O ÚLTIMO MINUTO

 

Eu estava perdido em meus pensamentos, rindo do meu destino. Afinal, minha campanha presidencial começou com uma piada. Não tenho experiência política nenhuma. Como vim parar aqui!? As redes sociais fazem milagres mesmo!

 

Meu olhar estava perdido no salão oval, apreciando a vista o gramado da Casa Branca, quando, de repente, o general McGregor entrou de rompante na sala, com seu bigode largo e branco e pele rosada, testa franzida e com as veias próximas a testa saltando, parecia que ele iria explodir a qualquer momento:

 

- Sr. presidente! Mísseis nucleares irão atacar o nosso país em 14 minutos. Eu sei que é seu primeiro dia no cargo, então vou para orientá-lo. Mas você é o único que pode autorizar nossa retaliação nuclear em resposta e você só tem alguns minutos para tomar uma decisão! Como você sabe, as tensões aumentaram rapidamente nos últimos dias. Um exercício conjunto da defesa aérea aliada realizado hoje começou poucos minutos antes de detectarmos o lançamento. Um simples mal-entendido talvez.

 

Ele parou por um instante, engoliu a seco e continuou:

 

- Presumimos que o ataque repentino tenha como objetivo neutralizar o maior número possível de nossas forças nucleares. Mas isso não importa agora – os mísseis estão no ar e não podemos abatê-los todos.

 

Simplesmente fui jogado na fogueira. Como assim? Logo eu, no meu primeiro dia!? Senti uma tontura repentina, minha visão ficou turva. Respirei fundo e tudo o que saiu da minha boca foi:

 

- Por que?

 

- Porque os mísseis balísticos intercontinentais são basicamente foguetes lançados ao espaço e antes de reentrar na atmosfera ele libera muitas ogivas diferentes!

 

Segundos depois, vieram cinco homens enormes, de cabelo bem aparado, óculos escuros e ternos pretos - típicos agentes de segurança do serviço secreto, me cercaram e me pediram para segui-los:

 

O General McGregor seguia ao meu lado. Ele não parava de falar:

 

- Precisamos levar você ao bunker! Aqui está o que sabemos há quatro minutos.

 

Ele tirou o tablet debaixo do braço e me mostrou as imagens:

 

- Nossos novos satélites de monitoramento infravermelho detectaram cento e doze rajadas consistentes com o ICBM sendo lançado a partir dos territórios internos do inimigo. Por alguma razão, apenas 20 dos seus 80 silos subterrâneos nucleares parecem ter disparado. Então, suspeitamos que a maioria deles eram lançadores transportadores-eretores.

 

Olhei para ele com cara de paisagem, não estava entendo nada do que ele estava me falando. Ele deve ter percebido o meu olhar num misto de terror e desorientação e tentou explicar:

 

- Você sabe: caminhões com grandes mísseis. Não está claro por que eles não o fizeram uso de todos os seus silos. Eles podem simplesmente não funcionar depois de mais de trinta anos ou podem mantê-los em reserva para um ataque posterior.

 

Ele abaixou a cabeça, tocou mais algumas vezes na tela. O nosso grupo seguia descendo o elevador. McGregor balançava a cabeça negativamente. Era nítida a sua frustação. Ainda de cabeça baixa e dedilhando freneticamente o tablet, ele falou em tom nervoso:

 

- A névoa da guerra está mantendo muitas coisas obscuras! O Comando Aeroespacial acha que os ICBMs são visando nossos centros de comando nuclear, silos e principais bases da força aérea e da marinha. Eles querem acabar com esta guerra antes que tenhamos a chance de agir! A doutrina estratégica do inimigo prioriza alvos militares e nossos sistemas de armas nucleares.

 

O elevador chacoalhou um pouco, os agentes se aproximaram de mim e um deles cochichou:

 

- Normal. Esses elevadores foram instalados nos anos 50.

