A Colônia Perdida de Marte
Quando Thomas Bohnanon entrou no posto de telégrafo e viu Myles McClemont sentado à frente do equipamento que matraqueava, registrando uma transmissão, encheu-se de esperança. Apoiando as mãos no balcão de madeira, indagou:
- E aí, Myles? Vou poder mandar meu telegrama para Baltimore?
O operador ergueu os olhos do aparelho e encarou o recém-chegado com ar cansado.
- Ainda não, senhor Bohnanon. É essa maldita tempestade elétrica... o senhor deve ter visto a aurora essa noite.
- Sim, - Bohnanon fez um aceno de cabeça - um fenômeno deveras intrigante. Nunca havia visto nada parecido, pelo menos não aqui, tão ao sul. Dizem que é muito comum no Canadá.
E apontando para o telégrafo, que não parava de matraquear enquanto uma fita de papel se enrolava no carretel:
- Mas essa coisa não está funcionando, afinal?
McClemont abriu as mãos.
- Está e não está, senhor Bohnanon. Eu já desliguei a bateria, e continua funcionando sozinho... faz horas.
- Está funcionando sem bateria? - Questionou Bohnanon, incrédulo.
- Deve ter muita eletricidade na fiação dos postes, só pode ser isso - avaliou o operador. - Pensei que desligando a alimentação iria parar, mas a mesma mensagem chega sem parar.
- Alguém mandando um telegrama? - Sondou Bohnanon.
McClemont apertou os olhos, segurando um pedaço da fita impressa entre os dedos.
- Nada que faça sentido. Repete "SOS" três vezes, depois uma sequência de números, e finalmente duas palavras que parecem latim: Hellas Planitia.
- Que o aparelho esteja funcionando sem alimentação, pode ser realmente efeito da tempestade elétrica, mas essa transmissão... alguém tem que estar transmitindo, correto? - Bohnanon encarou o telégrafo com suspeição, como se o aparelho estivesse enfeitiçado.
- Sim, alguém - assentiu o operador. - Alguém que não se identificou. Bem, vamos ter que esperar para ver até onde isso dura.
Ambos não tinham como saber, mas os efeitos da tempestade elétrica durariam até o dia seguinte. Antes disso porém, o rolo da fita de papel do telégrafo foi inteiramente gasto com a recepção da mensagem misteriosa.
* * *
- Você vai gostar de ver isso, Wesley - anunciou Sergio Lara, exibindo uma caixinha de madeira escura. Wesley Carter, o interpelado, apanhou o objeto e abriu a tampa: dentro, havia um pedaço enrolado de fita de papel de telégrafo, e um cartão com anotações a tinta, ambos amarelados pelo tempo.
- Isso é mesmo de 1859? - Questionou encarando a fita, mas sem coragem de tocá-la.
- 1º de setembro de 1859 - assegurou Lara com orgulho. - Um antepassado da minha mãe era operador de telégrafo no interior de Maryland, e guardou essa mensagem como recordação. A transcrição está no cartão.
Carter pegou o cartão e examinou-o frente em verso. Franziu imediatamente a testa.
- Cara, isso não pode ser de 1859... embora seja a data que está escrita no cartão.
- Como assim? - Inquiriu Lara.
- Aqui diz "SOS", repetido três vezes. Suponho que seja um pedido de socorro, correto?
Lara deu de ombros.
- Não sei o que meu antepassado pensou. Ele só transcreveu o que estava em Morse na fita.
A observação desconcertou Carter.
- Bem... sim, porque o sinal de "SOS" é uma invenção do início do século XX. Nunca que alguém iria mandar um pedido de socorro com SOS em 1859.
Puxou o celular do bolso e fez algumas consultas rápidas na caixa de busca.
- Sim, o SOS virou padrão em 1906. E quanto a Hellas Planitia...
Ergueu os olhos do celular e encarou Lara:
- É uma cratera enorme... em Marte. E esses números depois do SOS, são coordenadas dentro da cratera.
Lara ergueu os sobrolhos:
- Alguém em Marte mandou um telegrama para o meu tataravô, em 1859?
- Usando uma convenção de radiotelegrafia de 1906, e com um nome para a cratera que só foi inventado por volta de... 1877.
Devolveu a caixinha para Lara e comentou:
- Sugiro que você guarde isso, com todo o cuidado. Ainda não aconteceu, mas se algum dia tivermos uma colônia em Marte, em Hellas Planitia, é possível que eles mandem um SOS que vai chegar à Terra na época errada, muito antes que alguém possa mandar ajuda.
E diante da expressão assustada de Lara, acrescentou:
- Também é possível que mesmo se a mensagem tivesse chegado na época certa, nós nada pudéssemos fazer. Se usaram Morse, é porque todas as outras formas de comunicação devem ter falhado...