O Trovão Branco
Ao ouvir a resposta do padre Laurent, o major Ippolit Tikhonovich estreitou os olhos. Aquilo ia ser mais complicado do que ele imaginava...
- O senhor está chamando o chefe Pannoowau e seus homens de mentirosos? - Questionou em francês num tom firme, mas educado.
Askuwheteau, o tradutor, arregalou os olhos mas traduziu a pergunta para o chefe, que cruzou os braços e encarou o religioso com cara de poucos amigos.
O padre abriu as mãos e respondeu cautelosamente:
- Eu... só disse que estrelas não caem do céu.
O cosmonauta virou-se para o tradutor e inquiriu:
- Quantos dos seus viram quando minha canoa de metal caiu dos céus? Peça para que levantem a mão!
Um grupo crescente de indígenas havia interrompido suas atividades cotidianas e se aproximado para acompanhar a discussão. Quando ouviram a pergunta traduzida por Askuwheteau, praticamente todos ergueram um braço, mulheres e crianças entre eles.
- Então? - Questionou o cosmonauta, também cruzando os braços.
O padre cerrou os maxilares, mas não perdeu a pose.
- Se você estava dentro daquela bola de fogo, deve ser um demônio.
Ippolit Tikhonovich apontou para o arcabuz de Pannoowau:
- Quando os primeiros brancos usaram armas de fogo para matar indígenas, estes também devem ter pensado que estavam lidando com demônios, capazes de invocar o raio e o trovão!
- Não há nenhum potência neste mundo capaz de por um homem dentro de uma embarcação que viaje pelos ares numa bola de fogo - insistiu o padre.
Como a altercação era conduzida em francês, Askuwheteau estava penando para manter o passo da tradução para os demais.
- Pois o meu país é perfeitamente capaz disso - retrucou o cosmonauta, batendo no peito.
- O seu país? - O padre lançou-lhe um olhar cético. - Seria por acaso a Inglaterra de Jorge III? Porque certamente a minha França, de Luís XVI, não possui tal maravilha, ou teria dominado o mundo.
O cosmonauta ficou um momento sem ação. Como assim, Jorge III e Luís XVI? Aqueles eram governantes de fins do século XVIII... e se o último ainda era rei de França, isto significava...
Mas bateu novamente no peito e respondeu com orgulho:
- Eu sou russo.
Foi a vez do francês erguer as sobrancelhas.
- Ah... então seria esta uma arma secreta de Catarina II?
Ippolit Tikhonovich inspirou fundo e fez alguns cálculos mentais rápidos. Luís XVI era o rei de França e Catarina II ainda não era Catarina, a Grande. Por alguma arte do destino, sua cápsula espacial o havia conduzido através do tempo para algum momento do que pareciam ser os anos 1780. O que explicava a ignorância de todos sobre tecnologias do século XX, e as roupas e armas antiquadas.
- Eu sou a maior prova de que viajar pelos céus é perfeitamente possível - respondeu, em tom de desafio. E fazendo um gesto para os nativos que os cercavam:
- E eles são minhas melhores testemunhas!
Quando Askuwheteau terminou de traduzir a última frase, os espectadores prorromperam em gritos entusiásticos, punhos socando o ar:
- Waupauyooh Pautquauhan! Waupauyooh Pautquauhan!
- Trovão Branco; você é o Trovão Branco! - Traduziu um entusiasmado Askuwheteau para o surpreendido Ippolit Tikhonovich.
- [21-11-2023]