 

Eu prestava o máximo de atenção possível para entender no que eu estava metido. O general continuava vociferando:

 

- Bastardos! Seus alvos secundários são nossas indústria e infraestrutura – refinarias de petróleo, usinas de energia e portos de águas profundas. Infelizmente todos esses pontos estão localizados perto ou em grandes centros populacionais. Não saberemos a exata contagem de vítimas por algumas semanas. As mortes causadas pela explosão e queimaduras pode ser de alguns milhões hoje. É hora do rush matinal e não há muito a ser feito para pessoas presas no trânsito. As pessoas nas principais áreas metropolitanas não conseguem evacuar, mas mensagens de emergência estão sendo enviadas para as pessoas procurarem abrigos no local e ficarem longe das janelas. A exposição à radiação em centros populacionais intactos é altamente dependente do clima na próxima semana. Podemos contabilizar cerca de dezenas de milhões de mortes até o final do mês. Nos próximos minutos ainda poderemos responder, mas... – fez uma curta pausa para respirar, me olhou no fundo dos olhos e falou de forma incisiva:

 

- Você precisa decidir! Temos 1.500 ogivas em nosso silos, bombardeiros e submarinos. Os 400 em silo precisam ser lançados agora mesmo antes de serem neutralizados pelo inimigo! Temos 46 aviões bombardeiros com capacidade nuclear em alerta máximo que podem estar prontos para decolar em dois minutos.

 

O olhar dele parecia que atravessava a minha alma, demandando que eu respondesse, desse uma ordem:

 

- Precisamos transmitir o pedido agora para tirá-los do raio de explosão se você quiser usá-los! Dos nossos 14 submarinos nucleares, 5 estão atualmente no mar. Enquanto eles estão submersos, eles estão indetectáveis. Então, esse é o nosso maior trunfo para uma retaliação nuclear se perdermos nossos silos e bombardeiros. Poderíamos tentar usá-los bombardear seus campos de silos restantes antes que possam usa-los. Quanto mais cedo você se comprometer com isso, maior será a chance que teremos de prevenir um novo bombardeio nuclear em massa após nossa retaliação.

 

Já tínhamos descido do elevador. Estávamos andando por um largo corredor escavado da rocha bruta. Tropas se movimentavam de um lado para o outro. Nunca tinha visto uma estrutura subterrânea assim tão grande!

 

Não saia da minha cabeça a possibilidade daquilo ser um erro. Lembro-me de que uma vez, conversando com assessor de ciência e tecnologia, Bruce Alberts, um senhor na casa dos setenta anos, cabelo brancos, óculos  fino e sorriso fácil me disse que houve na história momentos críticos que uma má interpretação de imagens de satélites ou de radares quase deflagrou uma guerra nuclear de proporções globais. Ele falou também sobre atividade solar, que poderia lançar uma rajada que poderia atrapalhar nossas comunicações via satélite o termo que ele usou foi ejeção de massa coronal, salvo engano. Queria muito acreditar que aquilo tudo era apenas um erro, mas McGregor não calava a boca e continuava a me empurrar contra a parede:

 

- Atualizações! – ele bradou enquanto arregalava os olhos, que estavam vidrados no tablet.

 

- Temos confirmação de radar de que os ICBMs inimigos completaram sua queima e lançaram suas ogivas. Nosso melhor palpite é que cada míssil possa lançar pelo menos 6 veículos de reentrada, cerca de 600 no total, que é a parte que carrega uma ogiva de volta à atmosfera durante sua descida terminal até o alvo - e com muito mais iscas além disso. Essas iscas são balões infláveis que podem enganar o nosso sistema antimísseis. Estamos monitorando agora quase 4.000 alvos em potencial.

 

Ele dedilhou freneticamente o tablete por mais alguns segundos, seu rosto contraído e sobrancelhas estavam tão espremidas que pareciam uma só.

 

- Nossos mísseis antibalísticos foram lançados e começarão a interceptação em um minuto - ele frisou bem esses 'um minuto', creio que seja literalmente isso.

 

Tirou os olhos do tablete e voltou a me encarar:

 

- Faremos o nosso melhor para proteger a capital, embora realmente não haja defesa - bateu continência.

