Meu cão vive na Lua
Quando o 327 foi escolhido para a missão, Herbert achou que era hora de lhe dar um nome.
- Sinatra, naturalmente - declarou, abrindo um grande sorriso.
- Sinatra? - Repeti com ar estúpido.
- "Fly Me To The Moon" - acrescentou ele, erguendo o 327 acima da cabeça como se fosse um troféu.
Sinatra era um beagle, como todos os seus irmãos e irmãs do programa espacial. E agora, ele iria para a mais audaciosa aventura que um dos da sua espécie jamais havia tido: ser o primeiro ser vivo a pousar na Lua. "Antes dos russos", como ressaltava Mark Bowman, o chefe do programa.
- Creio que Snoopy seria mais adequado - ponderei.
- Podemos pensar nisso para uma missão futura - minimizou Herbert. - Sinatra é muito mais apropriado para um pioneiro.
E colocou o 327 - quer dizer, Sinatra - de volta à sua gaiola no laboratório.
* * *
- Escolhemos o cão de um dos nossos técnicos, Paul Hayes, para esta missão - anunciou Bowman de um púlpito coberto de microfones, durante uma coletiva de imprensa. E, com um sorriso irônico:
- Naturalmente, ele vai querer o seu bicho de estimação de volta.
Toda a declaração era uma mentira, naturalmente. Apenas queríamos demonstrar que não éramos iguais aos russos, que tinham lançado Laika para morrer a bordo da Sputnik 2. Não, os cães eram bem tratados na América, era o nosso recado para o mundo inteiro.
- O nosso técnico vai posar para fotos e responder a uma ou duas perguntas, no máximo - disse Bowman, o que era a minha deixa. Saí dos bastidores e entrei no palco do auditório, com o beagle nos braços. Sorri para a plateia de jornalistas e me aproximei de Bowman, que fez um gesto para que eu me posicionasse à frente do púlpito.
- Como ele se chama? - Indagou uma jornalista do "Evening Star".
- Bem... eu queria ter dado o nome de Snoopy, mas meu filho achou que Sinatra era mais conveniente - menti.
- Que idade tem essa criança? - Questionou outro repórter, intrigado.
- O suficiente para gostar de Frank Sinatra - declarei, muito sério.
- Então, até a Lua - disse Bowman, dando-me um tapinha nas costas, para que eu me afastasse do púlpito.
- E de volta - acrescentei rapidamente para os microfones, enquanto flashes espoucavam e o 327 começava a latir, assustado.
* * *
A lua cheia brilhava como uma moeda de prata num céu praticamente sem nuvens, sobre os pinheiros e as águas tranquilas do lago.
- Em noites assim, eu me pergunto o que aconteceu com o Sinatra - comentou minha esposa, deitada numa manta ao meu lado, sobre a relva da margem.
- Oficialmente, ele não sobreviveu à reentrada do módulo lunar na atmosfera terrestre - repeti a explicação oficial. - Na verdade, nunca soubemos o que aconteceu de verdade lá em cima.
- E o que você acha que aconteceu? - Questionou ela, apoiando-se no cotovelo e me encarando.
Suspirei.
- O que importa o que eu acho... tudo estava indo bem, o pouso foi perfeito. Mas aí, a transmissão de TV foi cortada por um minuto, e quando voltou, Sinatra havia desaparecido do módulo. A sorte é que não estávamos transmitindo ao vivo, ou teria havido pânico no mundo inteiro.
- Sinatra não poderia ter saído do módulo sozinho - comentou minha mulher, olhos postos na Lua.
- É claro que não, muito menos ido para a superfície lunar sem um traje espacial - assenti.
Depois de um curto silêncio, minha esposa voltou a me encarar.
- Talvez ele ainda esteja por lá, afinal de contas.
- Depois de dez anos... realmente, não acredito nesta hipótese.
- Quem sabe, mandarão alguém um dia para investigar - insistiu minha mulher.
- Vai demorar - admiti. - Ninguém mais teve coragem de mandar voos tripulados para a Lua, mesmo com cães ou chimpanzés.
- Nem mesmo os russos - minha mulher voltou a olhar para a Lua.
- Nem mesmo os russos - repeti.
- [16-03-2024]