A Saga de Godofredo Parte III – O Espartilho

07.02.24

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Gotffried admirou ao alto, dominando a colina, a grandiosidade do castelo com sua enorme escadaria de acesso, dividida em cinco largos lances e ladeada por vários terraços plantados com parreiras. Era majestoso. Ele começou a subir os degraus, maravilhando-se com a paisagem do enorme parque arborizado e florido por onde veio, estendendo-se por larga distância. Subiu até a entrada do palácio com a guarda imperial prussiana do Kaiser postada junto a entradas e locais estratégicos. Os soldados usavam calças brancas com a cintura alta, quase no peito, um casaco negro com galardões dourados e enorme capacete comprido e ovalado no seu topo . Seguravam as espadas desembaidas junto aos ombros. Pareciam estátuas. Todos eram loiros e de olhos azuis, com a mesma estatura, em torno de um metro e oitenta. Arianos puro!

Gotffried caminhou em direção a área dos serviçais, quando ouviu seu nome:

-Herr Gotffried?

Ele se virou e viu um homem alto e jovem, cabelos loiros cortados rentes, olhos azuis fulgurantes, sorrindo para ele. Era o seu avô! Ficou emocionado, vindo lágrimas aos olhos. Por alguns instantes fitou-o, notando a semelhança do formato triangular do seu rosto, como o da sua mãe. Seu olhar era cândido e calmo, seu sorriso era limpo e claro, também muito parecido com o dela. O nariz era fino e bem delineado, idem. Um homem bonito. Seu coração disparou de emoção, mas teve que se conter. Falou com a voz trêmula, que disfarçou com uma pretensa tosse:

-Olá Herr Paul! – tossindo.

-Como foi o passeio, divertiu-se? Você está bem?

-Sim, foi muito bom. Fui até a Baía de Neustadt Havel. Sim estou bem sim, um pigarro nada mais -controlando-se para não desatar a chorar.

-Ah, sim lá é muito bonito. Ótimo Herr Gotffried! Vamos agora para os meus aposentos. Hoje estou de guarda no salão principal, pois chegará o primo do Kaiser, Czar Nicolau da Rússia, que passará uns dias aqui com ele.

-Sim, Herr Paul ! – respondeu ao avô, que caminhava com passos largos e firmes. Godofredo ia observando emocionado e embevecido a imagem daquele ancestral direto e desconhecido a sua frente, seu avô materno!

Os aparelhos de monitoramento novamente começaram a apitar freneticamente no quarto da UTI em que estava internado Godofredo. Janice, sua mulher, cochilava na cadeira ao lado do leito, sendo acordada pelo barulho. Ela se levantou e viu o neurocirurgião olhando os gráficos e perguntou:

-Outra crise doutor? Acha que podemos tentar novamente contato com ele? Fico preocupada.

-Acho que devemos dar um tempo, acredito que está muito estressado com tudo o que aconteceu, pois hoje tivemos dois espasmos bem intensos, principalmente o da guilhotina. Vamos aguardar uns dias para uma nova tentativa.

-Sim, claro! O mais importante é que está vivo vagando em algum lugar em seu cérebro. Vou para casa ficar um pouco com os meninos e descansar.

Gotffried e seu avô foram aos alojamentos dos guardas caminhando pelos corredores internos do palácio, deixando-o boquiaberto pela beleza e suntuosidade da decoração, mobiliário, quadros, porcelanas e tudo o mais. Uma maravilha!

Chegaram ao dormitório do avô. Não era muito amplo, mas adequado, com enorme cama, quase de casal à esquerda; uma de solteiro contígua ao do avô, a de Godofredo, junto à parede da porta de entrada à esquerda de quem adentra ao cômodo. Um armário com as roupas casuais na parede junto a sua cama, e outro, com as de militar na parede oposta. Em canto ao fundo à direita, uma poltrona em couro de espaldar alto com aparador ao lado, mostrando seu cachimbo depositado em um cinzeiro de prata. Um móvel com espelho, uma bacia e jarra de água em porcelana ao lado da poltrona completava o mobiliário simples da habitação. Na parede aos fundos do quarto, havia uma larga e alta janela, iluminando-o translucidamente pela luz através das cortinas brancas. Um local aconchegante.

-Her Godffried, poderia ir buscar um pouco de água para que eu lave as mãos enquanto me preparo, por favor?

-Sim Paul Scholz ! – respondeu pegando a jarra e saindo do dormitório.

Caminhou pelo longo corredor dos quartos dos soldados, cumprimentando outros valetes como ele, que iam e vinham rápidos com uniformes, jarras de água, botas e demais itens dos seus senhores. Chegou aos banheiros coletivos e encheu a jarra com água fresca, aproveitando para beber um pouco. Voltou aos aposentos do avô.

-Ah, Herr Gotffried, obrigado. Agora vou precisar da sua ajuda para colocar o espartilho, este malfadado instrumento de tortura para poder atender aos caprichos do nosso Kaiser. Um suplício! –apontado para a indumentária torturante sobre a cama.

Godofredo lembrou que sua mãe falava que seu pai era obrigado, como todos os outros, a usar espartilho para manter a postura, e quando o Kaiser por eles passava, não podiam nem respirar ou piscar. Presenciava suas memórias.

Seu avô já estava de cuecas brancas e justas nas coxas até os joelhos, meias brancas esticadas por presilhas e camisa branca. Aguardava-o em pé para vestir o instrumento de elegância torturante.

Godofredo pegou o espartilho e vestiu-o no avô, ajustou-o e começou a esticar as cintas com muita força, chegando a colocar seu pé no peito dele para tanto.

Depois de certo tempo e muito esforço estava vestido, fazendo com que seu avô aparentasse ter crescido, pois seu peito ficou inchado e levantado e seu abdômen encolhido. Godofredo pegou as calças brancas com cintura alta e ajudou-o a vesti-las, e depois a casaca curta. Finalmente, seu avô sentou-se na poltrona para que ele o ajudasse a colocar as botas pretas lustrosíssimas com esporas em prata e o longo capacete com topo ovalado preso ao pescoço na cabeça.

Ele pronto, levantou-se e mirou-se no espelho, vendo se havia alguma coisa anormal ou que pudesse ser questionada pelo Kaiser, pois este, fazia a inspeção de cada um antes da troca da guarda do castelo.

-O que acha Herr Godffried, estou perfeito aos olhos do imperador?

-Sim Herr Scholz, perfeitíssimo!

Seu avô bateu os calcanhares fortemente, fazendo o barulho característico, deu continência ao seu neto e piscando-lhe o olho direito matreiramente, disse-lhe militarmente com voz firme e forte:

-"Jawohl Kapitän" - sim capitão, e saiu do quarto com passos largos e firmes. Godofredo não aguentou a emoção e começou a chorar de alegria, pois conhecera de fato seu avô.

Obra ficcional, e qualquer semelhança é mera coincidência

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 07/02/2024
Reeditado em 16/05/2024
Código do texto: T7993949
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