupas brilhantes bem gastas seus órgãos eram como de humanos, mas maiores que o normal. Começou a temer que talvez eles tenham matado os velhinhos e agora poderiam fazer o mesmo com ela, precisava correr. Quando pensou em voltar percebeu os velhinhos vindo em sua direção:

Vocês estão vivos?

Claro minha querida. - falou a idosa.

Então um momento de lucidez deixou as coisas mais claras e Dolores entendeu tudo. Se virou e começou a correr. A criatura disfarçada de senhor apertou uma caixa que estava em sua mão e assumiu a sua verdadeira forma, a outra criatura mulher também e enquanto ela correu atrás da garota a criatura homem avisou os outros e em pouco tempo uma quantidade enorme de criaturas estava no corredor atrás da jovem.

Dolores conseguiu uma boa dianteira, as criaturas não eram bons corredores, mas ela estava esgotada e ainda não sabia como abrir a porta pra sair daquela cabana.

Do lado de fora alguns homens uniformizados pensavam a mesma coisa. Como invadir aquela cabana? Um deles olhou para a porta. Resolveu colocar sua mão sobre ela, empurrou, não conseguiu nenhum progresso.

Lá dentro a garota já estava no final da escada, existiam criaturas já começando a subir. Ela chegou no cômodo e só conseguiu pensar nas caixas. Algumas delas deveriam abrir a porta. Começou a apertar vários botões e escutou os grunhidos cada vez mais perto. Olhou o círculo e viu uma cabeça já na saída e sem exitar pisou com força fazendo a criatura despencar escada abaixo. Tinha ganhado um tempinho a mais e voltou a apertar os botões. De repente uma das caixas começou a brilhar e todas as luzes das casas começaram a piscar. A porta se abriu e alguns homens entraram na cabana. Um deles avistou a garota e perguntou:

Cadê eles?

Estão no subsolo.

A bomba rápido.

Então entraram uns dez homens com um cilindro de metal e conseguiram jogar dentro do círculo. Um dos homens agarrou Dolores pelo braço e a levou para fora da cabana. Outros homens vieram ao encontro deles:

Corram!

Foram conduzidos até um veículo retangular de rodas grandes e cor dourada que estava numa clareira, saíram dali e entraram numa espécie de nave e decolaram logo a seguir. Ao longe avistaram a explosão. Um dos homens perguntou:

Será que se foram todos?

Acho difícil - respondeu um outro uniformizado - eles são muitos.

Dolores aliviada e ainda tonta olhava a fumaça subindo ao longe. Olhou para o homem ao seu lado e perguntou:

Será que agora posso retornar pra minha casa?

Os homens se olharam e um deles que estava em frente Dolores pegou em suas mãos e falou:

Sua casa agora é aqui e você é uma de nós.

Gil Ferraz
Enviado por Gil Ferraz em 18/07/2024
Reeditado em 15/08/2024
Código do texto: T8109459
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