Dia 1827
O inverno nuclear não é a catástrofe que a geração dos meus pais acreditava. Já são mais de cinco anos que a poeira e a ferrugem deixam a visibilidade entre cinquenta e cento e vinte metros. Pelos menos aqui nessa cidade. Não há como saber o que se passa em outras; a Internet colapsou e a comunicação via rádio é exclusiva dos militares (ou o que sobrou da estrutura das forças armadas) e mesmo assim é precária e não confiável.
Ainda bem que sobraram baratas, é uma das poucas fontes de proteína que restaram. Tenho a sorte de ter conservado uma pirâmide transparente que levei da universidade no dia do colapso para conseguir água potável. Não vejo outro ser humano há mais ou menos dois meses, se não fosse esse diário já teria perdido completamente a noção de tempo.
Ontem a unha do meu polegar direito caiu expondo a a carne necrosada que fede. Vou tentar começar a escrever com a sinistra enquanto ainda houver carvão e algum pedaço de parede nua. Sei que ninguém lerá, mas essa atividade é o que mantém o fiapo de sanidade na minha mente.