Agradecimento especial ao marinheiro e escritor Affonso Luiz Pereira pela orientação, correções e dicas necessárias para a construção definitiva do presente texto.

- PARAÍSO.COM - IOLANDINHA PINHEIRO


120. Este era o número. Pedro não conseguia atinar o porquê deste número não sair de sua cabeça. Uma pressão sistólica de 120 é normal, mas ter 120 batidas no coração por minuto é preocupante, 120 anos é uma idade raramente atingida, e 120 centímetros é a altura limite para crianças poderem andar nas rodas gigantes mais seguras.


Pedro pensava sobre este número enquanto observava a família se divertindo na grande piscina do clube onde haviam ido passar o fim de semana.


A estadia fora oferecida pela Paraíso.com era parte de um complexo turístico composto de hotel, restaurantes e parque aquático, filiado à holding norte americana Eden Enterprises.


Pedro havia ganhado a estadia naquele lugar maravilhoso como um bônus ao ser contratado para chefiar a equipe médica responsável pelo empreendimento.


Tudo estava absolutamente perfeito: as crianças brincavam, a esposa passeava de biquíni pela beira da piscina. Todas as pessoas ali eram lindas, jovens e saudáveis.


Então ele pegou o livro que estava na mesinha ao lado e abriu na página onde havia parado de ler, a página 120. Sentiu um mal-estar, uma sensação de que algo estava fora do lugar. Aquele número deveria significar alguma coisa, mas o quê?


Deitado na confortável espreguiçadeira, Pedro observava as crianças jogando bola na piscina enquanto riam e gritavam. Estava feliz por poder proporcionar todo este conforto para a família. O nome do complexo não poderia ser mais apropriado.

A tarde caía quando Pedro recebeu uma mensagem. Teria que interromper o passeio para comparecer a uma reunião urgente. Pegou suas coisas e se levantou para avisar à esposa sobre o compromisso. Quando levantou o rosto não os viu mais.


Para onde olhasse, não via mais a família, as árvores, a piscina, os outros hóspedes, até mesmo o céu havia sumido e tudo ao seu redor estava cinzento.


Tentou caminhar, mas não conseguiu. Braços, pernas, olhos, tudo estava paralisado. Tentou gritar, mas nenhum som saiu da sua garganta. Antes que tudo ficasse escuro, sentiu, apavorado, um mecanismo abrindo a sua nuca e algo sendo retirado de dentro de sua cabeça.


E depois foi o nada.


O cérebro positrônico de Pedro foi retirado de dentro da cabeça metálica revestida com uma película siliconada criada especialmente para imitar a pele humana.


O corpo, agora sem programação ou autoconsciência, foi mandado para a sala de reconfiguração onde novos traços faciais e corporais seriam dados a ele, conforme o pedido do cliente.


Enquanto isso, na sala de controle da Éden Enterprises o dois rapazes discutiam sobre a nova personalidade.


- O cliente agora quer que o androide seja uma moça. Pelo jeito quer viver uma aventura diferente, viu? Pediu que fosse uma moça pobre morando num morro dominado pelo tráfico.


- Já sabe o nome?


- Avisaram que seria Cristina. Anota aí na ficha nova.


Luiz Claudio fechou o computador e colocou a ficha da experiência 120 na gaveta, Na segunda-feira abririam uma ficha nova.


https://youtu.be/znfYwABeSZ0?si=UrfIxJQJk8aAIais
Link com a música para ouvir durante a leitura.