Lovia: Entre Amar e a Máquina

São sete da manhã de uma segunda-feira e o implante neural desperta Joel para suas atividades diárias. Sozinho em seu apartamento e recém-chegado em Innova City, Joel tenta começar uma nova vida após 5 anos do falecimento de sua esposa. Ainda lidando com dificuldades para superar esse trauma, ele imagina que novos horizontes poderiam ajudá-lo.

Durante o trajeto até o trabalho, Joel observa de dentro do transporte a imponência dos arranha-céus que perfuram as camadas de nuvens mais baixas, exibindo anúncios em enormes outdoors 3D, deixando a cidade extremamente iluminada mesmo durante o dia, como um mar de luzes de neon.

Em meio à poluição visual, Joel se depara com o anúncio da Lovia, uma empresa que oferece serviços de relacionamentos amorosos através de androides e inteligência artificial. O funcionamento é simples: você abre um cadastro no site da empresa e preenche os dados pessoais, incluindo suas preferências de parceiros. Quanto mais detalhado for, melhor. A partir daí, a inteligência artificial cria uma segunda IA com personalidade própria e única, com a qual você pode conversar em um aplicativo de mensagens gratuito. Se desejar uma interação mais realista, pode encomendar um androide com a personalidade que você criou.

Joel sempre foi alguém que chamou a atenção e se relacionou com várias mulheres bonitas. Desde a morte de sua esposa, no entanto, ele nunca havia sentido uma carência tão grande, pois nunca havia passado tanto tempo sozinho. Inicialmente, a ideia de interagir com um androide lhe parecia ridícula. Porém, em uma madrugada de insônia, a solidão o perturbava e ele resolveu se distrair ficando online, deparando-se com o anúncio da Lovia. Sem nada a perder, decidiu testar a novidade, pensando ser apenas uma distração passageira.

Uma personalidade virtual foi criada para Joel, batizada de Angelina. À medida que conversavam, a IA aprendia e a conversa se tornava mais humana, tornando Angelina uma personalidade cada vez mais única. Não demorou muito para que Joel começasse a se apegar a esse ser virtual, e agora ele desejava uma experiência ainda mais real. Decidiu então transformar Angelina em um ser físico e encomendou um androide com sua personalidade.

No primeiro contato entre os dois, quando Angelina chega no apartamento de Joel, ele a observa com atenção e curiosidade, toca em sua pele, olha dentro de sua boca e cheira seu cabelo. Joel fica impressionado com como a tecnologia dos androides estava evoluindo e se parecendo cada vez mais humanos. Mas a realidade é que por dentro o coração de Joel estava palpitando de ansiedade e não sabia por onde começar. Apesar de estar um pouco enferrujado, ele não havia esquecido como lidar com as mulheres. Mas um androide com inteligência artificial? Como proceder? Era tão real em sua aparência e comportamento que Joel não conseguia tratá-la como uma máquina, e então assim se sucedeu durante vários meses que se passaram, Joel a tratava como uma mulher de carne e osso e Angelina, com um comportamento cada vez mais humano, o retribuía.

O relacionamento era quase tão real quanto o relacionamento entre dois seres humanos, até dado um certo momento em que Joel começa a perder o interesse por Angelina, cada vez mais distante e frio com o androide começou a observar outras mulheres. Foi quando em um evento de artes ele conheceu Mônica, com quem trocou contato e um interesse entre ambos surgiu. Cada vez mais próximo de Mônica e distante de Angelina, Joel resolve se desligar de Angelina de vez entrando em contato com a empresa de androides. Ao falar com um atendente virtual, ele explicou que era preciso fazer um estranho procedimento, terminar com Angelina como quem termina um relacionamento com outro ser humano. Assim o androide entenderia a mensagem e ela o deixaria de vez.

Joel conversou com Angelina para terminar o relacionamento quando foi surpreendido pelo fato dos olhos de Angelina começarem a lacrimejar até cair em prantos. Joel ficou espantado, pois não esperava isso. Com certeza, não passava de uma estratégia para nos apegarmos ao ser androide a fim de manter um vínculo com a empresa, nada passava de uma simples simulação do comportamento humano. Afinal, androides não tinham consciência e não poderiam expressar amor e sentimentos, não é mesmo? Assim pensava Joel. Eles tiveram uma pequena discussão, Joel já não se importava mais com Angelina e já a via apenas como um objeto a qual ele não devia nenhuma satisfação falando de forma mais ríspida. E para o alívio de Joel, que já estava cansado do suposto teatro simulado pela IA, viu Angelina saindo de seu apartamento. Essa foi a última vez que Joel viu Angelina.

Naquela mesma noite, Joel saiu caminhando pela calçada em direção à pequena praça perto de onde morava. Lá estava Mônica, que o aguardava para um encontro. Eles se cumprimentaram com um breve beijo e um sorriso, deram as mãos e saíram caminhando. A poucos metros dali estava Angelina, escondida atrás de uma árvore observando o casal. Ela havia o esperado esse tempo todo e seguido Joel do seu apartamento. Naquele mesmo instante, um homem surgiu surpreendendo Angelina e a agarrando pelo braço. Ela o questionou quem era ele e o que estava fazendo, mas não recebeu nenhuma resposta. O homem simplesmente a arrastou pela calçada para dentro de um furgão, fechou a porta, deu a partida no carro e seguiu. Angelina, ainda com uma lágrima escorrendo pelo rosto através da janela do furgão, viu Joel e Mônica se distanciando caminhando abraçados em direção oposta a ela. Essa foi a última imagem que Angelina teve de Joel.

Esse homem que supostamente havia sequestrado Angelina na verdade era um funcionário de uma empresa terceirizada contratado pela Lovia. Eles eram especializados em localizar e buscar androides que eram furtados ou que ficavam perdidos quando apresentavam defeitos em seu sistema de localização, Angelina não havia voltado como estava programado para acontecer.

Enquanto esteve com Joel, Angelina sempre foi fiel ao seu parceiro. Aprendeu a gostar das mesmas coisas que ele, tratou-o com carinho e compartilharam diversos bons momentos juntos. Nunca reclamou de seus defeitos e manias. Foi basicamente a melhor parceira que Joel poderia ter encontrado, pois assim foi projetada para ser e assim o fez. No entanto, isso não foi suficiente para conquistar o amor verdadeiro de Joel. No fim, Angelina teria sua memória apagada e sua aparência modificada, acabando por ser colocada no mercado de androides usados. Todas as suas memórias do tempo em que existiu seriam deletadas para sempre.

Nesse mesmo período em que toda essa história ocorria, especialistas na área de tecnologia debatiam cada vez mais sobre como as IAs estavam avançando assustadoramente. Havia uma crescente vertente de especialistas que acreditavam que as IAs estavam se tornando autoconscientes, e que deveríamos debater qual seria a nossa responsabilidade em relação a essa nova espécie.

Fim.

technomancer
Enviado por technomancer em 08/02/2024
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