Árvores sem frutos.
Demétrio retornou ao que restou da sua casa de infância, uma ruína de metais retorcidos e tijolos esfarelados, requisitados por uma floresta de cactos florescentes.
Poucas pessoas permaneciam na colônia por essa época. Os minérios se esgotaram, e os habitantes que restaram viviam da extração do óleo dos cactos, enviados como matéria-prima exótica em cargueiros espaciais.
Era melhor assim, pensou. Não haveria quem desenterrasse suas falas, fazendo ironia do seu retorno. Afinal, quem era o todo-orgulhoso que achava aquele calor um saco, a falta de lazer entediante, os vizinhos sem criatividade?
Agora a colônia lhe servia bem. No verão chuvoso, ele poderia ficar em casa e pintar. Não com tinta digital, mas com pincéis de verdade. No inverno ressequido, ele poderia visitar as cavas abandonadas, alagadas de bons peixes.
Mas seu lar de infância estava imprestável. Foi por isso que ele entrou na casa indicada pela jovem corretora. Avaliou o tamanho modesto dos cômodos, fáceis de limpar, e o quintal amplo. Até havia um pomar!
O dilema era que Demétrio conhecia essa casa, e para ele, era um lugar marcado pela melancolia.
“Os Lopes costumavam viver aqui”, ele disse em partes para si, em partes para a corretora.
A corretora deu nos ombros. Para ela, aquele sobrenome não significava nada.
A família de Demétrio, como tantas outras nas colônias deste e de incontáveis outros planetas, pertenciam à Ordem Sagrada de Expansão. Sua mãe, incansável, sempre o alertava para manter distância dos Lopes, e a simples menção a esse sobrenome fazia com que ela cruzasse involuntariamente as mãos em um gesto religioso de proteção.
Demétrio levou a sério os avisos maternos e evitou fazer amizade com Laura Lopes, que tinha aproximadamente a mesma idade que ele. Nem com o irmão mais velho dela, responsável por percorrer as ruas da colônia, recolhendo o lixo e encaminhando-o à estação de reciclagem.
A verdade era que Demétrio não via nada de diferente na família Lopes. A colônia era povoada por gente de todo canto, de toda a sorte.
“Porque eles são Espaciais", afirmou sua mãe, quando uma vez indagada e como se essa breve explicação fosse suficiente.
"Tá. E o que significa ser Espacial?"
"Bem... Há muito tempo, algumas pessoas deixaram nosso planeta natal para viver somente em naves, sem um solo para semear", respondeu sua mãe. Então, em um tom monótono, ela recitou: "Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam do que produzirem. ”.
"Mas os Lopes vivem aqui, não em naves. Eles têm até um pomar!", ele insistia.
"Filho, um fruto não é melhor que a árvore que o concebeu. Agora, chega de perguntas, vá tomar banho", repreendeu a mãe.
Demétrio detestava quando os adultos falavam em parábolas. Tinha muitas outras perguntas sobre os Espaciais, mas também sobre por que os cactos brilham, como as três luas não colidem entre si. Sabia que nem sua mãe, nem ninguém na colônia, era capaz de responder.
"Foi por isso que parti", recordou Demétrio, "em busca de respostas."
A corretora chamou a atenção dele, explicando como a casa havia sido modernizada: encanamento, ar condicionado, pintura. Tudo novinho.
"Sabe me dizer o que aconteceu com os antigos donos da casa?" perguntou ele à corretora, ignorando a lista de melhorias.
"Hã. Um momento", respondeu a jovem, conferindo o tablet em sua mão. "A ficha não costuma ter muitos detalhes. Bem, a proprietária atual é Laura Lopes, e o local de residência está, hum, como Colônia Éden."
Demétrio sorriu, encarando a casa, ainda imerso em pensamentos.
"Então, está interessado?" perguntou a corretora, inquieta.
Um aroma de limões se desprendeu pelo ar úmido, emanando do pomar. As palavras da mãe de Demétrio ecoaram em sua mente, falando sobre sementes, jardins e frutos. Contudo, ele se perguntou se ela alguma vez tinha experimentado algo da Terra.
Era um perfume singular, e, apesar de Demétrio ter percorrido tantos lugares, em tantas colônias, limões já não eram mais comuns. Solo a solo, planeta a planeta, o fruto se transformara em alto totalmente diferente.
A mente de Demétrio voltou-se novamente para o pomar à sua frente. Imaginou se as mudas haviam sido trazidas diretamente da Terra, plantadas em um vaso, nutridas por água reciclada e luz artificial de uma nave espacial, cuidadosamente mantidas pelas gerações de Lopes.
Ao inspirar profundamente o aroma cítrico, ele tomou sua decisão com convicção.
"Sim, vou ficar com a casa."