 

Mal tinha percebido um pequeno ponto negro grudado na orelha esquerda. Ele usou o dedo para melhorar o que estava escutando e disparou:

 

- Espere… confirmando apagão parcial nos radares, nossos sistemas parecem estar com problemas. O inimigo deve ter antecipado que lançaríamos nossos interceptadores e pré-detonado algumas ogivas em grandes altitudes. Isso ioniza a atmosfera e cria interferência de radar. Nossos interceptadores ainda devem operar bem, eles tiveram uma taxa de sucesso de 55% em testes, mas nunca com tantas iscas ou com interferência de radar tão intensa!

 

Quando ele falou em “ioniza a atmosfera”, lembrei-me que Bruce Alberts falou que era exatamente isso que uma ejeção de massa coronal iria fazer ao chegar na nossa atmosfera. Um lampejo de esperança ressurgiu. Quem sabe seja só o nosso Sol nos pregando uma peça? McGregor falava mais rápido que narrador de jogo de futebol, dava para ver o suor escorrendo da sua testa e as veias da região do pescoço saltarem. Meu Deus, falava pouco para ele ter um ataque cardíaco ali mesmo!

 

- Podemos abater 50 objetos, mas não há garantia de que sejam ogivas. Parece que a maioria das bombas vai passar! Esta é a nossa última chance de contra-atacar!

 

Ele gritava e cuspia, ficando cada vez mais vermelho, me fuzilando com os olhos:

 

- Estamos sem tempo. Nossa sequência de lançamento do silo leva cinco minutos! Temos que transmitir e confirmar uma ordem de lançamento e o míssil precisa de tempo para ser liberado! 

 

Parou um instante para limpar a baba que se acumulou no canto da boca e prosseguiu:

 

- Isso é muito para absorver, eu sei, mas o plano de guerra está feito. Você só precisa liberar os códigos de autorização e apertar este botão para transmiti-los. Você não pode fazer mais nada para salvar mais nosso povo!

 

Ele me estendeu o tablet, já na tela para colocar a senha e, logo abaixo um enorme botão vermelho escrito “LANÇAR”. Tentando se acalmar e talvez ser mais assertivo comigo, ele disse em um tom mais calmo:

 

- Se você não lançar agora, esta guerra terminará antes mesmo de começar – você entende que esta é a nossa única chance, certo? O efeito? As baixas civis inimigas são difíceis de estimar, mas deverão ser semelhantes às nossas – alguns milhões de imediato, talvez algumas dezenas de milhões até ao final do mês.

 

Ele respirava fundo antes de falar e, sutilmente, aproximava a tela do tablet para que eu desse a ordem. Nisso, já atravessávamos um largo portão com vários metros de espessura, um amálgama de concreto e vários metais dispostos em camadas. Ao meu redor, membros do congresso e militares de alta patente tomam seus lugares na sala. Todos eles estavam me encarando.

 

Podia ouvir alguns sussurros de alguns deles conversando entre si “Ele ainda não deu a ordem?!”, “Será?!”, ”Tempos sombrios virão...”, “Deus abençoe a América”.

 

- As consequências totais dos seus ataques e dos nossos podem desencadear um inverno nuclear, potencialmente matando milhares de milhões de pessoas em todo o mundo – mas isso pode acontecer mesmo que não retaliemos. Tenho certeza que você tem dúvidas, mas precisa dar ordens sem esperar respostas agora. Com um ataque desta escala não há garantia de que as comunicações ou os ativos militares estarão intactos em poucos minutos.

 

Olhou para o relógio no braço, arregalando ainda mais os olhos. Cochichou algo como “Deus nos abençoe!” Segurou o tablet com as duas mãos, embora ele tentasse mostrar firmeza, era nítido o tremor de suas mãos.

 

- Estamos sem tempo! Precisamos de uma decisão, senhor. Podemos lançar?

 

Manassés Abreu
Enviado por Manassés Abreu em 13/12/2023
Código do texto: T7953073
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