Kirbutz, o Filho da Floresta, chegou à boca da caverna e entrou. Subira a montanha logo cedo, levando o dia todo para chegar até ali. O oráculo encontrava-se sentado à sua espera.
— Fique à vontade, meu jovem. Disseram-me que tu querias me ver.
— Sim, Mestre Korlak. Venho em busca de orientação – disse o visitante avançando para o interior da caverna. Acomodou o corpanzil da melhor maneira que pôde no chão e pousou o artefato à sua frente.
— O que é isso? – perguntou o sábio olhando curioso para o estranho objeto.
O cilindro fora colocado na vertical. Dentro dele luzes suaves deslizavam de modo intermitente sob a sua superfície transparente.
— Tenho algumas dúvidas sobre ele, mas veio das estrelas.
Korlak expressou espanto.
— Impossível. Já fazem centenas de estações que não vimos mais artefatos deste tipo vindos lá de cima!
— Mas é a verdade. Encontrei este aqui no vale de Turuk. Estava dentro de uma estrutura maior. Vi quando a tal coisa despencou do firmamento envolta numa bola de fogo. Pode ser um sinal dos Senhores do Céu.
O Oráculo expressou ainda mais espanto. Pediu para tocar e ver de perto o cilindro. Depois de averiguá-lo com muita atenção, perguntou:
— Isto tem alguma serventia como arma?
— Não. Parece ter sido feito para outro propósito, Mestre.
— Que propósito seria este?
— Tal engenho tem a capacidade de emitir visões em meu estado de sono. São representações claras de como eu, Kirbutz, o Filho do Floresta, posso me transformar num Deus. Acho que os Senhores do Céu têm planos para mim.
— Quer dizer que tu foste escolhido pelos Senhores do Céu para ser um deles? – disse o oráculo em tom cético, quase de deboche, deixando o artefato novamente no chão. – Então, isto aí não serve para nada. Não tem propósito algum. As visões em estado de sono pouco servem para alterar a nossa realidade.
— Mas, Mestre, elas não são como profecias enviadas pelos deuses?
Korlak manifestou, desta vez, aborrecimento. O rumo da conversa estava ficando complicado. Precisava tomar cuidado.
— Há muito tempo as visões dos adormecidos não contam mais como intenção divina, tu não sabias disso?
— Peço perdão pela ousadia, ó Sábio da Montanha, mas discordo.
O conselheiro ficou perplexo pelo atrevimento do jovem. Quem era ele para contradizer o oráculo de maior prestígio na região das montanhas? Achou melhor, por cautela, ouvir as besteiras daquele tolo ignorante. Talvez pudesse convencê-lo a deixar o artefato na caverna.
— Pense bem, Kirbutz. Por que os deuses ensinariam um ser inferior como tu, ou eu, a ser tão poderoso quanto eles.
— Por que eles precisam de alguém forte o bastante aqui embaixo para disseminar a paz ao nosso povo. Os confrontos armados entre as facções apenas trazem morte e sofrimento. As divindades de cima parecem não aprovar o nosso comportamento.
Korlak ficou realmente preocupado com aquelas palavras. A má influência do artefato no jovem guerreiro não era boa coisa. As disputas de poder sempre se deram através das guerras entre as tribos. A ascensão de conselheiros como ele, por exemplo, dependia em grande parte do resultado dos confrontos.
— Diga-me como são essas visões?
— São imagens de um povo distante, bem diferente de nós. Vivem longe. Moram além das estrelas conhecidas. Um deles foi escolhido entre seus iguais para falar sobre a paz entre as nações. O escolhido segue, então, o longo caminho de convencer os outros sobre os benefícios da harmonia e participa de eventos extraordinários, que o elevam diante de sua gente como... como um Deus!
— A paz nunca existiu por aqui, Kirbutz. Não se pode mudar a nossa natureza apenas com palavras. Agora, vá embora, livre-se desta coisa e não pense mais nisso.
O jovem guerreiro, visivelmente contrariado pelas palavras duras do sábio, ergueu o seu grande corpo ovalado e gelatinoso sob a força de quatro potentes tentáculos enquanto, o mais longo deles, recolhia o cilindro e o depositava em uma das três bolsas marsupiais de sua estrutura.
— Sinto muito, Mestre Korlak. Mas não vou desistir das minhas visões. Trarei a conciliação a este lugar.
Kirbutz, sem mais demora, sem esperar a réplica do outro, saiu da caverna para refazer o longo caminho de volta para casa. Enquanto descia as escarpas montanhosas, refletia sobre o fracasso da viagem. Buscara orientação do Grande Oráculo, porém este subestimara a sua inteligência, fazendo pouco caso dos deuses.
Durante a descida, ao descansar pendurado sobre a boca do abismo, agarrado às saliências das rochas apenas por um dos tentáculos, ele ejetou do corpo um dos seus três olhos e o elevou na direção do firmamento, que já prenunciava o cair da noite. Viu lá em cima, deslizando na frente de uma das luas, o brilho tênue da casa dos Senhores do Céu.
— Estou com medo do meu destino – sussurrou para si mesmo.
Não conseguia tirar da mente a visão mais impactante do difícil processo para se tornar um Deus: tratava-se da imagem desoladora do sofrimento de uma criatura bípede frágil e pregada numa cruz entre dois de seus iguais.