Brain Transfer - Eu, Avatar!

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04.07.24

Acordou ainda sentado na cadeira. Sua visão era toda pontilhada e sem foco. Olhou para as mãos, e a imagem imediatamente se ajustou, tornando-se cinematográfica. Enxergava todos os mínimos detalhes da pele, opaca e sem brilho, com suas unhas brancas descoradas. Notou que não tinha as ranhuras naturais, como as mãos antigas e reais do velho corpo. Então, escutou uma voz ao longe, que lhe chamou a atenção, levantado o olhar em direção ao som, que ficou claro . Ouvia uma voz cristalina e limpa, como a respiração e o sibilar das palavras de um homem:

-O senhor está se sentindo bem? – vendo o enfermeiro que tinha feito a avaliação médica para o processo de transferência, movimentando os lábios. A visão era fantástica e limpa, com todos os pequenos detalhes do seu rosto. Os olhos, com sua íris abrindo e fechando conforme a luminosidade; os pelos da barba, com suas pontas negras recém aparadas; a boca, com seus lábios finos e estriados, os dentes descoloridos, enfim, uma visão robotizada que seu cérebro processava conforme as câmeras, de altíssima resolução, enviava as imagens como se fossem seus olhos. Ficou espantado.

-Estou meio esquisito, as reações ainda não são imediatas – ouvindo sua voz metalizada como a de um gravador.

-Fique tranquilo, é assim mesmo, há uma demora entre o processamento robótico e o cerebral, mas, com o treinamento que fará, será como antes, automático e natural. Você verá!

Seus filhos, ao lado do enfermeiro, olharam para o pai sorridentes e falaram:

-Pai, que bom que acordou bem. Você quer ver o seu novo corpo? – perguntou o mais velho à sua frente. O mais novo, atrás segurando a cadeira, disse:

-Vamos ao espelho - empurrando-a até lá.

Ao chegar, viu um ser, ou melhor um boneco de borracha, de pela rosada, opaca e sem brilho, de cabelos e bigodes castanhos sintéticos . O corpo, era liso e sem pelos; o olhar duro e frio e a boca, de lábios rosados e inexpressivos - um perfeito humanoide!

Ficou estático e perplexo com ele no novo corpo. Sentiu tristeza e começou a chorar, mas seus olhos não lagrimejavam, mas sentia que chorava, que lágrimas brotavam em seu cérebro. Soluçava metalicamente!

-Relaxa pai, você vai se acostumar – falou o mais novo.

-Não sei meu filho. É tudo muito estranho, sinto que sou eu, mas ao mesmo tempo não. Falta alguma coisa, a minha essência, o meu jeito! O meu eu verdadeiro se foi. Será que fizemos bem? – respondeu com voz desanimada.

-Pai, você agora precisa se reeducar ao seu novo corpo. O treinamento dura uma semana e verá que se acostumará – completou o mais velho.

Olhou para ele e pediu:

-Me dê a sua mão – estendendo a sua.

O filho pegou a do pai, fria e lisa, apertando-a com carinho. Sentiu o contato quente da mão do filho na sua.

-A minha está gelada! – segurando com delicadeza a do filho.

O enfermeiro, ao lado da cadeira, ponderou:

- Os sensores do seu novo corpo, para que sinta calor, frio, fome, sede e demais sentimentos humanos se ajustarão conforme eles se manifestarem. O software vai se adequando ao longo do seu contato com essas novas situações e com o treinamento. O novo corpo é virgem, e está todo ele conectado com nano circuitos sensoriais ao seu cérebro, que replicam exatamente as sensações como a de um corpo humano. O algoritmo se ajustará a cada dia, hora e minuto do seu cotidiano, fazendo com que sinta o que sempre sentiu. Agora, com o contato com a mão do seu filho, sentiu o calor dela, e o ajuste foi imediatamente processado pelo algoritmo. Essa sensação é do seu filho, e somente dele, pela unicidade de cada indivíduo e ficará gravada no sistema.

-Viu pai, você vai voltar a se sentir como antes, fique tranquilo!

-Tranquilo? E a vontade de comer uma macarronada? De ir ao banheiro? Enfim, como será tudo isso?

Um médico entrou na sala, era o neurocirurgião e especialista em robótica nanoquântica, que ao ouvir as questões do paciente, se postou em frente a este e sorriu, estendendo a mão para cumprimento:

-Olá, Sr. Luís, como está se sentido? Sou o Dr. Eduardo e vou acompanhá-lo nos testes adaptativos.

Luís, ao vê-lo com sua face rosada, cabelos loiros e olhos azuis, boca larga com sorriso de dente alvos, estendeu a sua para apertá-la. No contato, sentiu o calor da dele e o da sua. Espantou-se! Sua expressão facial, mesmo humanoide, mostrou sua surpresa.

O médico saiu da frente do espelho, e disse:

-Sentiu que a sua mão já está se tornando igual à sua antiga mão? E veja sua expressão no espelho, a cara de espanto!

Refletido no espelho, um rosto surpreso, mas inexpressivo e frio, com olhos robóticos arregalados, boca aberta com dentes de silicone opacos e sobrancelhas alçadas. Suspirando, falou :

-Sou um avatar de mim mesmo!

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 09/07/2024
Reeditado em 10/07/2024
Código do texto: T8103205
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