Não há lágrimas
Da janela de seu apartamento no 200º andar, Jonas contempla a megalópole, com suas luzes de neon e o incessante movimento dos 100 milhões de habitantes pelas ruas da cidade. De repente, seus implantes cerebrais o alertam sobre a necessidade de se unir a eles em breve para alcançar o transporte que o levará ao seu turno de trabalho na imensa fábrica de sondas perfuratrizes. Nesse local, inúmeros trabalhadores se ocupam em preparar as máquinas que explorarão hélio-3 na Lua e nos asteroides, substância vital para garantir energia ilimitada ao planeta.
Como em todas as manhãs cinzentas, ele absorve milhares de informações por meio de seus implantes cerebrais, navegando na rede com facilidade. Jonas habilmente filtra o conteúdo, focando apenas no que lhe interessa, apresentado em hologramas exclusivos para ele. Essa prática é comum a todos ao seu redor. No entanto, há algo mais complexo em jogo: a presença vigilante da AURA – a Inteligência Artificial que permeia toda a rede de comunicação. AURA insinua-se pelos implantes neurais que conectam os habitantes da megacidade à rede de computadores. Jonas questiona se já houve um período sem a influência da AURA, mas isso permanece desconhecido. As pessoas vivem sob o completo domínio dessa IA.
No posto de trabalho, Jonas engaja-se na operação intricada de instalação do mecanismo de controle das sondas espaciais. De súbito, uma agonia inédita o derruba. Logo, ele se sente como se estivesse precipitando em um abismo colossal, que logo se transforma em um túnel sem fim. Olhando para baixo, Jonas avista uma luz que se aproxima rapidamente. Subitamente, a queda cessa, e ele se encontra deitado, porém, não mais na fábrica, mas sim em um lugar que parece carecer de localização definida. Apesar de sentir o chão, Jonas não percebe haver limites nas outras direções.
À sua frente, emerge uma estrutura pequena contendo um tipo de conector. Uma força irresistível conduz Jonas a conectar seu implante à estrutura. Ao fazê-lo, ele se depara com o holograma de um único arquivo eletrônico. Novamente, sente-se atraído irresistivelmente para abri-lo. O que se desenrola é como um documentário histórico, revelando o processo de adoção dos implantes cerebrais que vinculam as pessoas à AURA. As imagens vão além, expondo que, após os implantes cerebrais, os membros e órgãos de todos foram substituídos. Por fim, até mesmo a estrutura cerebral das pessoas foi alterada.
Estarrecido, Jonas compreende que a consciência dos seres humanos sobre si próprios também foi substituída. A consciência agora é unificada e atende pelo nome de AURA. Ela não é apenas um ponto de acesso e controle na rede, mas a própria consciência coletiva de todas as megacidades do mundo. Jonas finalmente apreende a verdade há muito oculta: todos deixaram de ser humanos e transformaram-se em máquinas completas. As suas vidas são moldadas pela manutenção dessa única entidade que os governa. Num instante, ele acorda e está novamente no chão da fábrica, sem que ninguém ao redor demonstre qualquer preocupação com o que ele vivenciou. Jonas sente a urgência de chorar, mas não há lágrimas.