Cápsula do tempo
- Então... não é um trote?
Vincent Belleau, primeiro-ministro canadense, telefone colado à orelha direita, suspirou.
- Não, presidente Connor; não é um trote, tem a minha palavra; a minha, e a dos meus especialistas do CSIS.
Do outro lado da linha, o presidente dos Estados Unidos resmungou algo inaudível. Obviamente, não estava nem um pouco satisfeito com o rumo que as coisas haviam tomado.
- Agradeço que tenha autorizado meu pessoal a dar uma olhada no artefato, mesmo tendo a palavra do seu pessoal.
- É uma situação que nos afeta a todos - assentiu diplomaticamente Belleau. - Mas, em retrospectiva, a história toda começa a fazer muito sentido.
Curto silêncio do outro lado da linha, até que Connor verbalizasse o que ambos remoíam tentando calcular o tamanho do estrago.
- Você fala do Ippolit Kolosov?
- Sim, o misterioso Ippolit Tikhonovich Kolosov... - admitiu Belleau. - Um sujeito de origem incerta, do qual só se sabia que havia feito fortuna negociando com peles no noroeste do Canadá e depois com ouro no Alasca, na primeira metade do século XIX. Um russo com ideias muito à frente do seu tempo e que financiou vários indivíduos e causas, mais ou menos pelo mundo todo... creio que agora sabemos o porquê.
- E você disse que para comprovar isso, ele nos deixou um recado... - complementou Connor.
- Sim, numa cápsula do tempo, dentro da cápsula espacial - explicou Belleau. - Retiraram tudo o que poderia ser fisicamente removido da Pioner-I antes dela ser enterrada no local onde a encontramos, mas dentro deixaram uma caixa de ferro reforçada, contendo uma carta em russo, muito bem embrulhada. Segundo a nossa análise, foi escrita com papel e tinta do início do século XIX, mas a grafia e os termos que usa são de meados do século XX.
- Eu recebi uma tradução impressa da tal carta - disse Connor. - Basicamente, ele se apresenta como um militar cumprindo uma missão altamente secreta, da qual não dá detalhes, exceto que estava ciente de que poderia não voltar vivo após o seu cumprimento. E de que tudo faria ao seu alcance para não permitir que os Estados Unidos da América estragassem o mundo como haviam feito na sua realidade. Não sei se entendi bem essa última parte... quando ele escreveu isso, os EUA estavam ainda longe de serem considerados uma grande potência, mal havíamos acabado de sair da Guerra da Independência!
- Nossos cientistas especulam que Ippolit Kolosov ou era um viajante do tempo, ou veio de uma realidade paralela, onde a história se desenvolveu de modo diverso do nosso - redarguiu Belleau. - Ele talvez não pudesse alterar a própria realidade, mas com seu conhecimento do futuro poderia, e de fato o fez, alterar o mundo onde veio parar. Nunca saberemos como era, afinal, esta realidade da qual ele veio, pois não nos deu detalhes sobre ela; ao menos, não na documentação de conhecimento público.
- Acredita que agentes de Ippolit Kolosov possam ainda estar agindo na atualidade? - Questionou Connor.
- Difícil dizer - admitiu Belleau. - Os objetivos dele, quaisquer fossem, devem ter sido alcançados; e ele provavelmente estava tranquilo quanto a sua cápsula do tempo ser descoberta antes que fossem cumpridos. A Pioner-I foi enterrada numa região remota do que então eram os Territórios do Noroeste; levamos duzentos anos para chegar até ela, e isso provavelmente deve ter tido a participação e a conivência dos índios da região. Entre eles, Ippolit Kolosov ainda é uma figura lendária.
- Não somente entre eles - admitiu o presidente dos EUA com amargura.
- Teremos que fazer a administração dos danos daqui por diante - redarguiu Belleau. - Mas toda e qualquer informação referente a este caso deve ser classificada como ultrassecreta. E se alguma coisa vazar para a imprensa, devemos chamar de teoria da conspiração.
O que nem Connor nem Belleau haviam previsto, é que os agentes de Ippolit Kolosov já haviam se preparado para aquele momento há décadas. Dias depois, um vídeo foi postado na internet, onde não só era exibida a escavação inicial feita por um empreiteiro no local onde a Pioner-I fora enterrada, mas na subsequente chegada dos agentes do CSIS e a remoção da cápsula espacial para um local secreto. O vídeo terminava com uma legenda, sugerida pelo próprio Ippolit Kolosov durante seus anos finais, nos quais residira em Moscou, e na qual se lia em russo: "Um oferecimento do major Ippolit Tikhonovich Kolosov e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas".
Mesmo na Rússia, onde a postagem foi recebida com reações que iam da incredulidade ao espanto, poucos entenderam ao que o misterioso filantropo do século XIX estava se referindo. E aqueles poucos que sabiam, não estavam falando.
- [28-10-2023]